Rio Quarenta (e dois) Graus

Rio Quarenta (e dois) Graus

Na semana passada, especificamente no dia 17 de novembro, a temperatura média da superfície da terra ultrapassou em mais de 2°C os níveis pré-industriais pela primeira vez desde que os registos começaram, de acordo com dados provisórios.

Tenho escrito bastante aqui sobre a mudança climática e seus impactos de longo prazo, mas esse marco chama nossa atenção para o fato de que não estamos mais falando de uma "possibilidade", muito menos de algo que só afetará "gerações futuras".

O aumento da temperatura global está diretamente ligado às mudanças climáticas, resultando em eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como ondas de calor, furacões, inundações e secas. Além disso, essas mudanças têm impactos devastadores nos ecossistemas terrestres e marinhos, colocando em risco a biodiversidade.

O derretimento das calotas polares e geleiras, impulsionado pelo aquecimento global, contribui para o aumento do nível do mar, representando uma ameaça para áreas costeiras e ilhas. Além disso, as mudanças climáticas afetam a produção de alimentos devido a alterações nos padrões de chuva e temperatura, levando a escassez e insegurança alimentar.

Além disso, há impactos na saúde humana, com o aumento da incidência de doenças transmitidas por vetores e riscos associados a eventos climáticos extremos.

Essas mudanças têm implicações econômicas diretas, com danos à infraestrutura, aumento de custos relacionados a desastres naturais e alterações nos padrões de produção e consumo. A ultrapassagem do limite de 2°C acima dos níveis pré-industriais destaca a urgência de tomar medidas significativas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e promover a adaptação a um clima em transformação, reforçando a importância dos compromissos estabelecidos no Acordo de Paris.

Vale lembrar que o Acordo de Paris estabeleceu esses 2°C acima dos níveis pré-industriais como limite máximo para o aumento da temperatura média global, baseado em avaliações científicas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que indicou que ultrapassar essa meta acarretaria em riscos significativos e irreversíveis para o sistema climático.

Além disso, um aumento superior a 2°C ampliaria os riscos de perda irreversível de ecossistemas críticos, levando à extinção de espécies e à interrupção de serviços ecossistêmicos essenciais para a sobrevivência humana, como polinização de culturas e purificação da água.

No âmbito da segurança alimentar, ultrapassar esse limite comprometeria a produção agrícola global, devido a mudanças nos padrões de chuva, aumento de eventos climáticos extremos e condições adversas para o cultivo de alimentos.

Mas isso tudo é tratado como possibilidades em um futuro distante.

Só que impactos relevantes da mudança climática já se fazem sentir em várias partes do mundo, manifestando-se em uma série de eventos preocupantes. Um exemplo notável ocorreu nos Estados Unidos em 2017, quando o Furacão Harvey atingiu a região do Golfo do México, resultando em inundações catastróficas e danos significativos em Houston, Texas. Esse evento extremo foi atribuído, em parte, às mudanças climáticas, destacando a intensificação dos furacões como um impacto observável.

Na Austrália, os incêndios florestais devastadores que assolaram o país no final de 2019 e início de 2020 foram fortemente influenciados pela mudança climática. Esses incêndios, que afetaram áreas como Nova Gales do Sul e Victoria, foram exacerbados por temperaturas excepcionalmente altas, secas prolongadas e ventos intensos, ilustrando a ligação entre as mudanças climáticas e o aumento da frequência e intensidade dos incêndios florestais.

Além disso, o aumento do nível do mar está tendo impactos concretos em várias partes do mundo. Em regiões como Bangladesh, as inundações costeiras estão se tornando mais frequentes e graves, ameaçando comunidades inteiras e tornando as áreas mais propensas à salinização do solo, prejudicando a agricultura local.

Conforme indicado no Sumário para Formuladores de Políticas do IPCC no relatório "Mudanças Climáticas 2023", aproximadamente 3,5 bilhões de pessoas habitam HOJE contextos altamente vulneráveis às alterações climáticas. É crucial destacar a interdependência entre a vulnerabilidade humana e a dos ecossistemas. Regiões e populações com notáveis restrições de desenvolvimento enfrentam uma vulnerabilidade significativa aos riscos climáticos.

O aumento de fenômenos meteorológicos e climáticos extremos expôs milhões de pessoas à insegurança alimentar aguda e reduziu a segurança hídrica, com os impactos mais severos observados em diversas localidades em África, Ásia, América Central e do Sul, PMA (Países Menos Avançados), Pequenas Ilhas e Ártico. Globalmente, os Povos Indígenas, pequenos produtores de alimentos e famílias de baixa renda também enfrentam desproporcionalmente os impactos adversos das mudanças climáticas.

O período entre 2010 e 2020 registrou uma mortalidade humana 15 vezes maior causada por cheias, secas e tempestades em regiões altamente vulneráveis em comparação com áreas de vulnerabilidade muito baixa. Esses dados destacam a necessidade urgente de medidas globais para enfrentar as desigualdades associadas às mudanças climáticas, bem como para fortalecer a resiliência dessas comunidades frente aos desafios climáticos em evolução.

As mudanças climáticas provocaram impactos significativos na segurança alimentar e na segurança hídrica, apresentando desafios para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU. Embora a produtividade agrícola global tenha experimentado um aumento, as alterações climáticas atuaram como um fator de desaceleração desse crescimento ao longo das últimas cinco décadas em escala global. Os efeitos negativos são particularmente pronunciados em regiões de latitude média e baixa, enquanto algumas regiões de latitude elevada experimentaram impactos positivos.

O aquecimento e a acidificação dos oceanos exerceram efeitos prejudiciais na produção de alimentos provenientes da pesca e da aquicultura de marisco, especialmente em determinadas regiões oceânicas. Esses impactos negativos destacam a vulnerabilidade dos ecossistemas marinhos às mudanças climáticas.

Além disso, aproximadamente metade da população mundial enfrenta atualmente séria escassez de água em pelo menos parte do ano, resultado de uma combinação complexa de fatores climáticos e não climáticos. Essa escassez hídrica representa uma ameaça significativa à segurança hídrica global, afetando comunidades em diversas partes do mundo.

De acordo com o mesmo estudo, o aumento dos eventos de calor extremo tem acarretado impactos significativos na mortalidade e morbidade humana em todas as regiões. Este fenômeno tem sido acompanhado pelo aumento da ocorrência de doenças transmitidas por alimentos e pela água, relacionadas com o clima, bem como um aumento na incidência de doenças transmitidas por vetores. Nas regiões analisadas, observa-se que desafios de saúde mental estão associados ao aumento das temperaturas, ao trauma resultante de eventos climáticos extremos e à perda de meios de subsistência e de aspectos culturais.

Os extremos climáticos e meteorológicos têm desempenhado um papel crescente no deslocamento populacional, com impactos substanciais em regiões como África, Ásia, América do Norte e América Central. Pequenos estados insulares no Caribe e no Pacífico Sul são desproporcionalmente afetados em virtude de seu tamanho populacional reduzido.

A poucos dias do início 28º Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP-28), dia 30 de novembro, em Dubai, essa marca histórica não poderia ter ocorrido em momento melhor. Pode ser apenas uma coincidência, ou pode ser um alerta para a necessidade urgente de abordar não apenas os impactos físicos das mudanças climáticas, mas também os desafios de saúde pública e bem-estar associados a esses fenômenos, enfatizando a complexidade e interconexão dos efeitos das alterações climáticas sobre a comunidade global.

Rodrigo Alves de Paula

Tecnólogo em projetos mecânicos, desenhista e cadista

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As mudanças climáticas são reais, graves e devem ser mitigadas pois não há nenhum benefício que esse fenômeno possa trazer. Caso não consigamos frear o aquecimento, não descartarei inclusive a possibilidade de extinção da humanidade a longuíssimo prazo.

Ana Tereza Marques Parente

Executiva Jurídica | Conselheira Voluntária | Pesquisadora | Meio Ambiente | Saneamento | Energia | Mudanças Climáticas | Regulação | ESG | Descarbonização | Descomissionamento

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👏🏻👏🏻👏🏻

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