Sem querer, mudei a frase mais manjada supostamente atribuída  a Sócrates, que me libertou de um paranoico agnóstico

Sem querer, mudei a frase mais manjada supostamente atribuída a Sócrates, que me libertou de um paranoico agnóstico

No final da década de 1990, quando trabalhei como assessor de imprensa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SEAB) conheci uma figura que foi colunista desta Folha Curitibana até setembro  último. Sua esposa tinha ido vender os livros dele na SEAB e travamos uma conversa, logo seguida de um convite para visitá-los, na chácara onde residiam, no Santa Cândida. Assim o fiz.

Jovem profissional com pouca experiência, na época, me limitava a ouvir o discurso antisociedade, antissistema, antiliteratura fictícia, antirreligião, antitudo e antitodos da tal figura. Perante ele, eu ficava sempre calado, pois era impossível dialogar com este adépto das ideias de Jiddu Krishnamurti, da holismo e do agnosticismo — aliado a um “não-ouvismo” e uma forte dose de paranoia e revolta.

O que me chamou a atenção foi seu trabalho como artista plástico e não seus escritos. Da geração de pintores como Miguel Bakun e Guido Viaro, vi um certo talento e característica própria em suas obras óleo sobre tela. Pensei em fazer, na época, muitas coisas para divulgá-lo, mas logo vi que não haveria como. Afoito para tentar vender seus quadros em um final de ano, obrigou-me a dar-lhe o telefone do falecido colunista social Dino Almeida.

Assim o fiz, sabendo que, daquela forma, daria com os burros n’água e me mudei logo em seguida para os Estados Unidos. Quando retornei, depois de vários anos e mais maduro, fui procurá-lo novamente. Como havia reativado esta Folha Curitibana, fiz uma matéria de capa sobre ele e passei a publicar seus textos mensalmente no jornal. My Lord!! Que neura. Eu era um profissional mais experiente, mas ele continuava o mesmíssimo ou ainda pior. Logo deixei de visitá-lo.

Sua neurose e paranóia chocam-se com as falhas constantes nos meios de comunicação impresso. Um errinho de digitação era motivo para sentir-se perseguido, podado; um sentimento de que eu, a revisão, a diretoria, alguém, nos confins da obscuridade e má intenção estavam tentando atingí-lo. Sentimentos descritos por palavras e frases de uma boca espumante jorrando continuamente as impressões de uma mente perturbada. Depois, devido à minha ausência de visitas, através de cartas a princípio registradas.

Quando a edição atrasava eram vários os telefonemas para saber o porquê, inclusive para clientes e anunciantes.

Assim como naquele final da década de 1990, desisti de todas as minhas boas intenções. Entre elas produzir um vídeo sobre sua obra como artista plástico ou levar até ele pessoas interessadas em seu trabalho que me procuravam através do jornal. 

Em uma penúltima carta disse ter consiguido se aposentar como artista plástico. Escrevi-lhe, então — tapa com luva de pelica para mexer com o vespeiro — como foi bom ter conseguido tal coisa sem a devida contribuição junto à previdência.

Algumas semanas depois chegou o contra-ataque. Eu havia digitado errado uma frase em seu texto. Na manjada frase “Tudo sei que nada sei” digitei por acidente “Tudo sei que nada wi”; ou seja, além de mudar o verbo ainda troquei o V pelo W, o que poderia, para uma mente sã, ser uma prova de erro de digitação e revisão.  

Este foi o motivo para as reclamações se tornarem em agressão, através de carta assim iniciada: “Coutinho, qual é a sua? Mudar o texto dos gregos de três mil anos atrás: (...). Penso que o mais grave ligado à essa arbitrariedade jornalística, é notar que essa não é a primeira vez que isso acontece. Assim sendo, cessa nesse momento minha colaboração com o jornal”. 

A tal frase, supostamente atribuída a Sócrates, foi minha libertação. Tudo sei que me livrei!!

Emildo Coutinho é jornalista, fotógrafo, professor de inglês e editor da Folha Curitibana. Com 24 anos de profissão, formou-se em 1992 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); atuou em diversos jornais e outros meios de comunicação de massa de Curitiba e no jornal norte-americano Beltsville News, em Washington D.C., Estados Unidos, onde foi colunista. Atualmente também cursa Letras Inglês-Português; emildocoutinho@gmail.com

 

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