Sergio Moro e a diferença entre cálculo e manipulação
Sergio Moro é o sujeito mais sem graça que já apareceu na mídia nacional. Tem um tom monocórdio, uma voz de taquara rachada e nenhum senso de humor.
Passa mais como um CDF, aquele estudante meio vesgo que faz todo o dever de casa no prazo. Ou o profissional que faz cálculo matemático antevendo os resultados, sem pesar as circunstâncias.
Marcelo Serrado, o ator que o interpreta no filme sobre a Lava Jato (Polícia Federal – A Lei é para Todos), disse que foi um tanto constrangedora a conversa que tiveram durante a preparação do personagem, porque, simplesmente, ele não conversa. Coube à mulher dar algum ânimo ao encontro.
Nas duas vezes em que gravou vídeos para usar as redes sociais para um agradecimento e evitar a ida de apoiadores da Lava Jato a Curitiba, foi um desastre do ponto de vista técnico e publicitário. Revelou-se mais sem graça e sem traquejo comunicativo do que se suspeita.
É tão sem jeito para operar esse universo que se revela por descuidado em aparições públicas e paga preço alto por não medir o impacto de certos encontros incendiários para as redes sociais. Como os em que apareceu rindo, cumprimentando ou ignorando, ao lado de Aécio Neves, Michel Temer ou Jair Bolsonaro.
Dizer que esse sujeito tão inábil para comunicação quanto eu para embalsamar cadáveres manipula a opinião pública para sentenciar réus antes da hora, é uma temeridade. É atribuir-lhe um poder que ele não tem. Não coaduna com sua incompetência crônica para operar os mecanismos de manipulação da comunicação e do marketing.
Agora, é verdade que ele usa os mecanismos de publicidade obrigatória dos atos públicos, previstos em lei, para incluir a opinião pública na equação. Como a disponibilização dos depoimentos tão logo concluídos.
O que é diferente. Ele deixa que os fatos falem por ele, sem que ele e sua falta de jeito possam contribuir mais do que a lei permite.
É aquele negócio. Não se pode culpar a janela pela existência da paisagem. O conteúdo das delações é que abatem os acusados, não Sergio Moro e o fato de se ter-lhes dado transparência.
Opinião Pública
O juiz tem plena consciência do papel de pressão da opinião pública para inibir as manobras políticas e legais quando figuras chaves da República estão entre os acusados.
Ele é especialista em Mãos Limpas, a operação que pegou a Itália no mesmo pé do Brasil, no início dos anos 90, quando os agentes públicos não compravam um rolo de papel higiênico sem propina. Prendeu 2.993 pessoas entre 6.509 investigados, em dois anos.
Ele nunca negou que a operação italiana inspirou a brasileira Lava Jato e que o uso da opinião pública era parte de um tripé que se complementa com a delação premiada e um responsável sistema de coleta de provas.
Ele tem um longo e já clássico artigo sobre isso, de 2004, em que escreve:
“A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado.”
Tratei disso neste artigo: Sergio Moro usa os holofotes e abate um líder e um sistema >>>
Donde que nunca vislumbrei objetivos políticos ou intencionalmente manipulatórios em suas ações na Lava Jato. Mesmo naquela acusada de sua maior jogada política, a liberação dos áudios das conversas do ex-presidente Lula que abateram sua nomeação para a chefia da Casa Civil.
Nas minhas contas, ainda que uma escorregada profissional, atribuo ao episódio um senso de oportunidade mais relacionado a seu cálculo profissional e seu espírito público que a maquinações.
Não é da cara e do alcance dessa personalidade fechada, que tem mais jeito de um aluno CDF que de um estrategista. Estava mais comunicando profissionalmente, digamos.
Agora… não se pode dizer o mesmo dos procuradores da Lava Jato, os rapazes comandados por aquele jovem empolgado que alardeou o powerpoint que colocou Lula no centro de um hipotético universo da corrupção.
Deltan Dallagnol, que tem conta no Twitter e conversa sempre com a imprensa, gosta de dar entrevistas na TV que Sergio Moro abomina, faz uso estratégico de conteúdo e oportunidade com fins de pressionar a opinião pública em favor de suas posições. Para provocar resultados, às vezes políticos, sem necessariamente calcular os riscos, para acusados ou para própria operação.
Sua última cartada, de claro tom intimidatório, que acabou em efeito contrário, foi fazer nova denúncia contra José Dirceu no dia em a Segunda Turma do STF se reuniria para analisar seu habeas corpus.
Ele, sim, tem personalidade avessa à de Sergio Moro, um tanto personalista e militante, que se comprova nas entrevistas, no protagonismo em defesa da lei anticorrupção, no livro que publicou recentemente sobre a operação.
É como se ele tivesse aprendido com Sergio Moro, seguido sua escola, mas levado a distorção o princípio de que os atos públicos devem ser transparentes.
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