Se não tem tempo para dedicar a um filho, compre uma samambaia.
Certa feita assistindo a uma palestra de um colega psicólogo, que ao ser questionado por um pai que estava na platéia em como organizar a vida profissional conquistada pelos homens e mulheres na atualidade, com extensa carga horária diária de trabalho durante 5 a 6 dias da semana com a maternidade/paternidade, ouvi a seguinte resposta: “Se vocês não têm como mexer nessa rotina, não têm como fazer acordos entre si para dividir tarefas e reorganizarem a vida e acham que continuarão exatamente da mesma forma, não tenham filho, comprem uma samambaia.” Aquela resposta por mais dura que parecesse ser continha uma verdade tão profunda...
Filho é escolha! Filho é projeto de vida. E não dá para se dedicar a um projeto sem mudar absolutamente nada. Se quisermos comprar um novo apartamento, temos que reduzir os gastos, sair menos, economizar. Se desejarmos emagrecer, temos o compromisso com a mudança dos nossos hábitos, nos alimentarmos de maneira mais adequada, abdicarmos de certos prazeres, acharmos um horário na agenda para fazer uma atividade física. Se decidirmos fazer curso de pós-graduação, temos que deixar de lado por um tempo as saídas e nos atermos a leituras, estudos que nos reduzirão o tempo livre e de lazer... E assim poderia elencar inúmeros outros exemplos para ilustrar que qualquer escolha feita nos exige redimensionar as nossas prioridades e assumir novos compromissos e responsabilidades. Ou seja, qualquer decisão tomada ao longo da nossa vida nos traz alguns ganhos e outras perdas.
Parece óbvio, mas confesso que na vida prática não tem sido tão óbvio assim. Penso nisso quando percebo inúmeros casais que tiveram seus filhos, mas não assumiram as responsabilidades sobre essa escolha e delegam as suas funções a terceiros, seja a babá, a escola, a televisão, a tablets e computadores...
Ou seja, são filhos órfãos de pais vivos. Órfãos, pois as funções maternas e paternas não são desempenhadas por eles. Pais que não assumem as suas responsabilidades sempre existiram, mas nunca como atualmente. Vemos um fenômeno social amplo de famílias assumindo esse modelo.
Isso pode se atribuir a ilusão que o filho pode passar a fazer parte das suas vidas, mas a rotina anterior continuará exatamente a mesma, com a desculpa difundida de que tempo não requer quantidade e sim qualidade. Não sei como pode haver qualidade sem o mínimo de tempo necessário. Ter qualidade na relação implica dedicar tempo, diálogo, olhar, investimento de afeto e fundamentalmente de rotina e de limites. Como se faz isso sem presença diária efetiva?
Comprar presentes, oferecer viagens e passeios, realizar os desejos dos filhos não é educar. Uma das tarefas fundamentais da educação é ajudar a criança a distinguir desejo de necessidade e cabe aos pais atender as necessidades de seus filhos e não apenas preencher os seus desejos.
Ouço inúmeros pais justificarem a sua excessiva ausência porque estão trabalhando para ganharem dinheiro e comprarem os brinquedos que seus filhos desejam. Preocupam-se em atender aos seus anseios materiais e negligenciam a sua necessidade real e prioritária de presença, amor, cuidado, atenção, escuta, limites.
O carinho dos filhos não se compra. Amor se constrói com presença, atitudes e responsabilidade em construir um caminho para que essa nova vida possa seguir em direção à sua autonomia.
Na era da liberdade de expressão, de escolhas e de infinitas possibilidades de se viver, nada há demais em decidir que não cabe na sua vida essa tremenda mudança, essa entrega, essa abdicação. Se assim for compre uma samambaia. Será muito mais honesto consigo mesmo e com a vida futura que não será negligenciada.
Larissa Machado - Texto Publicado no Contextual Blog.
Diretora pedagógica, Orientadora Educacional, Educadora Parental e Psicoterapeuta.
9 aBrigada, Marilia Franco!
Medica infectologista com experiência e formação em gestão hospitalar
9 aExcelente reflexão, Larissa. Parabéns pelo texto.