Uma reflexão sobre a relação entre as operadoras de saúde e os conselhos profissionais

Uma reflexão sobre a relação entre as operadoras de saúde e os conselhos profissionais

Há 25 anos, a Lei 9.656 de 1999, também conhecida como a Lei dos Planos de Saúde, define a regulamentação que estabelece as condições básicas para o relacionamento entre operadoras de saúde, profissionais e beneficiários, no que diz respeito aos serviços prestados em saúde suplementar. Isso envolve a garantia da boa prática desses serviços de saúde com a oferta de qualidade por parte das empresas, protegendo os direitos dos beneficiários e pontuando seus deveres, além de oferecer as ferramentas necessárias para que os profissionais possam exercer sua profissão da forma mais adequada possível, entre outros tópicos cobertos pela Lei.

Um ponto que merece destaque é a exigência para que as operadoras dos planos de saúde, que além de serem reguladas pela ANS, devem possuir registro perante o Conselho de Medicina e/ou Odontologia, como requisito de autorização de funcionamento, conforme previsão do art. 8º, inciso I, da Lei de Planos de Saúde.

Em razão disso, as Operadoras passam a estar submetidas às regras do Conselho Federal de Medicina e/ou de Odontologia, de acordo com os serviços oferecidos. Assim, é garantida a regulamentação dentro dos códigos de ética profissional. E sobre isso, queremos propor uma reflexão sobre alguns pontos, para entender como se estabelece a relação entre as operadoras de saúde e os conselhos profissionais e algumas situações que geram debates nesta relação.

Dentre as competências dos conselhos profissionais de saúde, temos as atividades de fiscalização e normatização da prática da profissão buscando um exercício ético das atividades da medicina, odontologia, dentre outros, visando sempre a saúde dos pacientes, bem como garantir os direitos dos profissionais envolvidos. E um dos debates que existem é sobre a interferência das operações na prática profissional. Um dos exemplos mais contundentes é se a cobertura ou não de serviços e procedimentos, por parte da operadora, pode ser considerada uma interferência na autonomia profissional.

Ao avaliar os pedidos de tratamento, as operadoras têm direito a realizar glosas nas guias de tratamentos já realizados e negativas em situação de autorização, de acordo com as regras previstas nos contratos de credenciamento com o prestador, no contrato com o beneficiário, assim como de acordo com as normas da ANS e da Lei de Planos e Saúde.

Porém, o fato de um tratamento ser negado ou sofrer uma glosa, por parte de uma operadora, diz respeito apenas as regras de saúde suplementar acerca da cobertura dos tratamentos, não sobre a conduta do profissional. Afinal, em regra, uma negativa ou glosa não representa uma proibição para que o profissional não prossiga com seu entendimento e sua conduta clínica, mas apenas que a Operadora não irá efetuar o pagamento, de forma fundamentada. Mesmo quando o motivo da negativa for uma divergência técnica, ainda assim a negativa não deveria ser vista como interferência na autonomia profissional, mas apenas relacionada à cobertura assistencial.

Ademais, é válido lembrar que quando há divergência técnica em uma situação de negativa, sempre devem ser seguidas as determinações da RN 424/2017 da ANS. A norma determina que deve ser constituída uma junta médica ou odontológica, para discutir os motivos pelos quais aquele procedimento é necessário e quais as possibilidades dentro do cenário proposto. Esta junta é definida pelo paciente e pelo profissional, que juntos escolhem um terceiro para analisar o quadro clínico e, assim, oferecer um parecer para desempatar as opiniões técnicas da situação.

Caso a opinião final da maioria seja contrária ao entendimento do médico do paciente, novamente isso não representa uma proibição de realização do tratamento ou o prosseguimento da referida conduta clínica, mas apenas que a operadora não possui obrigatoriedade de cobrir com o referido tratamento. O ato médico ou odontológico sempre compete ao profissional, no exercício de sua autonomia, junto com exercício da autonomia do paciente, após a etapa do consentimento livre e esclarecido deste. Após prestar todos os esclarecimentos e riscos, o paciente decide junto ao profissional qual tratamento a ser realizado, ainda que de forma particular.

A publicidade dos planos de saúde também se enquadra nas regras de publicidade médica?

Outro ponto importante de debate na relação entre os conselhos e as operadoras de saúde se estabelece na aplicação das normas éticas de publicidade. Na prática, ocorrem questionamentos e demandas éticas nos Conselhos, em relação aos anúncios e divulgações dos produtos de um plano de saúde, que contenham os valores das mensalidades dos planos, por exemplo. Em razão disso, as publicidades seriam caracterizadas como irregulares pelo Código de Ética do Conselho de Medicina e de Odontologia.

De outro lado, há a interpretação de que a publicidade realizada não faz referência aos serviços médicos e odontológicos, às características deles ou dos profissionais que prestam tal serviço e aos valores cobrados por eles. A publicidade e as informações de valores ali contidos dizem apenas respeito aos planos de saúde, como produtos comercializados e registrados na ANS. Nesse sentido, somente haveria violação às normas éticas, caso os anúncios das operadoras abordassem informações específicas dos serviços prestados ou dos profissionais e, ao fazer isso, deixassem de observar as determinações dos Códigos de Ética e normas de Publicidade.

As normas do Conselho de Medicina e Odontologia proíbem anúncios com o intuito de angariar clientela, devendo a publicidade ser informativa e educacional. A divulgação dos valores da mensalidade e outras informações do plano não deve se encaixar na referida proibição, eis que não há uma publicidade com o intuito de angariar pacientes para um profissional ou um grupo de profissionais específicos, mas apenas divulgar informações básicas sobre o produto objeto do anúncio, ou seja, o plano de saúde. Afinal, o consumidor contrata o plano de saúde e sequer pode vir a utilizar os serviços da rede credenciada, pagando a mensalidade para ter estes à sua disposição apenas.  

Válido destacar que a divulgação dos valores das mensalidades dos planos de saúde atende inclusive o direito à informação clara e transparente, previsto no Código de Defesa do Consumidor. Logo, temos aí mais um motivo para que isso não seja considerada uma infração ética.

É importante que haja comunicação e um entendimento entre as partes para garantir que as informações sejam divulgadas para os pacientes de forma clara, sem que haja divulgação irregular, mas que também seja possível a comunicação de serviços disponíveis para o consumidor bem como de seus valores, para que as pessoas tenham as informações apropriadas para fazer sua escolha para contratar o plano de saúde que seja melhor aplicável em suas necessidades.

Vale a ressalva que as normas éticas de publicidade devem ser obedecidas, e podemos citar como exemplo a obrigatoriedade de divulgar números de registro, nome e número de registro dos Responsáveis Técnicos das Operadoras. Entretanto, as normas devem ser interpretadas de acordo com a natureza da divulgação realizada pelas Operadoras e Seguradoras, sem confundir o produto de saúde suplementar com os serviços médicos e odontológicos propriamente ditos.

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