Um relato sobre cura e gratidão
Este é um texto sobre uma parte da minha vida pessoal concluída nesta semana. Parte esta que refletiu, durante os últimos sete anos, na minha vida acadêmica e profissional. Passe você, ou não, por questões relacionadas a saúde que interferem em outras esferas da sua vida, este é o meu relato (juro que resumido):
Madrugada de sábado, 17 de dezembro de 2016. Eu estava deitado com a minha mãe, Maria Augusta de Carvalho , descansando nas férias de fim de ano depois de um primeiro semestre intenso na faculdade de jornalismo. Estávamos assistindo a uma entrevista linda com o cartunista Ziraldo no que foi o último Programa do Jô. Num tropeço de milésimos de segundo, não por conta de mais uma piada genial do apresentador e humorista, ou por algum sentimento nostálgico pelo fim de um dos meus programas preferidos, meu coração, que já dava alguns sinais de seu ritmo sempre frenético entrando em curto havia poucos meses, disparou como se eu tivesse acabado de correr num treino para a São Silvestre que aconteceria dali a poucos dias.
Corremos para o hospital. E, correndo (quase que literalmente), da mesma forma que a crise veio, se foi: de um milésimo de segundo para o outro. Naquele dia, nem cheguei a esperar ser atendido por um médico, mas sabíamos que havia algo de muito errado e que precisaríamos correr atrás não apenas de entender o que se passava, mas, sobretudo, de aprender as formas de me tratar para que crises como aquela não ocorressem mais. E foi o que fizemos.
Algumas semanas depois daquele dia, passei por outra crise. Dessa vez, cheguei a ficar a noite inteira no pronto-socorro. Meu coração a mais de 200 bpm. Como na música de Roberto, “as coisas estavam passando mais depressa” e, enquanto eu tentava acompanhá-las, contemplava uma mudança de perspectivas e prioridades que levariam anos para se solidificar.
Entre as duas crises, meu caso já estava sendo acompanhado por um médico amigo da minha família que, então, me encaminhou a um cardiologista e que, por sua vez, me encaminhou ao dr. Jefferson Jaber, referência em arritmologia e eletrofisiologia. Foi ele quem explicou a mim e à minha mãe qual era, afinal, o problema com o meu coração.
Por partes.
Primeiro. Síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), esse é o nome da coisa. Coisa esta que, sem entrar em detalhes muitos técnicos e explicando de maneira muito leiga apenas para fins de entendimento, fossem os corações máquinas cibernéticas, num determinado compartimento, apenas um fio deveria existir para carregar as cargas elétricas de cima para baixo e, assim, manter a máquina pulsando de maneira compassada e corretamente. Ocorre que quem nasce portador dessa síndrome, nasce com mais de um fio ou alguma deformidade nesse compartimento. No meu caso, eram dois os fios que, em momentos aleatórios, como quando estava descansando e assistindo ao Programa do Jô, no fim de 2016, eventualmente se estranhavam, se grudavam e desencadeavam um curto-circuito que fazia meu coração disparar.
Segundo. Apesar da preocupação que sempre tentei não transparecer para não preocupar ainda mais minha mãe e avós, qual não foi o susto quando a coisa mais assustadora que os médicos poderiam nos dizer foi dita: havia risco de morte súbita. Tamanho o impacto da informação que o susto ainda continua a ecoar. É aquele tipo de coisa que mesmo sabendo que se está numa situação muito delicada, não se espera ouvir e, mais do que isso, nunca se está preparado para lidar com a nova situação que é imposta pela vida e constatada pelo médico.
Afoguei quaisquer reações emocionais que poderiam vir em decorrência disso (péssimo, eu sei) e continuei. Minha mãe, por outro lado, passou a dormir ainda menos, diante do fato de que mesmo sob controle, cada passo ou descompasso meu deveríamos contar com a possibilidade fatal.
Pode-se dizer que, em certa medida, nossas vidas, desde então, giraram em torno da preocupação velada. Uma guerra fria que travamos entre viver falando sobre o que estava constantemente nos nossos pensamentos ou, então, fingir conscientemente que tudo estava bem, apesar das restrições.
No meu caso, me foram apresentadas três possibilidades de tratamento da WPW. Um deles, de controle do ritmo cardíaco a partir do uso de medicamentos. Outro, que consiste na tentativa de ablação do “fio” anômalo por meio de radiofrequência. E, por fim, um outro procedimento, parecido com a segunda possibilidade, que consiste no congelamento da via extra e consequente morte do tecido que causa os curtos-circuitos antes que ele tente, novamente, matar o paciente.
Logo de início, passei a fazer uso de um medicamento diariamente. Duas vezes ao dia, lá estava eu parando e pedindo licença porque precisava “tomar meu remédio”, como dizia. Não apenas por ele, mas por conta da condição em si, já não podia mais ingerir cafeína (amo café), álcool (mas nunca gostei de beber mesmo) ou qualquer outra substância que pudesse engatilhar uma crise de taquicardia, bem como os esforços físicos precisariam ser consideravelmente mais contidos - e aí, sim, muito por conta do remédio, também, que foi me deixando cada vez mais cansado.
Entrementes, em março de 2017 passei pela tentativa da ablação pelo SUS. Um procedimento parecido com um cateterismo. Por meio de uma artéria, um catéter chega ao local específico do coração onde se encontra o “fio” intruso para, então, queimá-lo a fim de eliminar a causa das crises. Não funcionou. Em vez disso, constatou-se que a via anômala estava muito próxima da via normal. Se fosse queimada, com aquela técnica, haveria o risco de ser necessária a implantação de um marcapasso. Entre seguir com o remédio e a possibilidade de ter a vida ainda mais limitada por conta do dispositivo, dr. Jaber me recomendou seguir com a primeira opção, e eu votei com o relator.
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Passadas a euforia e a ansiedade frustradas pelo resultado da cirurgia, mas, ainda assim, agradecidos por, pelo menos, tudo seguir como já estávamos nos acostumando, dr. Jaber falou, a mim e à minha mãe (como sempre), com mais detalhes sobre a terceira possibilidade, a da crioablação. Os riscos seriam os mesmos da própria ablação, mas, por se tratar de um procedimento mais cauteloso, já que baseava-se no congelamento da via anômala e com possibilidade de reversão antes de sua conclusão, as chances de sucesso seriam maiores.
O único - e enorme - problema naquele momento era que eu não possuía nenhum plano de saúde. Embora o procedimento não fosse ofertado amplamente pelo SUS, mas ainda assim fosse ofertado, todavia, apenas alguns casos específicos que pudessem servir de objeto de estudo eram contemplados com essa possibilidade por equipes e hospitais específicos. Tudo muito complicado. Tudo muito burocrático. Tudo muito demorado. E eu tinha pressa. Pressa de poder deixar de fazer uso do medicamento. Pressa de poder viver sem o peso de uma preocupação constante. Pressa de ser curado.
Do dia da tentativa da ablação até setembro deste ano, apesar de o remédio dar uma boa segurada no ritmo até então desritmado do meu coração, nem sei quantas vezes precisei correr a um hospital porque ele ameaçou de acelerar novamente ou porque, com algum outro sintoma, tinha medo de tomar algum remédio qualquer sem antes ter o parecer médico de que ele não desencadearia uma taquicardia.
No meio disso tudo, passei pelos piores momentos da pandemia de COVID-19 sendo um paciente do grupo de alto risco e, por isso, tendo várias crises de ansiedade - e ficando ainda mais ansioso sabendo que elas poderiam fazer meu coração disparar - enquanto desejava com todas as forças a chegada das vacinas; conclui minha faculdade em meio ao primeiro pico de casos de coronavírus; perdi meu avô, minha cachorra e minha hamster num intervalo de menos de um mês; passei por uma cirurgia; tive mais crises de ansiedade porque não conseguia emprego; e, quando finalmente consegui e passei a ter um plano de saúde, fui logo atrás de, então, saber o que precisava fazer e a quem precisaria recorrer para conseguir passar pela tal da crioablação.
Foi o próprio dr. Jaber, que me atendia pelo SUS no Hospital Santa Marcelina, quem me encaminhou ao dr. André Gonçalves quando o informei, no início deste ano, que já dispunha de convênio médico. Ambos me acompanharam até setembro passado, quando finalmente passei pelo procedimento, que foi um sucesso.
Nesta semana, depois de refeitos os mesmos exames que fiz e refiz várias vezes desde 2016, veio a constatação da cura. Os exames, que antes estampavam em altos e bons jargões médicos o diagnóstico de WPW, agora estampam resultados que, ainda incrédulos, vez ou outra eu e minha mãe nos pegamos questionando se, depois de cerca de sete anos de tensão constante, este momento que estamos vivendo, de retorno à uma vida normal, dessa vez em segurança, é real.
Mas, se chegou até aqui, você deve estar se perguntando qual o sentido de trazer o meu relato para o LinkedIn. Identifico três motivos simples:
Primeiro, profissional. Considero este o motivo mais óbvio, pois, se você chegou até aqui, deve ter percebido o quão importante foi para mim ter conseguido um emprego que me desse como benefício um plano de saúde. Mais do que ter melhorado minhas condições financeiras ao ser contratado, o benefício do convênio médico no trabalho foi o que me proporcionou a possibilidade de finalmente conseguir passar pelo procedimento de crioablação e, enfim, ser curado. Curado, então, posso seguir ainda mais ativo não apenas na minha vida pessoal, mas, também, na profissional.
Portanto, a quem contrata, levanto a bandeira para que se olhe com mais carinho e atenção aos contratados. Todos temos questões em nossas respectivas vidas pessoais. Quando se trata de saúde, nada pode ser maior ou mais relevante. Ao gozar de um bom estado físico e/ou mental, qualquer um pode alçar voos ainda maiores, pessoal ou profissionalmente.
Segundo, por um motivo político, porque, sim, em tudo há de pintar política. Humanos somos, políticos somos. No meu relato, acredito, fica evidente que, embora tenha sido acolhido por profissionais da mais alta competência na rede pública de saúde (e quero deixar bem claro que, antes de qualquer coisa, viva o SUS!), ainda há procedimentos e tratamentos, como a própria crioablação, que não estão disponíveis à maior parte da população, e é por isso que devemos lutar, para que tenhamos todos direito a tratamentos modernos, seguros e eficazes que possam proporcionar não somente cura, mas o direito básico à vida.
Por fim, para enaltecer os profissionais que me acompanharam em toda a minha jornada até aqui. Sem eles, estejam no SUS ou na rede privada, nada disso seria possível. É graças a eles que, agora, sinto meu coração, física e emocionalmente, mais tranquilo.
Para concluir, aproveito apenas para deixar registrada a minha gratidão sem medidas a Deus, à minha família (sobretudo, à minha mãe, que está sempre ao meu lado em cada passo, e também aos meus avós e minha saudosa madrinha) e amigos, além de cada pessoa que, de algum modo, esteve comigo nessa caminhada.
Gestora de Comunicação na ADB Sindical (Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros)
1 aBruno, você é um vencedor! Sua história (além de muito bem escrita), é muito inspiradora! Continue com essa força e dedicação ao trabalho!