Storytelling: ganhando corações e fortalecendo lideranças
Foto: Etienne Girardet/Unsplash

Storytelling: ganhando corações e fortalecendo lideranças

Contar — e escutar — histórias faz parte da natureza humana. Antes da invenção da escrita, era basicamente por meio da oralidade que informações, conhecimentos e histórias eram compartilhadas e permitiam aos grupos humanos se manterem coesos frente ao ambiente hostil.

Também era fundamental para transmitir e reter conhecimentos.

Pense como era o momento em que os mais velhos tinham de ensinar aos mais jovens como produzir uma chama ou encurralar um animal durante a caça. Provavelmente não vinha uma explicação técnica sobre como chocar uma pedra contra a outra para produzir faíscas sobre palha seca. O mais provável era que se contasse uma história sobre como Deus proveu o conhecimento sagrado do fogo e como este conhecimento tinha de ser protegido contra os inimigos.

Convenhamos que, dito assim, era muito mais interessante!

Mesmo com a invenção da escrita, que produziu uma forma mais permanente de registro das histórias e transmissão de conhecimento, o ato de contar histórias seguiu sendo fundamental para a humanidade. Todas as culturas encontraram suas maneiras de proteger a oralidade como elemento de coesão social.

Basta lembrarmos de Xerazade que, para salvar sua própria vida, encantava o califa contando-lhe histórias durante 1001 noites. Ou todos os contos de fada e fábulas que surgiram durante a Idade Média como instrumento fundamental de educação das crianças contra os perigos de um mundo desconhecido além dos limites das vilas e cidades. Jesus Cristo encantava e educava seus seguidores por meio de parábolas, ou seja, histórias.

Mas por que histórias são tão poderosas?

Por várias razões.

Antes de mais nada, histórias criam uma conexão emocional. Falam ao coração e despertam a imaginação. Mesmo um relato baseado unicamente em fatos, se contado de uma certa forma, pode nos levar da pura apreciação intelectual para um estado de enlevo emocional.

Pense naquela reportagem que você leu e que, por ter uma estrutura narrativa em forma de história, fez com que você nunca a esquecesse. Compare com as centenas de milhares de reportagens e textos noticiosos que você já leu e dos quais já se esqueceu, por não terem criado esta conexão.

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Exatamente por criarem esta ponte emocional com experiências ou sentimentos que cada um de nós carrega consigo, histórias são ótimos canais para fixar conceitos e ideias.

Poderíamos recorrer ao exemplo mais óbvio, como as fábulas e suas morais ou as parábolas religiosas, mas isto serve também para uma empresa e sua relação com sustentabilidade.

A empresa de roupas outdoor Patagonia usa de vários recursos de storytelling para convencer as pessoas a reciclar suas roupas antes de comprar novas. Embora isto pareça contrário ao próprio negócio, na verdade reforça a imagem de inovação e sustentabilidade da empresa.

Documentário da Patagônia convida a refletir sobre a importância das roupas que já possuímos:

Vamos ao terceiro ponto: histórias ajudam a criar ou reforçar o sentido de pertencimento. A conexão criada com as histórias são mais fortes quanto mais próximas são da experiência, interesses e expectativas dos próprios ouvintes. Isto ajuda a criar um sentimento de comunidade.

A história de criação do Greenpeace é um exemplo. Um grupo de hippies e pacifistas se junta, no começo da década de 70 do século passado, para protestar contra testes nucleares americanos. Com isso, capturam um momento especial da história no qual as pessoas estavam ansiando por desafiar as decisões arbitrárias de governos e corporações. Esta é a típica história de luta de Davi contra Golias, com um pequeno barco alugado navegando para chegar ao local aonde seria explodida uma bomba nuclear. Foi tão poderoso que catalisou as forças ao redor daquela que viria a se transformar numa das maiores organizações ambientalistas do mundo.

Este exemplo ilustra um dos elementos cruciais muitas vezes usados na construção de histórias engajadoras. Trata-se da Jornada do Heroi, um conceito sistematizado em 1949 pelo antropólogo Joseph Campbell e que estaria na base das diversas mitologias dos mundos Ocidental e Oriental. Essencialmente, é a descrição do arco narrativo de um personagem desde o momento em que se vê imbuído de uma missão que o tira do seu cotidiano, a rota que segue para cumprir sua missão, os apoios e dificuldades que enfrenta até alcançar seu objetivo final.

Esta é uma simplificação extrema do conceito original, mas encontramos a Jornada do Herói em narrativas tão díspares como a história de Jesus Cristo, o mito grego de Ulisses ou até mesmo na saga Guerra nas Estrelas.

O fato é que este ciclo que incorpora um chamado à ação, os desafios enfrentados e a vitória final está na base das melhores histórias contadas em todos os tempos.

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Fonte: internet

Mas, então, o que faz uma boa história?

Um elemento fundamental é a autenticidade. A história tem de vir de dentro e refletir um estado de espírito que permita expor uma verdade interior. Se for uma história metafórica, isto tem de ficar claro. Sobretudo não se deve nunca vender como verdadeira uma história que seja fictícia.

Basta lembrar o caso da Diletto, cujos picolés, segundo o storytelling da empresa, teriam sido criados por Vittorio Scabin, avô do fundador da marca, que os fabricaria na Itália e teria trazido a receita para o Brasil fugindo da Segunda Guerra Mundial. Mas na verdade o “Nonno Vittorio” nunca existiu. Quando a verdade por trás do storytelling da Diletto veio à tona houve muitas críticas à empresa.

Outro elemento importante para um bom storytelling é construir uma narrativa que seja coerente, de preferência com começo, meio e fim. Isto serve tanto para histórias longas, como curtas. O importante é garantir sua consistência, de forma a facilitar a conexão com os interlocutores.

Finalmente, conhecer o público a que a história se destina é também fundamental. Embora venha de nós, a história se destina a outras pessoas. Sendo assim, é importante saber quem são. Que tipo de assuntos lhes interessa? O que os motiva? Que linguagem é a melhor para se comunicar?

Quanto melhor for ajustada a história, na forma e no conteúdo, às diferentes audiências, mais impacto terá.

Um exercício que sugiro fazer é registrar uma história que seja importante para você ou sua empresa ou organização e recontá-la pensando em diferentes audiências. Como seria esta história contada para um grupo de crianças do segundo ano fundamental (8 anos), adolescentes de periferia, aposentados, jovens profissionais entre 25 e 35 anos de idade?

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E o que contar histórias tem a ver com liderança?

Simplesmente tudo.

Se pensamos que alguns elementos essenciais de um líder tem a ver com inspiração, alinhamento, estímulo, escuta, aprendizagem percebemos que todos estes aspectos se manifestam de uma forma mais consistente e engajadora por meio de histórias.

A coisa é tão séria que, por exemplo, em empresas como a Nike todos os membros da equipe sênior são considerados “corporate storytellers”. Ou seja, eles têm como elemento intrínseco de suas funções a capacidade de contar histórias corporativas que ajudem a fortalecer o posicionamento de marca.

A 3M eliminou a apresentação de powerpoint com bullet points e substituiu pelo que chama de “narrativa estratégica”. Outras empresas, como a Procter & Gamble, chegam a contratar diretores de Hollywood para treinar seus líderes a serem bons contadores de histórias.

Ser um contador de histórias não é importante apenas para quem tem cargos executivos. Todos que trabalham com inovação social, que necessitam de alguma forma mobilizar e engajar outras pessoas, são necessariamente contadoras de histórias.

Ou seja, compartilhar conhecimento intelectual é importante para mostrar que você domina efetivamente o tema de interesse. Mas ainda mais importante para um líder é a capacidade de gerar vínculos emocionais, de ganhar o coração das pessoas.

Junte os dois, cérebro e coração, e temos uma combinação poderosa.

Exemplos clássicos desta combinação são as apresentações do novos produtos da Apple feitas pelo Steve Jobs. Lembro particularmente da clássica apresentação que ele fez do MacBook Air. Mais além dos aspectos técnicos das apresentações, o que havia ali era uma contação de histórias completa. Os aspectos técnicos estavam presentes, e eram importantes, mas o que contava era o vínculo mental criada pela forma como Jobs contava a história dos produtos o por que eles eram importantes para as pessoas.

Nestas apresentações, Steve Jobs se consolidava não apenas como o inovador genial, mas especialmente como o líder capaz de apaixonar e engajar as pessoas na visão da empresa.

Steve Jobs apresenta o MacBook Air. A forma e o conteúdo da apresentação criam uma conexão imediata com o produto:

Uma dica final que eu dou é lembrar que as histórias estão por aí, em todos os lugares.

Ou seja, circule, fale com as pessoas — todas as pessoas — preste atenção nas falas, nos gestos. Escute, pergunte, instigue, registre.

Tudo pode servir como ponta de lança de histórias que ajudam a criar conexões com as pessoas.

E são estas conexões que mudam o mundo.

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