Treinamento e desenvolvimento na perspectiva empresarial
Leonardo Saraiva de Oliveira

Treinamento e desenvolvimento na perspectiva empresarial


Como foi dito no artigo anterior "estamos todos sob alguma influência". "Podemos gostar da ideia de pensar em nós mesmos como influenciadores ou criadores de tendências, mas a verdade é que temos o instinto natural de adotar um "comportamento de manada", ou de “Maria vai com as outras”, sem vontade própria, que se deixam levar pela opinião dos outros, e seguindo as massas."


No processo de gestão de pessoas que envolve Educação, Treinamento e Desenvolvimento (ET&D) não é diferente. Estamos sempre achando que o que as outras empresas estão fazendo é o melhor e o correto.


Mas afinal, com devemos proceder para a construção de um plano de ação de ET&D verdadeiramente eficiente e eficaz? Simples: compreender qual a visão do CEO da companhia sobre o que a empresa precisa e quer executar em alinhamento com as estratégias de crescimento orgânico dos negócios, sabendo que ele é o desenvolvimento organizacional por meio do próprio esforço, utilizando recursos internos e sem recorrer a fusões e aquisições. É um tipo de crescimento que resulta de estratégias eficazes, fortes capacidades operacionais e uma abordagem inovadora, inclusive por meio de ambidestria.


Desde o trabalho pioneiro de Donald Kirkpatrick, vários autores desenvolveram técnicas e métodos que propõem determinar o grau em que as atividades de ET&D cumpriram seus objetivos. Não podemos negar que muito do que existe na metodologia dele é autêntico e único, mas outra parte dela é composta de estratégias e instrumentos comuns, mesmo que possuam denominações específicas, consistindo de certa convergência conceitual.


A diversidade metodológica desenvolvida por Kirkpatrick oferece opções ao profissional de RH. No entanto a pluralidade consegue mais confundir do que ajudar, pois poucos estudos e análises se propõem a organizar a metodologia. O resultado é a inadequação à realidade, desarranjo prático e/ou erro pelo uso incorreto, devido ao estado permanente de dúvida sobre como fazer as avaliações. Resultado: o profissional de RH, do processo de ET&D, se sente impotente e a organização acaba não percebendo resultados práticos e tangíveis, muito embora tenhamos à nossa disposição métodos e técnicas para avaliar qualquer coisa, de várias formas e sob várias perspectivas.


Os métodos de avaliação, embora diversos, deveriam ser organizados sob uma mesma estrutura. A teoria da aprendizagem organizacional oferece essa possibilidade. Essa teoria preconiza que as organizações aprendem, porém num sentido metafórico, pois são as pessoas que aprendem e transferem esse aprendizado como multiplicadores para, finalmente, atingir a organização.


Assim, os métodos podem ser organizados com a seguinte estrutura:

  • Indivíduo: reação e aprendizado;
  • Grupo: competência, comportamento e desempenho;
  • Empresa: resultados e retorno sobre o investimento;
  • Cliente, Consumidor ou Comunidade: retorno das expectativas.


O que esse formato mostra é que muito esforço em capacitar pode ser feito e muitos métodos para avaliar seu resultado podem ser utilizados. Porém, quando se fala em avaliação de ET&D há que se definir antes em qual nível estamos falando: se o individual, o de grupo, o da empresa ou o do ambiente externo.


De acordo com Claudemir Oribe, a tipologia de treinamentos corrente, que tem sua base estruturada pela aplicação conceitual do acrônimo C.H.A. – Conhecimentos, Habilidades e Atitudes – se presta apenas para decidir atividades, possuindo uma perspectiva técnica e funcional. A contradição é que estamos vivenciando, até hoje, a tentativa de uma mudança de paradigma do RH transacional para o Estratégico, onde o foco é organizacional, senão socioambiental. Logo, uma tipologia de ações de ET&D terá mais poder de mostrar o benefício potencial de cada ação se possuir também uma ótica organizacional estratégica.


Estando certos que o termo treinamento é extremamente limitado, pois não abrange as diversas formas de induzir a aprendizagem e o crescimento profissional das pessoas, todos os envolvidos com essa prática e atividades afins já constataram que existem muitos tipos de treinamentos: interno e externo (local onde é realizado); gerencial, operacional e técnico (realizado de acordo com os estratos organizacionais); conhecimentos, habilidades e atitudes e comportamentos (natureza da aprendizagem profissional); com ou sem custo (volume de desembolso); e, com ou sem registro (existência de histórico).


Oribe afirma que todos esses tipos tem sua importância, porém nenhum deles tem um olhar estratégico, pois o ponto de vista organizacional contém a expectativa do resultado. O porquê disso é simples: os Gerentes são avaliados pelos resultados que entregam. Nenhum desses tipos consegue transmitir essa ideia. E se isso não acontece, eles não conseguem avaliar e dar valor, e se não dão valor estão desvalorizando.


A perspectiva organizacional é outra. Ela é estratégica e voltada à sustentabilidade do negócio. Os Gerentes tomam decisões pragmáticas. Em outras palavras, não é apenas o participante da ação de ET&D que questiona o que se ganha, mas, principalmente, eles. E deve ser bem frustrante analisar um plano de treinamentos impróprio e ver ação alguma de interesse do cliente interno.


A verdade é que o CEO e os Gerentes Estratégicos analisam o investimento em ET&D por meio dos seguintes critérios:

  • Melhorar resultados, em primeiro lugar;
  • Atender requisitos mínimos e obrigatórios;
  • Desenvolver os comportamentos que materializam as atitudes positivas;
  • Atualizar competências técnicas que envolvem, também, a aplicação de tecnologias de fronteira;
  • Cumprir responsabilidades sociais, desde que estejam alinhados à estratégia do negócio.


As ações do tipo resultados são reativas pois, se alguma coisa precisa ser melhorada significa que não está boa. As questões decorrentes disso são: o que será melhorado, quanto custará, quem fará a medição e quando ela será feita. A abordagem é pragmática, utilitarista, baseada em tangibilidade. A ação é apenas um meio, pois o fim é o resultado desejado e esperado. Se o treinamento pudesse ser evitado, provavelmente seria, pois trata-se de um esforço a mais e não é avaliado como custo estratégico ou não estratégico.


A grande maioria das ações de ET&D são do segundo tipo. Os treinamentos para atender requisitos são obrigatórios. Esse grau de obrigatoriedade varia desde a definição interna, como o conhecimento de procedimentos, até os legalmente prescritos, como aqueles para atender a NR-1, CIPA etc. Eles são prescritos, compulsórios e mínimos, que devem ser realizados, nem que isso não traga benefícios palpáveis, mas deixem de acarretar perdas pequenas, grandes ou, até mesmo, irreparáveis. A exigência dessas ações determina pré-requisitos de competência como condição para que algo seja feito ou realizado. Felizmente ou infelizmente, são menos prioritários do que os treinamentos com potencial de ganhos reais e em curto prazo.


O terceiro tipo envolve mudança ou evolução de comportamentos, com todos os esforços focados em humanização. Mesmo que existam argumentos, pretextos ou motivações para a obtenção de resultados tangíveis, o foco é o fortalecimento da cultura organizacional. Os resultados são observados no semblante das pessoas e nos relatos de como a experiência de aprendizagem muda o comportamento dos colegas e o clima organizacional. Esse tipo de intervenção se propõe a mudar percepções, sentimentos e significados, buscando níveis de consciência mais elevados e mudanças que afetam a relação com o mundo organizacional que o cerca. O equilíbrio entre vida pessoal e profissional, visando qualidade, é o último estágio a ser atingido nesse tipo de ação.


O quarto tipo de ação na ótica organizacional são as participações em eventos com o propósito de avaliar tecnologias tradicionais e de fronteira e conhecer novas práticas, métodos ou tendências. O que se busca é conhecer essas novidades e também argumentos para sua adoção ou rejeição. É fundamental estar atualizado com o que está acontecendo no meio técnico, tecnológico e profissional, sob o risco de obsolescência. Por isso, os profissionais participam de feiras, congressos, seminários, workshops e grupos de estudo. No entanto, se o propósito da participação em eventos é de aplicação prática e melhoria de resultados, então ele se enquadra no primeiro tipo de ação. Vale destacar que não marcar presença em eventos dessa natureza pode fazer com que a empresa deixe de ser competitiva.


E existem as ações de ET&D que são oferecidas como uma forma de benefício, cujos resultados serão colhidos por aqueles que os receberem e outros afetados indiretamente. O treinamento é um recurso entregue como uma doação, e a organização que assim o faz sente-se orgulhosa por ter a oportunidade de devolver à sociedade o valor social do lucro obtido. Os participantes das ações do quinto tipo podem ser da própria empresa, seus familiares, membros de organizações não governamentais e pessoas de comunidades do entorno. A princípio não há um resultado tangível e nem uma exigência de qualquer tipo de retorno, que não seja satisfazer as expectativas de stakeholders e enriquecer o relatório de ESG da empresa.


Olhando atentamente, essa estrutura possui uma lógica progressiva em termos de tangibilidade. Os objetivos da classificação das ações nesses tipos são, basicamente, dois: definir o perfil do investimento em ET&D e escolher adequadamente o método de avaliação de eficácia.


Dito tudo isto e, considerando o que os CEO e Gerentes pensam sobre ET&D, a visão de um RH que pretende ser estratégico deve ser voltada para: definir o melhor perfil de investimento em educação, treinamento e desenvolvimento. Esse perfil se apresenta pela distribuição percentual dos valores a serem investidos. Exemplo:

  • Resultados: 70% do orçamento de ET&D;
  • Requisitos: 5% do orçamento de ET&D;
  • Atitudes e Comportamentos: 15% do orçamento de ET&D;
  • Competências Técnicas Diversas: 8% do orçamento de ET%D;
  • Responsabilidade Social: 2% do orçamento de ET&D.


A distribuição e a maximização da aplicação dos recursos nos cinco critérios de investimento é estrategicamente reveladora e permite à Gerência de RH movimentar os recursos de acordo com o cenário, coisa que o formato dos planos tradicionais, comumente organizados numa listagem, não permite.


Além disso, o formato de categorização em critérios objetivos permite identificar qual é o retorno que cada tipo tem potencial de oferecer. Nos casos de elevado potencial, essas ações precisam ser cuidadosamente desenhadas, executadas e acompanhadas pela Gerência de RH e pela unidades organizacionais.


Quanto à eficácia das ações sabemos que, muitas vezes, o melhor método é determinado pela experimentação. Na perspectiva do colaborador, todos os treinamentos dão resultado, isto é, são eficazes, pois as pessoas saem diferentes a cada nova experiência de aprendizagem, pois elas proporcionam algum crescimento, ainda que muitas vezes ele seja ignorado. Na perspectiva organizacional não há tanto otimismo, pois poucos esforços rotineiros tem o poder de propiciar uma contribuição verdadeiramente estratégica, a não ser aqueles com propósito claro de promover impactos positivos e, consequentemente, mudanças e transformações que assegurem a sustentabilidade financeira do negócio.


A única certeza que temos sobre tudo isso é que, se o RH não tiver assento à mesa das decisões estratégicas para alinhar suas ações às expectativas da alta direção e dos donos do negócio, a área sempre ficará na "berlinda" com a "batata quente" nas mãos e com um leve, porém insuficiente, apoio da Gerência de Garantia da Qualidade, se ela for parceira.


Até a próxima!

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