Simplificação administrativa - A teoria dos equilíbrios
“A arte da previsão consiste em antecipar o que acontecerá e depois explicar o porque não aconteceu” - Winston Churchill
Sendo um homem com ligações muito estreitas à contratação pública e às tecnologias de informação e meios digitais de compras publicas, percebi que estas realidades estão profundamente ligadas. O sucesso da transformação digital, em Portugal dita uma progressiva introdução de mecanismos de e-government pró-ativos e próximos das necessidades dos cidadãos e dos agentes económicos.
Uma Administração Pública eficiente precisa de legisladores entendidos e de agentes de mudança que sejam os catalisadores de uma mudança próspera e equilibrada na contratação pública. Existem diversos casos de sucesso que associaram a introdução destes elementos eletrónicos e a reengenharia de processos com novos desenhos de procedimentos e rotinas simplificadas.
No meu entendimento, a generalização das compras eletrónicas encontra-se prevista num plano mais amplo de modernização de toda a Administração Pública, que se pretende rápida, eficaz e eficiente, esta modernização do sistema de compras públicas, é por muitos considerada uma oportunidade de ouro para criar valor, no imediato, garantindo desde logo a oportunidade real de modernização estrutural da máquina da Administração Pública e uma contribuição significativa para a competitividade da economia portuguesa.
É importante que os gestores públicos e os dirigentes da Administração Pública tenham, cada vez mais, conhecimentos sobre estas matérias, de modo a simplificar, desburocratizar e aproximar, cada vez mais, o tecido empresarial português à Administração Pública.
Todo este processo, representa o exemplo de uma mudança definida, politicamente, como imperativa, mas que tem o seu início com a identificação dos problemas que levam a uma alteração legislativa, decorrente das políticas públicas e das opções políticas, motivada pela transformação digital, colocando sistemas e tecnologias da informação ao serviço da contratação pública.
Estas duas premissas contribuíram, efetivamente, para uma mudança de paradigma que alterou meios e processos, sendo duas faces da mesma moeda.
A tecnologia oferecendo à simplificação os instrumentos necessários para que esta passe da letra da lei aos procedimentos e a simplificação tornando muito mais visível o valor acrescentado da tecnologia para a eficiência administrativa, para o trabalho em rede e teletrabalho e para a qualidade.
Aproveitar as potencialidades do desenvolvimento da Administração Pública eletrónica obriga a redefinir, em profundidade, os processos internos e a gestão da informação a eles associada, sendo esta uma excelente oportunidade para repensar também as rotinas de trabalho estabelecidas, avaliar e reformular a estrutura organizativa, através da gestão estratégica de compras (levantamento agregado de necessidades, análises de mercado e negociações) e da identificação de pontos de melhoria nas ferramentas tecnológicas (otimização da plataforma de compras).
A transformação interna provoca profundos impactos nas organizações do estado e também na modernização estrutural do tecido empresarial nacional, impulsionando a competitividade das PME. Todas as empresas que pretenderem fornecer a Administração Pública – o maior mercado comprador – terão de estar preparadas para dialogar eletronicamente. O grande desafio para a economia portuguesa: dotar pequenas e medias empresas de literacia digital.
Este impacto é massivo, não optativo, com efeito alargado, bem superior a quaisquer incentivos à modernização e à promoção do comércio eletrónico. Assim sendo, pode dizer-se que a modernização das compras públicas representa uma oportunidade de mudança efetiva numa parte bem identificada, de fácil gestão e controlo, da máquina da Administração Pública, seguindo modelos simples, pragmáticos e inquestionáveis, com efeitos transversais francamente positivos no sector privado.
Introduziu-se no ordenamento jurídico interno medidas para a modernização, desmaterialização e flexibilização dos procedimentos de Contratação Pública, por via da introdução de meios eletrónicos. Contudo, a Contratação Pública eletrónica constitui uma inovação que cria ruturas, pois ao simplificar e desmaterializar os processos coloca desafios importantes à acessibilidade e à adoção da tecnologia. Terá de se continuar a alterar sobretudo as atitudes e as formas de estar da Administração e dos privados, uma vez que ao ser adotado o modelo de transparência online dos procedimentos, as empresas serão forçadas a esforçarem-se, não pelo acesso à informação relativamente aos procedimentos, mas antes pelo acesso à inovação, aos fatores de diferenciação e à competitividade.
O sucesso da desmaterialização ora operada depende, desde logo da consciencialização de que desmaterializar não implica (nem deve implicar) uma programação em que o computador “assume” decisões e se “transforma” num orientador e definidor da regulamentação processual, assumindo interpretações. O processo informático é apenas isso: um processo informático. Em suma, todas as fases em papel, deverão estar contempladas no registo eletrónico. Trata-se de um verdadeiro processo! em regra tudo se passando (ou devendo passar) como no âmbito do processo em suporte de papel.
O próximo grande passo consiste na desmaterialização da peça processual principal que tem origem em cada transação: a efetivação da fatura eletrónica e da desmaterialização integral do ciclo da compra impondo às entidades envolvidas esse passo. O tribunal de contas deu-o há pouco, quando permitiu que o envio dos processos a visto prévio seja efetuado de forma digital.
No quadro da lógica definida da Administração Pública como pioneira na adoção das tecnologias, este será um caminho de grande alcance que se repercutirá por toda a cadeia processual associada, com elevados benefícios para a economia e para a competitividade do Estado e das empresas.
O nível de maturidade que a contratação publica eletrónica portuguesa apresenta ao nível da utilização de plataformas tem que ser acompanhado pela excelência a nível técnico do procurement.
Não obstante, este grau de maturidade do e-commerce publico o mesmo deve ser sempre pautado pelo conceito de ponderação pode ser designado como “Lei da Ponderação – quanto maior foro o grau de realização ou afetação de um princípio, maior terá de ser a importância de realizar o outro princípio”[i].
Esta Lei enuncia que a ponderação pode ser realizada em três fases; uma fase em que se se estabelece o grau de não realização ou afetação do primeiro principio; a segunda fase em que se afere a importância de realizar o princípio concorrente, e a terceira fase em que se afere a importância de realizar o princípio concorrente justifica a afetação ou não realização do primeiro princípio.
Esta aplicação da Lei da ponderação permite que se permita avaliar/ponderar o grau de princípios colidentes entre si e gradua-los de modo a ser mais graduar os princípios em colisão através de uma escala e encontrar um justo equilíbrio entre, no caso concreto da contratação pública eletrónica, o princípio da celeridade e eficiência e o principio da igualdade de tratamento e não discriminação.
Esta justa ponderação e graduação de colisões de princípios através de uma escala: “grau leve, moderado ou grave”, permitirá aplicar em cada momento ao caso concreto o princípio com maior adequação, razoabilidade e necessidade.
Como refere Alexy ponderar só será impossível se tudo o mesmo valor, dai a necessidade de ter uma escala de importância/relevância de forma a graduar um princípio face ao concorrente.
Não há hoje qualquer dúvida de que a contratação pública eletrónica pública é uma realidade irreversível, o e-commerce no setor privado está hoje em cada uma das nossas tarefas diárias:
Mobilidade: uber, cabufy, my táxi, Lime, Bungo, Voi; Musica: Itunes, Spotify, Viagens: Logitravel, edreams, Momondo; Produtos e serviços: continente on-line, tap, Fnac24; la redoute, Alojamento: Airbnb, entre outros.
No setor público esta será também a tendência, as plataformas eletrónicas, os catálogos eletrónicos, os leilões eletrónicos, sistemas de aquisição dinâmica, parcerias para a inovação, compras centralizadas e outros instrumentos procedimentais especiais serão/é o futuro da nossa contratação publica.
Não obstante e de acordo com a teoria da ponderação devemos ter em conta que os mesmo acarretam perigos na confrontação de princípios constitucionais. Como perigos ou limites a ter em atenção podemos citar a necessária avaliação de custo benefício, a ponderação entre eficiência, concorrência e transparência.
Não podemos deixar de ter em conta a dimensão das empresas (micro, pequenas e médias empresas) aquando do desenho dos procedimentos concursais, assim como a sua localização geográfica.
Não podemos obrigar a que por exemplo um pequeno vendedor de fardos de palha que vende este tipo de bens para a Guarda Nacional República em Portalegre tenha no imediato ou como prioridade do seu negócio a contratação/tramitação eletrónica obrigatória, se o fizermos não estaremos a ter em conta a proteção do interesse publico de todos os intervenientes nesta relação contratual.
Daí a necessária graduação e ponderação na utilização obrigatória dos meios eletrónicos. Devemos tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual, e nesse caso retiraremos da contratação pública o melhor que a mesma tem.
O Estado deve/ tem a obrigação de ser o “guardião” na defesa do interesse publico e igualdade de tratamento e não discriminação no acesso ao mercado público, como sabemos as plataformas eletrónicas podem ser uma forte barreira a este acesso, quer pela falta de interoperabilidade entre as mesmas, obrigando qualquer fornecedor a subscrever os serviços de todas as existentes no mercado de forma a poder responder a procedimentos por convite ou mesmo por anúncio.
Este facto aliado aos custos dos selos temporais, realidade existente hoje por falta de fiscalização das entidades com competência para tal, é claramente hoje algo que nos merece enorme preocupação.
A contratação eletrónica teve como desiderato desde a sua criação, pós segunda guerra mundial, o quebrar barreiras transfronteiriças e de acesso a mercados público transnacionais.
Estes custos em serviços para aquisição das várias plataformas eletrónicas e os “necessários” pagamentos de selos temporais exigidos nas várias fases da tramitação procedimental tornam qualquer procedimento concursal um “luxo” inacessível para grande parte do tecido empresarial português.
Se a fiscalização não atuar, esta graduação de princípios em constante confronto será de difícil escolha, mesmo que para tal exista uma escala de graduação.
Assim, a conciliação de dois dos princípios mais importantes no âmbito da contração publica eletrónica, o princípio da interoperabilidade e o princípio da eficiência são determinantes para a boa contratação publica eletrónica e o e-commerce público, máxime, para a boa administração.
O princípio da interoperabilidade é um pressuposto organizacional da administração eletrónica, uma interconexão e compatibilidade de sistemas, informação de forma a coloca-los a trabalhar, não só entre as distintas administrações ou departamentos governamentais como também com o sector empresarial e os concorrentes e interessados nos concursos. É convergência tecnológica com vista a quebrar barreiras.
O Estado temo dever de legislar e fiscalizar o cumprimento deste princípio sob pena da contratação eletrónica ser uma barreira ao acesso ao mercado público.
Em suma: entende-se por interoperabilidade “a capacidade das plataformas eletrónicas para permutar informação ou prestar serviços, diretamente e de forma satisfatória, entre os respetivos sistemas e os seus utilizadores, bem como operar com eles de forma efetiva”. As plataformas eletrónicas devem ter a capacidade para permitir o intercâmbio de dados, e interagir com equipamentos e aplicações de uso comum e permitir a transmissão de blocos de dados entre as várias existentes no mercado.
Já o princípio da eficiência pretende da utilização dos meios eletrónicos: economizar tempo; redução dos prazos procedimentais, rapidez e desmaterialização, permitindo que aqueles se desenrolem de uma forma mais célere e com maior racionalização de tempo e de recursos e acompanhamento do procedimento pelas entidades adjudicantes, concorrentes e interessados, conjugando eficiência e transparência.
Este objetivo estratégico assente numa contratação publica eletrónica da qual Portugal é pioneiro permite-nos hoje estar na liderança de e public procurement europeu com resultados evidenciados e premiado pela Comissão Europeia no ano de 2018.
O alcance de resultados estratégicos, que o direito comunitário tem como base, permitirá o maior conhecimento do comportamento dos mercados, a consequente definição de estratégia de atuação, a redução da carga administrativa e a obtenção de ganhos económicos, é com esta previsão que termino este relatório na certeza de que, tal como refere Winston Churchill, “A arte da previsão consiste em antecipar o que acontecerá e depois explicar o porque não aconteceu”.
[i] ALEXY, Robert, A construção dos direitos fundamentais.