SOU DEFICIENTE E SOU PRIVILEGIADO.

SOU DEFICIENTE E SOU PRIVILEGIADO.

Faz 20 anos que eu me encontro deficiente. Tenho esclerose múltipla há 38 anos, porém o que me deixou deficiente foi um tumor intramedular que descobri em 2000, quando passei por uma cirurgia de 14 horas, a qual deixou-me com um déficit na minha perna direita e braço esquerdo, mas que com fisioterapia estava conseguindo progressos. Em 2001 sofri uma queda de uma cadeira, caindo sentado no chão e com o tranco tive uma fratura na terceira vértebra. Passei por outra cirurgia para fazer uma lâminactomia, sendo que durante ela sofri uma parada cardiorrespiratória. Fui reanimado e a consequência foi uma lesão medular que tirou por completo minha sensibilidade do pescoço para baixo, afetou os movimentos da perna esquerda bem como os movimentos do braço direito. Durante esses 20 anos esse quadro foi evoluindo, até mesmo pelo fator idade, sendo que hoje sou triplégico e tenho somente poucos movimentos do braço direito. Digo que estou na mesma situação do Brasil de 1970 a 1994. Sou tri caminhando para tetra.

Mas hoje quero falar para vocês que apesar de tudo isto posso me considerar uma pessoa privilegiada. Porque alguém que bem dizer já está tetraplégica, tendo que diariamente se reinventar para poder continuar exercendo as funções que quer, pode se dizer privilegiado.

 Sou privilegiado por que tenho um salário de aposentado por invalidez que me ajuda a manter minhas necessidades básicas, bem como me propícia ter acesso  a uma cadeira de rodas motorizada, uma cadeira de rodas manual, uma cadeira de banho, um guincho para me tirar e colocar na cama, uma cama hospitalar com controle, um colchão pneumático anti-escaras e tenho, principalmente, uma cuidadora 24 horas por dia, 7 dias por semana, 30 dias por mês, 365 dias por ano. E isso já dura 20 anos. A cuidadora em questão é a minha esposa, que abriu mão da sua vida para viver em grande parte a minha vida, os meus sonhos, as minhas metas, o que queira ou não queira custou a ela, cansaço, abnegação, negação de suas vontades e vários outros ônus. Não posso esquecer que também conto com apoio do restante da família.

Levando tudo isso que eu falei em consideração, comparando com a grande maioria das pessoas com deficiência no Brasil, onde uma grande parte não conta com sua casa própria, os apoios apropriados para sua situação de deficiente, com a falta de recurso financeiro para fazer frente a sua deficiente, então sim eu sou uma pessoa privilegiada.

Sou um privilegiado quando não tenho a mínima noção do que a minha mão está segurando; sou privilegiado quando não sinto a temperatura de qualquer coisa que encosta em meu corpo, correndo o risco de sofrer queimaduras de primeiro, segundo e terceiro grau; sou um privilegiado, quando no escuro, não tenho a mínima noção de onde me encontro, em que posição o meu corpo está e nem se existe algum risco por perto de onde estou.

Sou um privilegiado quando a minha mão, por falta de tato, não consegue segurar de forma firme um copo, uma colher. Já nem falo de garfo e faca, pois esses dois utensílios a tempo não faço uso. Sou privilegiado quando deitado, não tenho a condição de virar me na cama, de colocar meus pés em outras posições, quando eu tenho que dormir à noite inteira em uma única posição. Sou privilegiado quando percebo que minha audição já teve uma perda aproximadamente de 60% e tenho dificuldades de acompanhar tudo que acontece ao meu redor.

 Dizem que sou deficiente porque não consigo andar e tenho meus movimentos de braços totalmente limitados. Não conseguem levar em consideração que na verdade a única coisa que ainda mantêm o sentido do tato no meu corpo é a cabeça, sendo que no restante do corpo perdi totalmente a condição de reconhecer onde estou; também não levam em conta que em virtude da cirurgia perdi a condição de movimentar o pescoço de maneira total para o lado esquerdo e também não levam em conta que a surdez contribui ainda mais para meu isolamento em relação ao mundo.

 Não estou reclamando da minha situação, não estou pedindo diferenciação no trato para comigo, só estou pedindo que quando se olhe a deficiência de uma pessoa, procure se entender a deficiência de forma global e não somente por aquilo que é aparente. Na grande maioria dos casos as aparências enganam. Procure conversar com a pessoa deficiência que está a teu lado, tentando entender quais são as limitações além daquelas visíveis.

 Sou deficiente, sou privilegiado e tenho certeza de que muitos deficientes gostariam se alguém chegasse para eles e perguntassem quais são suas reais deficiências.


Oscar Menezes

Consultor técnico na Vatten Pharma/American Sharman

4 a

Isso é que eu chamo de  verdadeira resiliência! obrigado pelo seu testemunho.Me fez refletir que não tenho nenhuma deficiência mas que muitas das vezes reclamo desnecessariamente.

Aline Esteves Pacheco

Enfermeira Mestra em Ciências

4 a

Tenho orgulho de ser sua parceira na maior de todas as causas, que é viver bem! #juntossomosmaisfortes #EM #viverbeméomaiorbem 💪🏻🤜🏻🤛🏻🙌🏻

Um guerreiro!

Fabio Roberto Geraldi

Acesso ao Mercado Público & Privado.

4 a

Meu amigo Sr Wilson, sua luta nunca foi e nunca será em vão, agradeço por lhe conhecido e aprendido um pouco mais sobre EM. Texto magnífico parabéns. Grande abraço

Angelo Roberto Gonçalves .'.

Gestor em Saúde | Coordenador-Geral de Saúde | Docente no Ensino Superior MSc

4 a

É também abençoado meu amigo

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