Os 22 livros lidos por Lula e a arte sutil do petismo de provocar o andar de cima
Quando Lula estava para completar 60 dias na prisão, o PT divulgou que ele havia lido 21 livros no período.
Nesta semana, aos 70 dias, divulgou no Twitter o 22º, A Arte Sutil de Ligar o Foda-se, best-seller de autoajuda do americano Mark Menson, que defende o valor do fracasso:
Chega de tentar buscar um sucesso que só existe na sua cabeça. Chega de se torturar para pensar positivo enquanto sua vida vai ladeira abaixo. Chega de se sentir inferior por não ver o lado bom de estar no fundo do poço.
Fora o fato de que a escolha foi equivocada por fazer aludir a um estado de ânimo ruim para o ex-presidente, é altamente improvável que ele tenha lido todos os livros.
Porque é estatística e humanamente improvável que se leia um livro a cada três dias, ainda que ele só fizesse isso, ainda que fosse um leitor compulsivo e ainda não tivesse uma TV para lhe tomar o tempo.
E ainda porque a maioria divulgada, para dar um perfil de intelectual marxista ao presidente, o partido e sua assessoria divulgaram entre os títulos de teoria política, biografias e romances, catataus de mais de 500 páginas, de leitura pedregosa, que desafiam a paciência mesmo de leitores iniciados.
Quem Manda no Mundo?, do linguista americano Noam Chomsky, ou Ressureição, de Leon Tosltoi, são tipos de leitura difícil, pesada, arrastada, que requer concentração e longo tempo de dedicação. Que vale para volumes igualmente grossos, ainda que docemente palatáveis, como o Homo Deus de Yuval Noah Harari ou o romance O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marquez.
Eu não conseguiria ler nenhum dos quatro com menos de 10 dias cada, ainda que estivesse por conta, numa praia. São 50 páginas de alta concentração por dia.
O tour de force do ex-presidente para ler em pouco mais de 60 dias tudo o que não levou em uma vida não teria provocado maior polêmica se o partido e a assessoria não tivessem inventado de plantar a notícia.
Minha tese é que não o fazem apenas para manter seu candidato em evidência ou por equívoco de estratégia de comunicação, em geral reincidente no seu modus operandi e afrontar o bom senso. Mas por um cacoete de origem.
O partido, o petismo e o lulismo têm DNA de provocar o andar de cima para reclamar e posar de vítima quando esse andar revida. E acusá-lo do que é, na verdade, um problema seu: complexo e preconceito de classe. No caso atual, lançando mão da bobagem de que pobre também lê e que a elite não aceita que isso possa ser verdade.
Um, que Lula nunca precisou disso.
Dois, que, sobretudo em tempos de redes sociais, é velho esse negócio de usar livro para ostentar conhecimento. Posar em frente de biblioteca para demonstrar cultura, como ainda se vê em tudo quanto é vídeo de intelectual no Youtube, é, no mínimo, déja-vu.
Não seria mais honesto, mais elegante, mais real, mais empático e menos preconceituoso informar que o presidente gosta de assistir TV? Quais programas? Quais emissoras? Globo, por força das circunstâncias?
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