Tecnologia Educativa: binómio ou presunção
Quando nos referimos hoje em dia à tecnologia, pensamos imediatamente em computadores e em toda uma panóplia de aparelhos electrónicos e sofisticados que passaram a fazer parte do nosso dia-a-dia e presente em praticamente todas as acções da nossa vida. Contudo, por vezes é importante olhar também para o significado de Tecnologia, desta vez com maiúscula, significando, do grego, a ‘techne’ associada à ‘logia’, a "ciência do ofício" ou mesmo a arte, a habilidade e a astúcia somadas às técnicas, aos métodos e a processos.
A Tecnologia consiste assim na aplicação do conhecimento científico aos objectivos práticos da vida humana ou, como às vezes se diz, à mudança e manipulação do ambiente humano.
Como tecnólogo sempre defendi que a tecnologia não é sinónimo de mudança, ao contrario do que defendiam e defendem alguns tecnocratas falam sobre tecnologia. Constitui sim, um excelente argumento para a mudança. A transformação digital veio, quase 30 anos mais tarde, confirmá-lo.
Os optimistas demais perante a tecnologia, incorrem frequentemente no pecado da presunção, ao ponto de serem mesmo arrogantes. Muitos deles vêem-na como uma panaceia para todos os males da humanidade, estando a única salvação desta em mais e mais inovações tecnológicas. Este foi aliás o mote de uma entrevista de Sunder Pichai, CEO da Google e da Alphabet, ao The New York Times, há alguns meses atrás, tendo o mesmo afirmado que “a tecnologia não resolve os problemas da humanidade” e que “sempre foi ingénuo pensar assim”. Acrescentou que “a tecnologia é um facilitador, mas é a humanidade tem que lidar com os problemas da humanidade.”
Hoje em dia, começamos a olhar e a discutir sobre Tecnologia Educativa. E, uma vez mais, vejo cometerem-se os mesmos pecados, ou erros semelhantes. Uma vez mais, a tecnocracia apodera-se da euforia excessiva em torno da tecnologia, esquecendo a humildade e o pragmatismo necessário para falar sobre a aplicação instrumental da tecnologia.
Tecnologia Educativa define-se, de um modo mais simples, como um conjunto de conhecimentos, aplicações e dispositivos que permitem a utilização de ferramentas tecnológicas no campo da educação. Na verdade ela pode assistir o planeamento do processo de aprendizagem e optimizar a tarefa de ensinar. Mas, uma vez mais, não é a tecnologia que Educa, ou que Ensina.
Sendo a tecnologia matéria prima da minha profissão, posso até admitir uma certa tentação de empolar as virtudes desta. Depois, quando a aplicamos à aprendizagem, revestimo-las de abreviaturas inglesadas e pomposas, como EduTech , ou EdTech, parecenquase transformarem-se em recursos auto-suficientes na gestão de determinados processos educativos. Mas este uso combinado de ‘hardware’ e de ‘software’ precisa de muito mais quando falamos de teoria e prática educativa.
A Tecnologia Educativa baseia-se inevitavelmente no conhecimento teórico que emerge de várias disciplinas, como a comunicação, a inteligência artificial, a ciência da computação, entre outras, mas também, a pedagogia, a psicologia, a filosofia ou a sociologia. Ou não fosse a Educação o mais humano dos processos. Com ela procuramos sustentar as nossas raízes no passado da humanidade e esforçamo-nos, ao mesmo tempo, para melhorar o futuro. É a transmissão da cultura ao longo do tempo.
A Association for Educational Communications and Technology (AECT) definiu Tecnologia Educativa como "o estudo e a prática ética de facilitar a aprendizagem e melhorar o desempenho, criando, usando e gerindo processos e recursos tecnológicos apropriados". Denominou-a mesmo de "teoria e prática de design, desenvolvimento, utilização, gestão e avaliação de processos e recursos para a aprendizagem". Por isso, quando falamos em Tecnologia Educativa, temos que recrutar todas as ciências da educação aplicadas, válidas e confiáveis, seja ao nível instrumental, através de equipamentos, mas também através de processos e procedimentos derivados de pesquisa científica. Assim, por Tecnologia Educativa deverá entender-se todo o processo de integração da tecnologia com a educação, de uma forma positiva e que promova um ambiente de aprendizagem mais diversificado e efectivo.
Sendo eu também um interessado no campo das Ciências da Educação, não posso entender uma visão tecnocrática, nem a presunção dos tecnólogos relativamente às Tecnologias Educativas. Não se trata sequer de uma visão construtivista, ou de uma apologia dos discípulos de Piaget, ainda que com o surgimento dos Nativos Digitais, tão bem enquadrados por Marc Prensky, em "H. Sapiens Digital: From Digital Immigrants and Digital Natives to Digital Wisdom", de 2009, o conceito de educação tenha mudado, dada a tendência natural desses aprendizes para utilizarem dispositivos tecnológicos (Notebooks, Tablets, SmartPhones, Internet, etc.) como ferramentas de aprendizagem. A tecnologia emergente dos tempos presentes, e futuros, não pode afastar-se do objectivo de melhorar a condição humana. E a Tecnologia Educativa não pode reescrever o ensino e a aprendizagem para fazer do humano uma tecnologia. Porque isto resultaria num espectro muito estreito de habilidades únicas e descontextualizadas.
Acredito na Tecnologia Educativa como o uso de meios, instrumentos e práticas tecnológicas, com foco na pessoa como um todo, e não em narrativas desumanizantes da EdTech. Ela pode e deve promover a aprendizagem, em vez de estimular apenas cliques rotineiros. Deve constituir-se como um recurso essencial para a aprendizagem adaptativa, formativa, como estimulante da criatividade e da atenção plena, segundo princípios defendidos pela investigação em tecnologias de humanização e considerando factores contextuais, cognitivos, sociais e metacognitivos, ao invés de reduzir as pessoas a práticas algorítmicas e mecânicas.
Imagem: Observatory of Educational Innovation | Tecnológico de Monterrey