TEXTÃO DE FIM DE CURSO (e outras coisas mais)
Demorei um bocado para organizar os pensamentos, mas finalmente me sinto apto para falar sobre o término da faculdade – e o início, e o meio, e de como cresci nos últimos quatro anos.
Muitos aqui não me conhecem pessoalmente, ou pelo menos nunca conversamos fora do ambiente virtual. Então, primeiro, permitam que eu me apresente devidamente.
Me chamo Bruno. Sou cria da minha mãe, única e exclusivamente, e neto de uma senhora de 80 anos que nunca frequentou uma escola e de um senhor de 86 que, até há pouquíssimo tempo, trabalhou carregando carrinhos de mão cheios de cimento e areia. Não sou um terço de cada um deles.
Sou do Itaim Paulista, no fundão da zona leste paulistana. Estudei todo o ensino fundamental e médio em escola pública. Antes de entrar para o curso de jornalismo, na Universidade Anhembi Morumbi (UAM), tentei outros três, em outras três instituições, sempre como bolsista do Prouni (por isso, não se espante se algum dia me vir defendendo com unhas e dentes esse programa tão importante e essencial para o Brasil, porque é graças a ele que estou prestes a conseguir meu diploma de nível superior).
Quando voltei da minha primeira aula no campus Vila Olímpia, da UAM, lembro que disse à minha mãe que eu nunca me encaixaria em lugar nenhum, mas que, por outro lado, me parecia que ali, naquele contexto, com aquelas motivações, eu finalmente havia encontrado o que eu gostaria e poderia fazer.
Cheguei naquele ambiente no susto, no improviso. Era jornalismo do outro lado da cidade, ou cinema no litoral. Fiquei com a proximidade física (apesar das duas horas e meia, no mínimo, que levo da minha casa até a VO) e de alma. Esta, se refere a todos os clichês que carregam os aspirantes a foca: gosto pela escrita, pela pesquisa, pela checagem, por ouvir e contar histórias, por questionar... Me encontrei, finalmente!
De fato, agora que acabou, não posso dizer que me encaixei. O ambiente acadêmico é, quase sempre, frio, indiferente e generalista. Me lembro de outro dia ver algum professor falar sobre isso, sobre o quanto é tendência que os estudantes sejam vistos de uma forma geral, como se todos fossem pintados com as mesmas cores que aqueles que não querem compromisso com o conhecimento. Por isso, talvez, haja tanto mal-entendido.
De mesmo modo, tive a prova cabal, ainda agora há pouco, no fim do curso, que o individualismo impera mesmo entre colegas. Há, numa quantidade absurda, ego – de todos os tipos e tamanhos –, dissimulação, preguiça, futilidade e prepotência. Existem sempre aqueles que vão, caso não seja você um deles, tentar te puxar, junto com tudo o que você estiver construindo – mesmo se for um TCC e esse alguém uma pessoa do seu próprio grupo, por exemplo (e isso não faz sentido, eu sei, mas quem se afoga não percebe) –, para baixo, numa tentativa ridícula e infantil de sobreviver e provar para uma plateia de tantos outros fúteis que “olhem, eu também contribuí (só que não) para essa coisa linda que está pronta e que eu nem faço ideia do que é e de como foi feita”.
Essas pessoas são como ervas daninhas, você se livra de uma e, quando e de onde menos espera, surge outra. Como sanguessugas, grudam, se escoram em você e, no dia que você se cansar do incomodo escoliótico que é carregar uma criatura mimada nas suas costas, você será um vilão. Mas, caso você precise de um conselho a respeito disso, eu diria que não ligue, está tudo bem, porque enquanto os vampiros estão festejando no país das hipocrisias, você está suando e aprendendo, afinal, a faculdade é para isso, não é!? (Essa, aliás, sempre foi a minha filosofia enquanto estudante.)
Entrementes, além do que vivi dentro da universidade, houve muitos abutres, fora dela, em meu caminho até aqui. Existem parentes, por exemplo, que até hoje duvidam que eu realmente tenha cursado uma faculdade – só para ficar no básico.
Apesar de tudo isso (e talvez principalmente por conta disso tudo), dentre muitas outras coisas mais pontuais, cresci em quatro anos muito mais do que imaginei que cresceria quando fui selecionado para a bolsa, em meados de 2016. Aprendi muito, não apenas no que diz respeito à minha área de estudo, como, também – e acima de tudo –, sobre a vida. Convivi com pessoas de muitos tipos, conheci muitas histórias, vivi muitas experiências, conheci muitos lugares, me indignei incontáveis vezes, me maravilhei tantas outras, fui instruído por professores e professoras excelentes e fiz bons amigos (longe de serem os vampiros mencionados anteriormente), que quero levar para a vida. A estes, com quem sigo mantendo contato – e seguirei –, sou grato por tornarem a jornada mais leve. Embora, torno a dizer, não acredito que tenha me encaixado naquela situação e naquele ambiente – não como outros tantos colegas –, os amigos são bons, e isso é bom.
No meio do caminho, deixei muito do passado para trás e segui. Me orgulho, no entanto, dentre muitas outras coisas, de ter retratado, no meu TCC (feito em grupo, no meio de uma pandemia, e, por isso, obrigado a quem comprou a ideia e trabalhou verdadeiramente comigo, nela, até o fim), parte da história do lugar onde nasci e vivo. Contar a história de Chico Pé de Pato, famoso justiceiro do Itaim Paulista na década de 1980, num documentário fabuloso (simplesmente não consigo dizer que ele é menos do que isso, considerando tudo o que vivi até sua finalização), significou revisitar e recontar a história dos lugares e muitas pessoas que conheço desde sempre com um olhar crítico e contemporâneo, com o apuro jornalístico que aprendi nesses quatro anos, e, sobretudo, lembrar de onde sou e o que isso significa – e significa muito, garanto.
Eu não sou o primeiro da minha família a concluir um curso superior, esse desbravamento pertenceu a outra pessoa; os meus, são outros. Mas não posso deixar de sentir a emoção que é saber que meus avós que lutaram tanto – e ainda lutam, apesar de muito – na vida, mesmo com tão pouca ou nenhuma escolaridade, tantas roças roçadas, perdidas e vendidas, tantos blocos de cimento fabricados para erguer uma casa e tantas perdas, testemunharam a minha jornada até aqui e sentem, de mim, orgulho.
Tudo o que faço e planejo é por eles, pensando neles e, sobretudo, pela minha mãe. Só ela sabe de mim, só ela sabe tudo o que aconteceu, só ela pode comprovar tudo o que digo. Ela e Deus. E eu não sou um terço do que eles são.