Subcontrato Cognitivo

Subcontrato Cognitivo

Dias atrás eu estava em um pequeno estabelecimento comprando alguns alimentos. Foram dois produtos, um no valor de R$ 2,50 e outro no valor de R$ 6,00. Quando me coloquei de frente ao caixa para efetuar o pagamento, para minha surpresa, percebo a jovem funcionária contabilizando o total da compra em uma calculadora (esse não foi o primeiro e único estabelecimento que reparei tal comportamento). Tal observação me causou incômodo. Entendo que o avanço contínuo da tecnologia, provedor de tal artefato, contribui grandemente para facilitar a vida contemporânea, porém só consigo perceber sua utilidade quando diante de um volume e/ou complexidade que justifique tal uso, ofertando o benefício de viabilizar nosso tempo para ações consideradas mais "Nobres". Entretanto o que me preocupa é que essa mesma tecnologia que facilita nossa vida, não vem com um "mentor de ponderação". Nossa incessante e automática “caçada” biológica, na busca pela economia de energia, com foco na sobrevivência, está tão descompassada do mundo contemporâneo que estamos caminhando freneticamente para uma “anorexia cognitiva”. No exemplo supracitado, uma pequena operação matemática foi arrastada para uma espécie de buraco negro no universo cerebral.

 A matemática básica já foi consumida. Que outras áreas básicas de conhecimento também serão assoladas? O que sobrará para os diálogos que nos diferencia de outras espécies?

A inteligência artificial (IA) é um caminho sem volta e creio sinceramente que trará benefícios exponenciais para humanidade. Algoritmos humanos estão sendo dominados por IA. Um estudo (conduzido pela Associação Americana de Psicologia) descobriu que um algoritmo simples nos vence em algumas práticas intuitivas em mais de 25% de análises, julgamentos e tomada de decisão bem-sucedidas.

Certa vez participei de uma reunião, onde um “especialista” apresentou um gráfico com resultados gerados pela “máquina”, diante de questionamentos do público presente, tal indivíduo não conseguia analisar, julgar e externalizar a base lógica por traz de tal resultado...

Posto isso, o que será ponderado nas diversas áreas de conhecimentos estruturais?

Nosso cognitivo possui um "blended" de julgamentos compostos por estilos diretivo, relacional, conceitual e analítico. Esses são acionados em proporções oportunas em cada contexto e situação. Isso é simplesmente fantástico, pois é essa mistura que molda nossas experiências e desenvolve nossa singularidade.

Será que no futuro as interações sociais terão uma dinâmica bem distintas das atuais?

Será que observaremos situações de diálogos e questionamentos entre humanos, onde a consulta ao “artefato de bolso” ou implante cerebral será a única fonte disponível de um repertório teatralizado e artificial para suportar o diálogo corrente?

Será que saberemos a diferença entre produção cognitiva própria e a subcontratada oriundo da IA?

Se isso acontecer, imagino a seguinte situação tragicômica: Diante de um apagão tecnológico, poderemos observar diálogos que em sua totalidade terão um acervo cognitivo estéril nas interações, simplificadas a um conteúdo correspondente as letras e melodias de certa categoria musical de qualidade questionável (deixo que o cognitivo de vocês descubra qual categoria imaginei).

É intrigante observar como o baixo esforço cognitivo associado apenas ao domínio e habilidade de articulação tem sido exaltado como uma virtude no mundo contemporâneo.

Será que a IA marcará nossa volta ao modelo de consulta aos "oráculos", como na Grécia antiga, porém em um novo modelo e patamar de dependência?

“Ser humano (Homo sapiens) é o termo utilizado nas ciências para caracterizar a espécie viva evolutiva que se difere das demais por possuir inteligência e razão” significados.com.br

Será que no futuro teremos uma revisão desse termo?

Em Blade Runner os replicantes nos vencem nas emoções...O slogan da Tyrrell Corporation apresentado no topo desse Post diz tudo...

Em Matrix as máquinas passam a nos usar apenas como baterias...

A soma das elucubrações das obras supracitadas, provocam reflexões, não tão distantes, sobre a transferência voluntária da busca de energia (sobrevivência) e degustações explosivas de emoções (vivência) para outros seres*, através de uma espécie de subcontrato cognitivo...

Almejo que perduremos sendo seres interessantes e merecedores da benção da existência.

(*) não sei como classificá-los

Andre Carvalho, PMP®

Program Management | Strategic Planning | Hybrid-Electric Aviation | Business Development

4 a

Muito bom texto..!!

Daniel Miragaia Leal

Program Manager and New Developments | Embraer

4 a

Meu amigo, é sempre estonteante, no sentido de deslumbramento, ler seus texto que nos remetem a reflexões necessárias, para ponderarmos se estamos escolhendo com precisão nossos caminhos dia após dia. Só lhe peço que, CONTINUE....

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