Um dia emocionante no mundo corporativo (quando ganhei presente inesquecível)

Tive a alegria de viver muitas histórias emocionantes em três décadas dentro de organizações. O mundo corporativo tem sim episódios de bonita emoção rasgada. Você também não tem boas histórias cheias de afeto para contar?

É verdade que venho criticando o desequilíbrio dos ambientes profissionais que supervalorizam a conversa objetiva, a racionalidade, a linearidade, a análise fria enquanto o esquadro corporativo encurrala as emoções para os becos dos momentos excepcionais como a noite da convenção de vendas, a comemoração dos resultados, o happy hour, a festa de aposentadoria de uma liderança querida, o aniversário da companhia.

Nesses momentos pontuais, como cantava Tim Maia, vale tudo! Um choro convulsivo é permitido, um abraço longo e apertado é bem-vindo, explosões de alegria se tornam aceitáveis, soltar gritos de guerra é exigido, até passar um pouco do ponto nas bebidas durante a "festa animada da firma" pode ser tolerado. No dia seguinte, por favor, todo mundo se recomponha, calibrando a altura da voz e contendo seus gestos, segurando sorrisos e lágrimas, mantendo distâncias seguras.                         

É óbvio que não dá pra transformar a sala de projetos num carnaval da Sapucaí. Mas você entendeu o ponto do desequilíbrio, né? Não há dúvida de que o ambiente organizacional, na maior parte do tempo, baniu talentos emocionais e concentrou todas as fichas na inteligência analítica, nas padronizações, nos comportamentos automatizados.

Daí é urgente fazer uma revolução para retornarmos a um ponto desejável de equilíbrio. Eu sempre busquei mais emoção nas relações corporativas. Meu ideal é misturar aspectos importantes e necessários para uma empresa como impessoalidade na tomada de decisões (fora nepotismo e preferidos!), valorização dos dados, seriedade nas análises, certo grau de decoro, com informalidade, espontaneidade, humor, afeto, conexões verdadeiras.

Uma das situações clássicas para nos emocionarmos nas empresas é o reconhecimento do “tempo de casa” de funcionários. Certa vez, ouvi o consultor Pedro Mandelli contar sobre a maneira modorrenta que as empresas reconheciam seus talentos e homenageavam os funcionários nessas ocasiões:

O colaborador completou 15 anos de casa? Vamos enviar uma cartinha formal e uma cafeteira. Melhor, vamos dar pontos para que se tenha o poder de escolher entre um relógio e um secador. A funcionária alcançou 30 anos de empresa? Trocamos a data da cartinha e oferecemos um jogo de panelas.

Fiquei sensibilizado com aquela história debochada, mas muito próxima da realidade. Eu mesmo já tinha recebido minhas cartinhas, almoços especiais e alguns presentes. Quero já dizer que foram cenas felizes que guardo com carinho na memória e que são coisas bacanas que uma boa organização pode proporcionar em escala.

Mas e a liderança e a equipe daqueles funcionários? Também não poderiam ter um papel mais inovador nessa história? A partir desse momento, pensei que eu poderia fazer mais como líder e colega, acrescentar meus temperos, colocar doses de emoção, acrescentar umas colheres extras de verdade.

Quando um colega da minha equipe fez 10 anos de empresa, lá fui eu escapar da mera cartinha e preparar uma surpresa bacana. Desenhei um quadro com um jogo de percurso, em que cada casa do caminho trazia informação divertida personalizada para meu amigo. Mensagens divertidas, irônicas, que costumávamos debater em almoços e pausas de café.

Ainda ilustrei o tabuleiro com personagens admirados pelo colaborador, mesmo sem ter grandes talentos de desenhista e sem ter muito tempo disponível. Vale lembrar que meu amigo - colaborador tinha trabalhado na indústria de jogos e adorava um bom jogo de tabuleiro. Ou seja, cada detalhe que pensei fazia sentido. Tenho certeza de que foi um presente significativo, com maior profundidade, com muito mais conexão emocional verdadeira para reconhecer a contribuição preciosa, fortalecer laços e agradecer pela jornada.

Nessas últimas semanas, vivi emoção inesquecível e recebi presente maravilhoso. Só que dessa vez, no papel inusitado de parceiro - prestador de serviços, que normalmente não costuma receber demonstrações de carinho surpreendentes do contratante.

Tenho o privilégio de dar consultoria e assessoria estratégica para uma grande empresa de calçados de segurança, a Bracol , marca inovadora e de alta qualidade, com vasto portfólio de soluções para segurança do trabalho, diversas fábricas, e principalmente, um time potente sob uma cultura admirável.

No final de nossa sessão de trabalho com as lideranças, após as mensagens do presidente e de outras pessoas, o diretor da empresa Bruno Scarponi me chamou ao palco. Ali na frente, começou a contar minha história, destacando que, para além do competente profissional que contribuiu naqueles dias, havia um pai dedicado.

Fiquei surpreso pela mensagem que foi além de minha entrega profissional para o cliente (o esperado nesse contexto do mundo corporativo), e avançou para os desafios que enfrento para equilibrar minhas atividades profissionais, artísticas, e especialmente, acompanhar meu filho em sua jornada, nos cuidados com sua saúde, na universidade, nos campeonatos de bocha paralímpica. Fizeram boa pesquisa e projetaram na tela uma foto linda de quando eu e meu filho nos abraçamos, chorando, após conquista recente do campeonato brasileiro de bocha sub-21 deste ano.

Consegue imaginar essa surpresa totalmente inesperada? Afinal, nem sou funcionário. Sou um parceiro de negócios, um consultor de estratégia e inovação. Se tivesse alguma coisa nos moldes clássicos para reconhecer um fornecedor, seria um agradecimento, um abraço, talvez uma garrafa de vinho, um pacote de café especial, uma camisa do time de futebol local.

Aí o pessoal veio com uma surpresa ainda maior. Descobriram que um funcionário do almoxarifado tem um talento artístico incrível e faz desenhos impressionantes. A partir de uma foto, o rapaz refaz qualquer cena em maiores dimensões, sempre em nuances de preto e branco. É um trabalho lindo, que aplica um nível de detalhe e precisão absurdos.

Pois deram a foto do meu abraço com meu filho para o operário-artista e encomendaram uma obra de arte maravilhosa. Sei também que por trás dessas ideias está o talentoso líder de comunicação, Fernando Oliveira , que transborda emoção e criatividade por onde passa.

De repente, me entregam esse presente maravilhoso, com um abraço emocionado que me arrancou lágrimas e embargou a voz. Um dos gestos mais bonitos que já recebi do mundo corporativo. Uma demonstração de carinho incomparável.

O quadro está lá na parede da sala do apartamento do meu filho, lembrando nossa jornada cheia de amor, e provando que ambientes corporativos e relações profissionais, respeitando questões de integridade, podem e devem ser recheadas de emoções positivas.