Um lugar ao sol
Quando homenageada em um evento há alguns anos, a escritora Lygia Fagundes Telles evocava em seu agradecimento a célebre pergunta do psicanalista Sigmund Freud: “Afinal, o que querem as mulheres?”. Ela respondeu magnificamente: “Um lugar ao sol”.
Sabemos todos muito bem que o “lugar ao sol” de Lygia em nenhum momento considerava aquilo que representaria boa parte do pensamento publicitário internacional como “lugar ao sol” vinculado ao universo feminino: belos corpos de mulher (midiáticos, isto é, de acordo com os “padrões” de beleza que nos são impostos) em praias, piscinas ou onde a “inspiração” os colocasse, sem nenhuma outra incumbência a não ser vender: protetor solar, sandália, biquíni, carro, cerveja, o corpo...
Possivelmente, o lugar ao sol de Lygia também não visualizava os muitos objetivos que o movimento feminista buscava, com toda a importância que ele tem desde seu surgimento, entre eles a igualdade de gêneros.
As “igualdades” que o movimento propunha, além da devida valorização da mulher, talvez tenham contribuído também para o surgimento do “homem moderno”, mais vulnerável, sensível, humano. Em contrapartida, às mulheres conferiram mais responsabilidades, com muito mais acesso ao mundo dito “profissional”, mas nem por isso conquistando, verdadeiramente, a igualdade de direitos.
Com todas as mudanças ocorridas, pode ter crescido exponencialmente a culpa por ser mulher, por ser mãe, por ser filha. A culpa da profissional que, no trabalho, se sente em falta com os filhos, com o marido, com a família, e, em casa, fica dividida, lembrando o que tem para fazer no escritório, a posição que não consegue alcançar, ou, pior, a que tem de abrir mão... Enfim, vocês sabem. De quebra, a consciência de que, com todos esses “privilégios e conquistas”, precisa lutar para estar sempre “bem” e “à altura”. De quê? Para quê? E, ainda, prestando muita atenção para não “envelhecer”...
Neste ponto, lembrando o estresse e as dores da culpa de ser mulher, penso no belíssimo título de um livro de uma mulher admirável, Doris Lessing, Prisões que Escolhemos para Viver. Sim, embora todos nós, homens e mulheres deste nosso mundo aturdido, tenhamos inúmeras formas de autoaprisionamento, de longe as mulheres se destacam nessa arte de sofrer, numa vida que poderia ser mais bem vivida. Aqui, entram fatores muito subjetivos: inseguranças, ansiedades, sentimentos de inadequação, de incompletude. Mas, por mais variados que sejam, sentidos contínua ou intermitentemente, eles derivam, acredito, de preconceitos herdados de arquétipos que marcaram civilizações inteiras – suas cosmogonias, mitologias, mitos de criação, que atribuíam, desde o início dos tempos, à mulher um papel central na perda do paraíso, do juízo, da origem do pecado e da punição.
Sendo esses fatores realmente tão ancestrais, tão fundadores de nossa civilização, imagino que somente uma transformação psicossocial, que nos liberte a todos – já que não é possível sermos ingênuos em imaginar que para cada “culpada” não exista um “juiz”, uma verdadeira transmutação desse sistema em que todos estão presos em uma teia emocional asfixiante –, poderá contribuir na fundação de um novo processo civilizatório.
Acredito que essa é uma das transformações, entre tantas, que precisamos viver. Por muitos sinais, sentimos que há outra consciência emergindo no mundo – os cuidados com a Terra, as preocupações com as condições de vida e com o futuro planetário, por exemplo. Essas manifestações são derivadas da emergência do feminino, dos cuidados, da busca da cura ambiental e social e do antídoto para as muitas formas de violência.
Esse mesmo princípio tem todas as razões e o vigor indispensável para que consideremos a necessidade ética de uma nova visão, em que o feminino possa ser reconhecido como uma força que a mulher apenas representa, mas que a todos habita e que é essencial para a transformação da vida na Terra. Lygia, respondendo ao velho bruxo do século 20, com a autoridade de uma sacerdotisa, anunciava as luzes dos novos tempos: um lugar ao sol para as mulheres. Com esse espaço, o direito de viver sua vida liberta dos preconceitos que têm aprisionado as mulheres e diminuído os homens. Um lugar ao sol. Para todos.
Controller Financeira
5 aSr. Luiz Seabra todos que trabalhamos com a Natura (de uma forma ou de outra) conhecemos o lado justo e humano da sua pessoa. Mas ultimamente lamentamos imensamente a distância e impossibilidade de lhe falar sobre os diversos problemas que temos enfrentado como suas Consultoras.... Que lindo seria se o Sr. ouvisse pessoalmente o que pensam as consultoras e consultores digitais sobre ter "um lugar ao sol".....
Mentor Executivo, Professor Educação Executiva em Gestão de Pessoas, Organizações e Governança, Doutorando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital - TIDD da PUC-SP.
5 aLuiz Seabra sua análise encontra similitude ao que o psiquiatra e terapeuta Claudio Naranjo advogava sobre os impactos da sociedade patriarcal e sua influência deletéria sobre o feminino, tão necessário para uma vida sã e mais equilibrada. Ótima a sua análise.
Diretor de marketing e operações na Ecori Energia Solar | ESG student
5 aO livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés, psicanalista junguiana, doutora em psicologia etnoclínica, destaca e aprofunda esta temática urgente e felizmente emergente. A integridade dessa mudança está na reflexão diária, no auto conhecimento e nas suas fontes de alimento psico-social, tais como seu texto Luiz Seabra. Obrigado por compartilhar.
Flight attendant
6 aSenhor Antônio, por favor me ajude a ter um lugar ao sol uma oportunidade de trabalhar com a Natura no sol dos Emirados Árabes... A natura ao sol árabe nao seria nada mal. Mostrar que Brasil não é só samba e Carnaval 🎭... Os Árabes precisam conhecer esses produtos maravilhosos... Ajuda please.... Quero muito trabalhar com a natura la. 😊 ♥
Advogada, especialista em Sustentabilidade e Terceiro Setor, empreendedora em projetos de desenvolvimento sustentável através do kitesurf no nordeste do Brasil
6 aA sustentabilidade como expressão do feminino...admiro seu trabalho e legado! Parabéns! Sabias palavras...