Ser antirracista é uma responsabilidade social e moral
Por que ser abertamente antirracista em programas e projetos de responsabilidade social. E como fazer isso.
Para adotar uma posição antirracista: você não precisa ser um ativista negro, realizar trabalhos acadêmicos na área, frequentar grupos de feministas negras, trabalhar em uma consultoria de inclusão de profissionais negros, etc..
Esses trabalhos e iniciativas, em maioria, são realizados por pessoas que se identificam diretamente com a questão racial, e descobriram formas de promover mudanças sociais, culturais e econômicas que abrangem mais de um setor da sociedade.
Mas você não é uma pessoa identificada com a experiência histórica dessa causa, a igualdade racial nunca foi uma questão pessoal para você?
Mesmo assim, você gostaria de poder falar sobre isso, fazer algo socialmente responsável através da sua empresa, do programa de responsabilidade social que você participa ou gerencia diretamente?
Ainda não sabe como? Eu entendo, pois ativistas, acadêmicos, CEO engajados politicamente parecem obter um conhecimento teórico e de causa, maiores do que o seu. Então você poderia pensar, "é melhor deixar esse trabalho com eles..".
Eu diria que existe lugar para você, um lugar esperando por você nessa causa.
Mas primeiro, pare de apoiar eventos e projetos apenas em datas comemorativas, como o dia da abolição da escravatura, ou da consciência negra. Vá além disso.
Se quiser ter relevância, participar de verdade, e gerar resultados sociais concretos para o seu programa ou projeto.
Impacto mesmo vem com o tempo, dizem especialistas confiáveis. Então, situe a expectativa de maneira apropriada, achando o seu espaço real nessa causa. Será impossível que todas as iniciativas pela igualdade racial cheguem juntas à linha de chegada. Por isso, a sua contribuição só você pode prever.
O que você tem feito de verdade em relação ao racismo, através de programas e projetos de responsabilidade social? Qual é a sua contribuição real?
Na minha opinião, toda pessoa branca, pouco identificada com o ativismo negro, não necessariamente acadêmica e apoiadora à distância de movimentos sociais, deveria adotar o antirracismo como premissa.
Penso que seria o mínimo esperado de alguém que deseja ser aliado da igualdade racial.
Por isso, seja abertamente antirracista quando estiver criando os objetivos de um programa ou projeto sobre a educação de qualidade, redução das desigualdades, erradicação da pobreza, trabalho descente e crescimento econômico, igualdade de gênero, saúde e bem-estar.
Porque a igualdade racial está relacionada com a justiça social, e o desenvolvimento da sociedade. Essa perspectiva permite a criação de um espaço adequado e realista, onde o seu projeto de responsabilidade social poderá atuar com legitimidade e coerência.
Agora sim, vamos aos números que tantos acadêmicos, pesquisadoras e ativistas compilaram e analisaram tão bem.
Cinco motivos concretos para agir sobre o que importa
#1 Do total de pessoas assassinadas por ano no Brasil, 71,5% são pretas ou pardas (Atlas da Violência, 2018).
#2 As mortes têm um perfil. 77% são homens negros, pobres, com faixa etária entre 15 e 29 anos (Anistia Internacional, 2015).
#3 Em 2017, 62% da população branca com mais de 18 anos possuía o fundamental completo, contra 47% da população negra. (PNUD, 2017).
#4 Mulheres negras são 62% das vítimas de morte materna no Brasil, versus 35,6% das mulheres brancas (Criola, 2018).
#5 Menos de 10% dos altos postos hierárquicos são ocupados por pessoas negras, sendo que 55% da população brasileira é formada por pretos e pardos (Santo Caos, 2018).
Seu programa ou projeto refletem esse contexto? Se sim, proponha uma solução de impacto.
Qual é o perfil do seu programa, e da sua organização?
Pode ser um programa em uma multinacional, empresa de médio ou pequeno porte. Pode ser uma startup social.
Incorpore números, pesquisas e propostas em curso sobre o tema da igualdade e justiça racial. E posicione o seu projeto.
A sua proposta precisa refletir a realidade do problema, ganhar a escala possível para a sua organização e durar no tempo, promovendo resultados coerentes com a promessa de impacto.
Ah, e resultados comprováveis.
Um bom lugar para começar é a Agenda 2030 da ONU. São 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que o mundo todo deve perseguir nos próximos anos, em todas as áreas da produção econômica.
Busque uma intersecção entre o contexto racial brasileiro, as 17 metas globais e as capacidades estruturais e operacionais do seu programa de responsabilidade social.
O resultado desse cruzamento será um conjunto de possibilidades ideais para você implementar. E parabéns, você terá um conceito de programa demonstrável.
Aliados são fundamentais
Pensando na execução, trabalhar com equipes diversas será muito importante. Especialmente na hora de interpretar contextos, e decidir quais enfoques a proposta deve receber.
É um equívoco achar que toda pessoa negra conhece e atua sobre a questão racial. E um equívoco maior ainda é apostar na capacidade de um grupo restrito, de conhecer e atuar sobre uma questão ausente das suas experiências individuais.
Por exemplo, um comitê majoritariamente branco que trabalha sobre a igualdade racial, e que não é capaz de incluir e engajar perfis de pessoas negras.
Para que serve esse comitê?
Aliados são apoiadores informados, facilitadores, mas não necessariamente protagonistas.
Adotar uma atitude abertamente antirracista em um projeto é ser capaz de criá-lo coletivamente, engajando desde o início um grupo diverso de profissionais, brancos e negros, homens e mulheres, conscientes do problema a ser combatido.
Homens e mulheres negros devem ser envolvidos em todo o processo.
Solidariedade não basta
Em todas as ações de projeto, incluindo a comunicação pública, associe solidariedade com mais ousadia e pró-atividade.
Trabalhar na promoção da igualdade racial é assumir não apenas um compromisso com a melhoria das condições socioeconômicas de um grupo.
Especialmente se você teve acesso a números, conheceu o problema mais profundamente e chegou a uma solução de projeto coerente. Melhoria e solidariedade são importantes, mas não bastam.
Promova a independência das pessoas negras, defenda que elas possuam os meios sociais e econômicos para ser bem sucedidas em suas próprias vidas. Solidariedade não pode ser tutela de ninguém.
Por último, e com certeza não menos importante:
Você precisa se posicionar como pessoa, cidadão/cidadã antirracista, no dia a dia em sua empresa, entre reuniões, no refeitório, na seleção de pessoal e na promoção de funcionários.
Ser antirracista é ser coerente com o seu discurso pessoal e de responsabilidade social. Uma coisa não está separada da outra. Não permita que a sua imagem profissional seja ambígua, sem o devido vínculo ético entre seus atos diários e o projeto que você defende.
A postura antirracista é uma responsabilidade social e moral, precisa estar presente em cada ação empreendida por você: que seja bem informada, legitimada e devidamente reconhecida por todas as pessoas, incluindo as pessoas negras.
Psicologia Organizacional e do Trabalho | Consultoria de RH e Mentoria de Carreira
5 a"A igualdade racial está relacionada com a justiça social e o desenvolvimento da sociedade". Excelente texto. 👏👏👏 É muito triste saber que isso ainda é um desafio.
Engenheiro Ambiental l Engenheiro de Segurança do Trabalho
6 aConcordo e apoio, somos irmãos e iguais perante a CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA.
Diversidade, Equidade e Inclusão | Gestão Pública | Palestrante| LinkedIn Creator
6 aExcelente artigo, Rafael. Na mosca!
Assistente Social | Prefeitura Municipal de Santo André SP
6 aMuito importante o fomento da corresponsabilização pelos direitos humanos!
Liderança Orientada por Valores | Branding & Cultura Organizacional
6 aObrigada por esse artigo, Rafael! Uma reflexão genuinamente verdadeira para este feriado da consciência negra. 👏🏼👏🏼👏🏼