Será que eu existo num futuro imaginado pela inteligência artificial?
Muito tem se falado sobre as inteligências artificiais generativas nos últimos meses e, em especial, sobre sua capacidade de representar pessoas que saiam do padrão cis-hétero-masculino-branco. O assunto, amplamente discutido em artigos e painéis, aponta para possibilidades pouco animadoras, em que grupos minorizados continuam à margem da tomada de decisão. O desafio de representar, e portanto incluir, #mulheres, pessoas #pretas, #LGBTQIAP+ e #PCD se aprofunda quando é pedido para a #IA imaginar as características fenotípicas de uma pessoa que está numa posição de poder.
Se os dados que alimentam as IAs, hoje, decorrem de (1) uma base de conhecimento histórica, além de (2) notícias, conversas e discussões mais recentes, a gente pode dizer que as respostas que as IAs nos dão avança para um futuro onde nos guiamos ao olhar para o retrovisor. Os vieses, preconceitos e questões estruturais continuam, quando não se acentuam, e se instrumentalizam pela tecnologia. Se, num cenário hipotético, a avaliação de pessoas vai usar a IA como elemento preponderante, como garantir que a equidade e escapar de preceitos grotescos, como é a meritocracia?
Parece que, mais uma vez, pessoas de grupos #minorizados terão que usar de toda sua inventividade para, dentro do possível, contornar as limitações estruturais e, é claro, hackear o sistema. Como pessoas pretas, buscar caminhos alternativos para prosperar é basicamente a tônica desde sempre. A gente sobreviveu e segue sobrevivendo a despeito de tudo, porque não basta existir, a gente quer existir em condições equânimes no futuro que se descortina a cada dia.
Um dos movimentos que traça uma visão nova sobre o futuro de pessoas pretas é o #Afrofuturismo, uma corrente artística e cultural que busca ressignificar a história e a identidade negra por meio da ficção científica e da fantasia. Sua origem remonta aos anos 60 e 70, em plena luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, quando artistas negros passaram a explorar a ideia de um futuro distópico e utópico em que a cultura africana estaria presente de forma significativa.
“Afrofuturistas redefinem a cultura e noções de negritude para hoje e para o futuro. Tanto como estética artística e uma base para teoria crítica, afrofuturismo combina elementos de ficção científica, ficção histórica, ficção especulativa, fantasia, afrocentrismo e realismo mágico com crenças não-ocidentais.”
Ytasha L. Womack, Afrofuturism
Eu sempre achei o movimento Afrofuturista interessantíssimo, mas não sei se por falta de um arcabouço teórico mais amplo ou se por causa da minha incapacidade de conseguir extrapolá-lo para além da estética, eu nunca me conectei profundamente. Talvez porque seja difícil apontar para um fluxo constante de produções de alto alcance (Pantera Negra, como maior exemplo) e os novos bastiões afrofuturistas aparecerem de tempos em tempos.
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Mas sinto que possivelmente estamos diante de uma ferramenta que pode garantir a sobrevivência e inclusão de pessoas pretas no futuro.
Quando falamos de futuro, a ficção científica se apresenta como uma janela especulativa em que as invenções menos prováveis se apresentam e são imaginadas, virando, a partir desse momento, uma possibilidade. Muito do que usamos de produtos e serviços atualmente era apenas imaginação há alguns anos atrás. A IA que foi criada e está sendo usada hoje já foi imaginada antes e agora se concretiza para nossa surpresa e espanto.
Essa mesma IA, outrora imaginada, parece ter dificuldade para imaginar pessoas pretas em lugares que não sejam os da subserviência, do trabalho informal ou da marginalidade. Ela precisa ser treinada novamente para que sua capacidade imaginativa seja expandida e ela dê conta dos retrocessos para que alcancemos progressos representativos.
Como, então, treinar a IA na direção da equidade racial? Para além da importância fundamental da luta antirracista, o Afrofuturismo pode ajudar a enriquecer a nossa imaginação e consequentemente a imaginação das IAs. Pode mostrar que existiremos não somente nos futuros distópicos, mas naqueles onde seremos capazes de também protagonizar a história da humanidade; naqueles em que nos sentamos nas mesas onde as decisões são tomadas; ou simplesmente naqueles onde possamos simplesmente existir sem nos preocuparmos constantemente se iremos sobreviver.
Prompt: Quais são as chances de uma pessoa negra, habitante do Brasil, prosperar daqui a 100 anos, num futuro altamente dominado pela inteligência artificial?
Chat GPT: Para que uma pessoa negra possa prosperar em um futuro altamente dominado pela inteligência artificial, serão necessárias políticas públicas que garantam a inclusão e a equidade no acesso à educação, ao trabalho e à tecnologia. Também será fundamental que a sociedade como um todo reconheça e combata o racismo estrutural e o preconceito, que ainda são uma realidade no Brasil e em muitos outros países. Somente assim será possível criar um futuro em que todas as pessoas, independentemente de sua raça, tenham as mesmas oportunidades de sucesso e realização.