Só você conhece a sua música

Pode não parecer muito o meu estilo, mas até os meus 14, 15 anos eu fui flautista. Tocava flauta transversal, fazendo concertos solo ou em dupla, sempre com Haydn, Handel e afins.

Não era especialmente talentoso, mas até que o instrumento perdesse definitivamente espaço para o rock and roll, esportes, saídas com os amigos e meninas, fui um flautista esforçado.

Dito isso, tocar com partitura requer foco, especialmente quando adolescente. E de vez em quando nos vemos perdidos em meio às notas, sem saber onde ficamos na composição e correndo o risco de destruir o legado do compositor e a paciência do público.

Foi dessa época que aprendi uma lição valiosa com o professor Faustino, meu mestre de flauta: "ninguém conhece a sua música".

O que ele queria dizer (e dizia) era que só eu sabia o que estava na minha partitura. Sendo assim, eu poderia simplesmente marcar pausas até me localizar e então voltar a partir da parte correta.

O conselho era de uma simplicidade enorme, mas lembro de ter me salvado pelo menos uma vez, em um concerto no Cariru Tênis Clube. Me perdi em uma peça de Haydn enquanto o Lucas, que se apresentava comigo, seguia em frente. Segundos depois me encontrei e retomei a música, terminando o recital sem que ninguém notasse o quase desastre.

Na vida também é assim. Ninguém conhece a sua música, a sua partitura. Ninguém pode dizer se a obra que você está executando tem uma pausa ou pede um andamento acelerado. Só você pode dizer, só você tem a música dentro de si.

Então ouça as críticas e sugestões com carinho, entenda que eles talvez prefiram John Coltrane, Sepultura, Ivete Sangalo ou Paulinho da Viola, mas que você toca Haydn e pronto.

E se você se perder, dê uma pausa (ou improvise se a sua onda for jazz), e retome do ponto em que se encontrar, sem medo do que vão pensar. Porque ninguém conhece a sua música, mas pode acreditar que ela é linda como nenhuma outra.