Setembro Amarelo e as crenças anestésicas da violência de gênero
Belma Andrade de Oliveira¹ Maria Júlia Poletine Advincula²

Setembro Amarelo e as crenças anestésicas da violência de gênero

Muitas mulheres têm dificuldade de se desprender de relações abusivas por diversos fatores. Apesar de as mulheres estarem cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, a dependência econômica do parceiro ainda é um fator preponderante, principalmente quando levamos em conta que os homens continuam ganhando salários mais altos, mesmo desempenhando as mesmas funções que as mulheres.

Ainda, a ideia de que a preservação do modelo de família convencionado na sociedade vem em primeiro lugar, uma herança do histórico colonial no qual as mulheres precisavam se submeter a tudo em prol da estrutura familiar falida e violenta, também torna mais difícil a saída de mulheres da realidade de abuso. Entretanto, faz-se necessário esclarecer, ainda, que a violência doméstica não escolhe classe social, nem separa as vítimas pelo currículo – todas as mulheres, das analfabetas às pós-doutoras, sofrem com esse tipo de agressão. Mulheres independentes, ricas, empresárias, também acabam sofrendo violências por parte de um parceiro abusivo. A questão, portanto, é muito mais cultural, de reprodução de padrões patriarcais e sentimentos como o “eu mereci” e “ele não teve culpa, a culpa é minha”.

Além da violência sofrida (seja ela de qualquer espécie), a mulher se culpa em seguida, levando para si o peso daquele abuso. A vergonha também é outro sentimento comum. Não se sente acolhida nem em casa, nem no ciclo de amizades, muito menos nos corredores das delegacias e varas especializadas. Grande parte sofre em silêncio, o que contribui, inclusive, para a subnotificação dos casos.

           Desta forma, não há como se mudar um cenário já solidificado sem prevenção, sendo esta algo que se constrói ao longo de anos, para só então surgirem os resultados. A necessidade de uma rede de apoio para mulheres que sofrem violência doméstica e familiar é algo urgencial e esta deve ser vista como um instrumento que resgata a autoestima e conscientiza para que a liberdade seja alcançada, não mais se sujeitando a quaisquer tipos de maus tratos. Desenvolvendo, também, o autocuidado e o empoderamento coletivo.

           Muitas das vítimas de violência doméstica acabando por desenvolver transtornos e doenças emocionais graves, como bipolaridade, síndrome do pânico, ansiedade e depressão. Precisamos parar de perpetuar esse tabu: violência psicológica existe, sim! São as marcas invisíveis na alma, que não deixam marcas a olho nu, mas continuam ali.

Sabendo que o Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, criado no Brasil em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), é importante frisar que seu principal objetivo é alertar a população sobre esta realidade no Brasil e no mundo e que a melhor maneira de evitar o suicídio é a partir da disseminação de diálogos sobre saúde mental. No entanto, quantas são as crenças que envolvem a violência de gênero e como elas anestesiam mulheres que muitas vezes não sobrevivem aos abusos cotidianos? 

           Importa pontuar, também, que os filhos inseridos dentro de relações abusivas dos pais desenvolvem certos transtornos, como ansiedade e depressão – são chamados de “vítimas indiretas”. Na verdade, a violência, por si só, espalha em todo o ambiente familiar muito sofrimento. É um adoecimento coletivo.

           É fundamental que exista um pedido de ajuda, porque este pode ser o impeditivo da reincidência do problema. É preciso que o círculo vicioso e adoecedor progressivo se quebre, mas quando não há amparo familiar, auxílio legal e assistência de profissionais de saúde, isso se torna cada vez mais difícil.

A saúde mental da mulher com histórico de violência doméstica é tão delicada e requer tanta atenção que qualquer sofrimento intenso, insuportável e até mesmo interminável pode encontrar no suicídio a única solução de cessar.

           Mulheres depressivas são mulheres anestesiadas, silenciadas por crenças sociais julgadoras. Não veem amparo ao seu redor e não se enxergam mais como parte do todo: preferindo, assim pôr fim ao que conhecemos como vida. Você não está sozinha!

[1] Advogada e Pesquisadora. Licenciada em Letras. Pesquisadora: Núcleo de Literatura. E-mail: belma-andrade@hotmail.com

[1] Advogada Criminalista e Pesquisadora. Pós-Graduanda em Direito da Mulher pela UniDBSCO. Idealizadora do Projeto Todas Juntas. Vice-Presidente da Comissão da Mulher Advogada de Paulista/PE. Secretária-Adjunta do Comitê Feminino da OAB/PE. E-mail: juliapoletine@gmail.com


Júlia Poletine

Violência de Gênero • CEO & Fundadora @ Eu Quero Contar • Advocacy • Impacto Social • Pesquisa • Chevening Alumna • Consultora

4 a

Sempre uma honra! 🥰

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