A Terceirização Regulamentada e a Segurança Jurídica

Por Marcelo Rayes e Ricardo Tahan*

Durante a Segunda Guerra Mundial, movida pela necessidade de ampliação de seu processo produtivo, a indústria bélica norte-americana passou a transferir suas atividades secundárias aos cuidados de outras empresas, focando toda sua mão-de-obra própria para o processo produtivo do material bélico que era fornecido aos países em conflito. Surgia então o fenômeno da terceirização.

Com o encerramento do grande conflito global, essa forma de contratação de mão-de-obra se espalhou pelo mundo, tornando-se uma das formas de flexibilização dos direitos trabalhistas mais utilizadas pelas empresas, inclusive as brasileiras.

A terceirização no cenário brasileiro nunca contou com regulamentação específica, levando empresas e trabalhadores a se apoiarem em Leis esparsas, como a Lei nº 6.019/74, que fixou as regras para contratação de trabalho temporário, e a Lei nº 7.102/83, que trata da contratação de serviço de vigilância e transporte de valores.

A fim de tentar suprir a lacuna legislativa, o Tribunal Superior do Trabalho – TST editou a Súmula 331, contando atualmente com seis itens, os quais basicamente estabelecem o seguinte:

(i)       a terceirização é possível, desde que a atividade terceirizada seja a chamada atividade-meio, ou seja, a atividade que não está diretamente ligada ao objeto social da empresa contratante; e,

(ii)      a contratante dos serviços terceirizados é subsidiariamente responsável pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas pela empresa contratada.

A Súmula 331 do TST, apesar de apontar um norte para as empresas e empregados envolvidos na terceirização, não fixou regras quanto aos direitos que o trabalhador terceirizado detinha em relação aos empregados da empresa contratante da terceirização.

De um lado, se uma faxineira, por exemplo, trabalhava como terceirizada para uma empresa como a Volkswagen, não gozava ela dos mesmos direitos dos empregados dessa. De outro, a empresa contratante não poderia arriscar-se a conceder algum benefício ao empregado terceirizado, por medo de ver reconhecido o vínculo de emprego direto com esse terceirizado.

Agora, surge uma inovação legislativa com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 4.302-E/98, que altera dispositivos da Lei que regula o trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), e inclui importantes regras para a contratação e mão-de-obra terceirizada.

O que ocorreu com o Projeto de Lei nº 4.302-E.  Restou inserido no texto da Lei conceito diverso para a “empresa prestadora de serviços a terceiros”. Neste caso, abandona os critérios fixados na Jurisprudência quanto às atividades meio e fim, estabelecendo uma ideia sobre “serviços determinados e específicos”.

Ademais, de maneira semelhante a outras iniciativas, o PL 4.302-E aprovado na Câmara dos Deputados menciona em sua Seção I, o seguinte:

“Art. 10 - Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário”

Essa talvez seja a principal inovação da Lei, e que vem causando alguma polêmica, pois diz com a autorização legal para contratação de mão-de-obra terceirizada de serviços ligados à atividade-fim das empresas, contrariando o entendimento doutrinário e jurisprudencial para os quais a terceirização, principalmente da atividade-fim das empresas, seria na prática uma forma de fraudar o contrato de trabalho e suas garantias constitucionais.

É inegável que o disposto acima fortalece ainda mais a permissão da terceirização tanto nas atividades-fim – o que de per si representa um grande e decisivo avanço –, tanto mais nas atividades-meio da empresa, pois não se configurará a obrigatoriedade do vínculo de emprego mesmo nas chamadas atividades-fim.

Além disso, o texto altera o cumprimento na Justiça do Trabalho da exigência de vínculo de emprego sempre que caracterizadas a habitualidade, onerosidade, subordinação e pessoalidade na relação entre uma empresa e determinado trabalhador.

Um dispositivo que regra, em todas as circunstâncias, a desvinculação do “vínculo empregatício” representa, sem dúvida alguma, um novo e importantíssimo horizonte na relação de trabalho. Se o contrato de terceirização for lícito não gerará vínculo de emprego. Mais, se na relação do empregado da empresa terceirizada com a empresa contratante estiverem presentes a habitualidade, a pessoalidade, a onerosidade e a subordinação, essa a relação será regida por meio do contrato, lei entre as partes.

Aqueles quantos estão se manifestando contra a regulamentação inédita devem levar em questão o enorme e valoroso passo dado pelo Poder Legislativo, visando fomentar o processo produtivo nacional e, com isso, alavancar a geração de empregos e a economia, infelizmente, cambaleante de nosso País.

Desde a sua criação, há mais de 70 anos, o instituto da terceirização, não importa se da atividade-meio ou da atividade-fim, é instrumento para aumento de produção. Aumento de produção significa contratação de mão-de-obra, significa aumento de consumo, movimentação da economia, e  início do fim da crise a qual o País foi lançado talvez pelos mesmos que repudiam a inovação e a modernização inclusive de nossas leis.

Segundo Guilherme Afif Domingos, presidente do SEBRAE, a segurança jurídica proporcionada pela regulamentação da terceirização, tal como aprovada pela Câmara dos Depurados no dia 22 de março p.p., promoverá aumento significativo de negócios para 41% dos pequenos e microempresários, em um universo de 12 milhões de pequenas e microempresas. Ou seja, a segurança jurídica proporcionada pela lei em comento possibilitará crescimento para mais de 4 milhões de micro e pequenas empresas.

A prova de fogo pela qual a terceirização passará não será a sanção presidencial ou mesmo a adequação ao projeto que tramita pelo Senado com as alterações propostas pelo Senador Paulo Paim, ou qualquer discussão que se dê entre os poderes Legislativo e Executivo. A verdadeira prova sobre a efetividade da terceirização das atividades-fim ocorrerá quando esse assunto chegar de fato na Justiça do Trabalho, palco em que nossos juízes, pouco afeitos às mudanças de relação trabalhista – embora haja exceções, obviamente -, terão oportunidade de estabelecer o norte pelo qual as relações trabalhistas doravante serão tratadas, e mais, se estas disposições ferem ou não os direitos dos trabalhadores.

Quanto a nós, técnicos do direito que atuamos diuturnamente em defesa das instituições teremos a chance de aprofundar os limites do processo e da simples consultoria, apresentando soluções jurídicas capazes de otimizar a gestão empresarial, mitigar riscos e maximizar o sucesso das operações, tudo com o objetivo de zelar a segurança jurídica que será conferida pela lei às relações de trabalho fruto da terceirização.

* Sócios do Rayes Advogados Associados


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