Saindo do armário no trabalho

Saindo do armário no trabalho

Para muitos pode parecer um assunto já superado mas a verdade é que se assumir LGBTQIA+ (as siglas representam gays, lésbicas, bisexuais, trans, queers, intersexo, assexuais e demais variações de gênero e sexualidade) no Brasil ainda é extremamente desafiador. O Brasil é o país que mais mata LGBTs em todo o mundo (no Brasil, esse levantamento é realizado pelas entidades Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia) e de acordo com uma pesquisa realizada pela organização OutNow, cerca de 68% dos profissionais LGBTs já sofreram homofobia no trabalho.

      Eu já morava com meu parceiro desde 2011 mas,  naquele momento,  apenas os amigos mais próximos sabiam da minha sexualidade. Mesmo imaginando que muitos dos colegas de trabalho já desconfiavam ou sabiam da minha orientação sexual devido a fofocas, era muito difícil pensar sobre a possibilidade de falar abertamente sobre isso, o que me causava muita ansiedade. Eu me sentia observado com uma lupa. Era como se estivesse sendo julgado o tempo todo. Passavam coisas pela minha cabeça como “será que vão continuar me dando oportunidades no trabalho por eu ser gay" ou "o que vão pensar se eu selecionar um rapaz para a minha equipe". A imagem do homem gay ainda é bastante associada à uma sexualidade exacerbada, como se essa fosse a principal característica que nos definisse. Por conta de todos esses receios, adiei por muitos anos a saída do armário. Eu não tinha uma namorada ou contava uma história irreal para despistar os mais curiosos. Eu simplesmente escondia uma parte importante da minha vida, o que fazia e como vivia fora do trabalho. Eu perdi a oportunidade de criar laços com muitos colegas pelo medo de permitir que participassem desse lado da minha vida, que eu considerava mais obscuro. Eu sentia vergonha.

      Foi em julho de 2013 que tudo mudou. A minha sogra, que vivia em Araçatuba, interior de São Paulo há mais de 400 km de distância, sofreu um aneurisma. O Marcelo, meu parceiro de vida, me ligou chorando e desesperado com a situação. A vida me deu um “empurrãozinho” para sair do armário me fazendo perceber que todos aqueles medos eram menores do que ser o companheiro que o Marcelo precisava. Aquela tragédia inesperada coincidiu com um grande evento em que eu deveria apresentar, o lançamento da nossa política de home office, que eu havia ajudado a elaborar. O auditório estava lotado. Eu conversei com a minha gestora e contei que eu já vivia em união estável com o Marcelo e que ele precisava de mim. A compreensão dela me fez perceber o quanto eu era privilegiado. Em resumo, a minha sogra se recuperou completamente, e quase que de forma milagrosa, não teve nenhuma sequela.

A partir daquele momento, eu havia decidido que o armário já estava pequeno demais pra mim.

      Apesar do evento tão repentino que ajudou a me assumir como LGBT, eu já fazia análise com minha psicóloga há pelo menos 6 anos. Foi um processo de entendimento e aceitação da minha orientação sexual e como ela impactava na forma de me relacionar com as pessoas no trabalho ou fora dele. As minhas escolhas, a maneira de me expressar e tantos traços únicos de quem sou como profissional é também influenciado pela minha sexualidade.

      Mas quero voltar a um ponto crucial sobre o meu entendimento enquanto LGBT e papel que escolhi assumir na sociedade. Desde que saí do armário, as coisas foram ficando cada vez mais fáceis. Meus gestores e colegas de trabalho sempre me respeitaram e me receberam de braços abertos. E foi isso que me fez perceber como sou privilegiado. Por ter nascido homem, branco e cisgênero num país ainda muito marcado pelo machismo, racismo e transfobia. Tive o privilégio de construir minha carreira em uma empresa multinacional que tem processos claros para combater a discriminação no trabalho e criar um ambiente mais inclusivo. Também me considero privilegiado por ter tido gerentes excelentes e que foram muito compreensíveis (algumas líderes mulheres, contrariando as estatísticas, já que homens ainda são maioria nos cargos de liderança). Ao compreender meu lugar de privilégio, entendi que não bastava me assumir. Tinha que apoiar as demais pessoas da comunidade, que não tiveram essas mesmas chances. Às vezes fico imaginando como deve ser difícil para mulheres lésbicas no trabalho em um ambiente dominado por homens heterosexuais. Para as travestis e pessoas trans, o quanto deve ser difícil encontrar uma vaga de trabalho com carteira assinada, considerando que 80% delas possuem apenas o ensino fundamental, de acordo com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

Foi por isso que decidi criar em julho de 2020 um programa de mentoria gratuíto para a população LGBTQIA+, o LGBT Mentoring. Desde o lançamento do programa, já atendemos mais de 100 profissionais da comunidade, apoiando na empregabilidade e desenvolvimento de carreira.       

Atualmente sigo trabalhando em recuros humanos na mesma empresa mas na nossa matriz na Suíça. Por aqui, as pessoas de nosso convívio conhecem o Gui e o Marcelo, meu marido com quem estou há 11 anos. Esconder a minha sexualidade aqui na Suíça nunca passou pela nossas cabeças e todos aqueles sentimentos de medo e vergonha ficaram no passado. Se eu puder dar um conselho a outros profissionais que estão enfrentando esse dilema sobre sair do armário, eu recomendaria para primeiro observar se há outros LGBTs na empresa e como eles são (ou não) respeitados. Vale a pena também checar se a empresa possui canais de conduta ética e se as denúncias são levadas a sério. Em um ambiente ainda muito homofóbico e principalmente durante a maior crise sanitária e econômica da nossa história, todo o cuidado é pouco para evitar que as pessoas fiquem ainda mais vulneráveis. Sobre estar emocionalmente pronto para se assumir, isso é muito pessoal, mas procure ter apoio, seja profissional, por meio de psicoterapia, ou da família e de amigos, para que possam te dar o conforto de um abraço e apoiar para que esse processo seja o menos doloroso possível.

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Marcelo e eu, 31 de dezembro de 2020 em Andermatt na Suíça.

Fabiane Leonel Buischi

Recursos Humanos, HR Business Partner, Psicóloga, Doula, mãe do Pedro, Caio e Felipe

3 a

Lindo relato Gui… que seja mto inspirador para outras pessoas não terem mais medo. Que força vc teve, imagino como e quanto tempo em terapia isso foi trabalhado, mas agora se resume em força e inspiração. Além disso cuidado para com os outros!!! Parabéns por tudo!

Danila Katia Torazzi

Administrativo na ADF Segurança Eletrônica Ltda

3 a

Adorei conhecer toda a sua história... Te conhecendo desde o início da sua carreira e vendo seu crescimento tanto pessoal quanto profissional é muito gratificante e só faz com que outras pessoas sigam o mesmo caminho. Sempre te admirei como pessoa e profissional independente de qualquer coisa. Muitas saudades de vc. Sucesso sempre. Bjs.

Joana Vaz Monteiro

Head of Talent Acquisition (HQ, Swiss Market and Global Businesses)

3 a

Obrigada pela partilha Guilherme! Muito inspiracional

Fernanda Ioshimine

SR HR Business Partner | LongPing High-Tech

3 a

Gui! Que texto mais lindo! Que inspiração!! Não canso de dizer o orgulho que tenho de vc! Meu parceiro de judô na infância e amigo pra vida! Obrigada por tanta inspiração! O mundo ganha por ter o ser de luz que é você! Vc e Marcelo C. moram no meu coração!

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