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Fotos de divulgação

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Suave crítica à indiferença moderna para com o essencial, o filme ‘Dias Perfeitos’ propõe o exercício sensorial no cotidiano ordinário para o enriquecimento da experiência de estar vivo.

Em recente entrevista, o diretor Win Wenders afirmou à jornalista especializada em crítica de cinema, Isabela Boscov, que havia escalado Koji Yakusho (Dança Comigo, 1996) para o papel principal de Dias Perfeitos (Japão-Alemanha, 2023) por causa dos seus olhos. Wenders disse que o ator fala pelo olhar.

Não admira que o filme rebobine a importância de algo raro hoje: a contemplação. Principalmente da natureza - e do interior de nós mesmos. Mas, a obra não se limita à visão. A ênfase na respiração do personagem ao sentir o aroma de pureza das manhãs e em seu alquímico toque na terra durante o replante de mudas de árvores, revela atenção a outros sentidos.

Se olfato e tato são também contemplados, a audição não fica de fora e é coroada pelo som da mídia analógica (fitas K-7) deliciosamente ouvido pelo protagonista, a caminho do trabalho. E o êxtase expresso em seu semblante nos faz lembrar a jazzista brasileira Ester Mazzi, quando dizia que “a música é um perfume sentido pelo ouvido.” Quem sabe pela alma? Aliás, esse filme é um império de sentidos…

Em seu horário de almoço - com o alimento saboreado por um paladar que denuncia a satisfação de quem come conscientemente - ele insere o exercício da visão ao fotografar a luz por entre folhas da copa de uma (mesma) árvore, em uma rotina capaz de encontrar variedade na quantidade. Isso lhe inspira sonhos enquanto dorme; ou guia olhares oníricos às memórias de uma infância fragmentada. Inclusive a visão é sublinhada também na leitura noturna (de livros), dando um toque de erudição e profundidade ao personagem, que inclui em sua estante o escritor estadunidense William Faulkner. Propositalmente o romance Palmeiras Selvagens, de 1939. O Japão do filme é bastante atual, com explícitas influências ocidentais (música de tirar o fôlego, literatura, etc), apesar de manter sua eterna cultura de civilidade, franqueza e doçura.

E a riqueza do uso pleno das interfaces sensoriais deriva uma espécie de completude pela consciência da vida no tempo presente. Como se o exercício dos cinco sentidos levasse às últimas consequências as sensações do sexto: a plenitude espiritual. Talvez seja essa química - mesclando sentido, satisfação (inclusive profissional) e propósito - que motiva Hirayama San a sair da cama todas as manhãs e recomeçar a milimétrica repetição de sua rotina, tão diferentemente igual. Tão ordinariamente fascinante!

Sem entrar no mérito do ofício invisível e, por assim dizer, pouco valorizado do protagonista, o diretor contrasta o prazer de uma vida simples, até humilde, com as desvantagens de certas ambições, pelo simples fato de se viver deliberadamente, nutrido pela gratidão quanto ao que se tem - em especial pelo prazer das pequenas coisas, afluindo para a paz e a alegria de viver. Um protagonista que tem o silêncio como matéria-prima de seu carisma e apenas as expressões (irrepreensíveis!) de seu rosto para prender nossa atenção pode soar enfadonho ao espectador em um mundo – inclusive cinematográfico - excessivamente falante, supérfluo e ruidoso.

O personagem Hirayama, um introspectivo e, talvez melancólico senhor de meia-idade, consegue fazer da gagueira cotidiana um canteiro cultivado com impecável disciplina, onde colhe um fruto bastante escasso: o contentamento. Fez da solitude a companhia ideal para a liberdade que deseja, tendo passado pela aparente ruptura com uma vida menos escassa (economicamente), tal como se sugere no decorrer do drama. A simplicidade comprova-se deliberada e acaba dando a ele outros tipos de riqueza.

Tudo isso com admirável empenho, pois ele sabe que sem a dedicação diária na manutenção de um oásis existencial a contento, tudo pode desandar. Inclusive a administração de seu tempo é irretocável, sendo que defende com energia seu espaço - e seus imprescindíveis direitos. Vide a demanda por um ajudante ao celular (aparelho que ele utiliza rarissimamente).

No geral, é óbvia a mensagem de que a alegria de viver também requer exercício contínuo para seu desfrute, até por eventuais mudanças que possam transtornar o curso da rotina e demandar readaptação a novas realidades (visitas inesperadas, desafios no trânsito, bilhetes anônimos, etc). Importante não esquecer que tudo deve ser feito com atenção plena, serenidade e, sobretudo, prazer. Reforço dado com o mendigo que abraça árvores e flui na biodança do tai chi chuan. Mas o despreparo para com o afeto (beijo inesperado, incidente da cantora do bar, frieza com o pai e a irmã…) denota um personagem inquestionavelmente falível e real - apesar de toda a satisfação conquistada. Matizes da desafiadora condição humana como tradicional condimento de Wenders.

Isso inclui a conjugação equilibrada de nuances psicológicas, sociais, ambientais e simbólicas. Talvez tudo isso junto represente uma Ode à beleza - de viver. E a oportunidade de perguntas que nunca calam: que preço estamos pagando por nossas ambições e conquistas, se a felicidade está no caminho e a morte no final? Como estão: a identificação e a realização de nossos reais desejos? Como lidamos com o que nos impede de viver o que importa, nos fazendo eternos insatisfeitos? O mundo exige sucesso; a mente quer realização; o coração busca um amor e a alma clama por paz.

Vi uma pessoa dormindo profundamente no cinema, durante o filme. Nada a criticar, porque só sabemos de nós mesmos. Mas pode ser que estejamos por demais ‘ligados’ à intensa maratona contemporânea, ao ponto de uma obra de arte que versa sobre equilíbrio essencial e saúde integral, funcionar como sonífero para os que podem estar sofrendo com insônia. Pena o sono acontecer fora de hora, ao ponto de nos fazer perder a chance de olhar para um inconveniente, ordinário e extraordinário espelho.

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