Uma visão histórica sobre a maternidade
Você acha que a culpa e instinto materno existem desde que a mulher veio ao mundo? Se respondeu sim, você está redondamente enganada.
Neste artigo, convidamos você a fazer uma viagem no tempo para conhecer, por uma perspectiva histórica, um pouco mais sobre maternidade, infância e diferentes formatos de família. Tudo isso é muito legal para exercitar o senso crítico e compreender um pouco mais sobre o universo materno nos dias de hoje. Temos certeza de que vai encontrar muitas novidades e entender algumas funções e sentimentos que carregamos no decorrer do tempo.
É só apertar os cintos. Vai ser incrível!
Antiguidade Clássica
Na Grécia, berço de origem da civilização ocidental, observamos que a crença a respeito da criação do mundo e do homem excluía a participação feminina. Como assim? Havia a ideia de “autoctonia”, ou seja, a origem humana NÃO partia das mulheres, mas sim da própria TERRA. A “invenção da mulher” só ocorreria depois, em mundo já em andamento e povoado.
Grécia antiga
Então, imagine a importância da maternidade para uma sociedade que acreditava que a vida não dependia das mulheres? A própria ideia de pátria, como “terra dos homens” delimita os papéis que homens e mulheres desempenhavam na sociedade. Complicado, né não?
"A mulher, em sua capacidade de conceber e procriar, é apenas uma imitação da terra e não a terra, da mulher." (Platão)
Deusa grega Gaia – na mitologia grega representa a Mãe Terra
Em Esparta, o Estado tinha grande participação na educação das crianças e a família era responsável por sua criação até os 7 anos de vida. Ao completar essa idade, o menino era preparado para exercer seu papel de guerreiro. A participação do Estado era tão grande que chegava-se ao ponto de sacrificar bebês que não fossem robustos (sem utilidade para a defesa da “pátria”). Imagine isso! O pai exercia uma autoridade ilimitada sobre a vida do filho,podendo até decidir sobre a vida ou morte da criança.
E a mãe?
Como acontecia em Roma, a mãe contribuía com uma formação espiritual e material, de nutrição e criação até os 7 anos de idade. Mas ainda sim, supervisionada e tutelada pelo pai, que buscava uma formação adequada aos ideais de virilidade da época. A participação da mãe era bem menor na formação dos filhos, restando-lhe mais o papel de genitora do que educadora. A formação dos meninos, até os 20 anos, ficava a cargo dos mestres.
Às meninas, restava a sua preparação única e exclusiva para o casamento e maternidade, cuidando de atividades domésticas; já que os homens não viam outra utilidade possível para elas. Dá uma olhada nesse vídeo e sente o clima!
Lembre-se que falamos aqui de uma sociedade que entendia a mulher como um ser inferior. Assim, não cabia à mãe toda essa autonomia e responsabilidade na educação, como acontece atualmente.
Idade Média
O pequeno jardim do paraíso, técnica mista sobre madeira, Upper Rhenish, 1410-1420
Pra entrar no clima daquela época, é só dar o play:
No período feudal, as crianças ainda permaneciam na casa de seus pais até os 7 anos de idade. Em seguida, os meninos passavam a viver com um nobre que lhe ensinaria as artes da guerra e as “maneiras da paz” e as meninas eram preparadas para exercerem tarefas domésticas, saindo de casa para viverem em casa de estranhos, recolhidas e esperando o casamento. Veja só:
O papel dos filhos girava em torno de suprir as necessidades da época como: crescimento demográfico, formação de mão-de-obra e moedas de troca em transações sociais – no caso das meninas. O amor desinteressado às crianças como vemos atualmente, não existia naquela época. Isso parece duro de ser falado! Como imaginar filhos saindo de casa aos 7 anos de idade? Não estamos afirmando que não havia sentimentos de afeição e amor em relação aos filhos, e sim mostrando os costumes e tradições de uma época. Por falar em mães, saca só esse parto:
Parto na Idade Média – Birth of Esau and Jacob (Ilumination Circa 1475 – 1480 by François Maitre)
Idade Moderna
Na Idade Moderna percebemos pequenas alterações sobre a visão das mulheres na sociedade. Nesta época, com o surgimento do Iluminismo, que a famosa expressão “instinto materno” é ouvida pela primeira vez. Jean-Jacques Rousseau contribuiu para esse pensamento visto que ele ressaltou, em sua obra “Émile”(1762), que somente as mulheres poderiam procriar e por isso, deveriam se sentir especiais – uma ideia que permanece até hoje. A Igreja também contribuiu bastante para o imaginário de divindade relacionado à mãe, em clara associação à Virgem Maria.
Maria, mãe de Deus – caráter sagrado atribuído à maternidade.
Nesse momento, o controle sobre a mulher-mãe se altera e a defesa de pureza e castidade começou a atuar na consciência coletiva de tudo que se relacionava à maternidade e ao feminino. Nesse caso, todas as mulheres que pensavam em fugir desse ideal puritano, acabavam sendo enquadradas como impuras e ligadas ao pecado. Imagine o peso? A Igreja disseminou certos ideais com a fabricação generalizada da culpa (Pastoral de culpabilização dos fiéis) e do medo (Pedagogia do medo). É mole?
E no Brasil?
Na colonização do Brasil, estes valores contribuíram imensamente para a nossa formação cultural na medida em que a Igreja atuou juntamente com a Coroa Portuguesa no Projeto Colonizador. O sistema patriarcal continuava conferindo às mulheres somente a função materna, excluindo-as de qualquer participação social que fugisse dos filhos e do lar.
Sendo assim, nossa criação se pautou por um enaltecimento da função de mãe, insuflada por sentimentos de culpa que foram alimentados pela religião e por uma medicina em desenvolvimento que defendia a maternidade a qualquer preço.
Família brasileira do século XIX – Retrato da Família Pacheco em 1895
E agora, Mãe?
Solta o som:
Atualmente vivemos num mundo bem diferente das nossas avós. É a era da liberdade, liberdade virtual, liberdade do agir, das escolhas – incluindo aí a própria escolha de ser mãe ou não, de se dedicar inteiramente aos rebentos ou não, de trabalhar fora ou dentro de casa, de brincar com o filho ou não… Nunca vivenciamos a liberdade de maneira tão intensa. Isso propicia um cenário fértil de questionamentos quanto ao estado atual das coisas, o que antes era inimaginável!
Novos formatos da família – Imagem pt.org
O resgate histórico nos faz refletir sobre o nosso presente. Entendemos que as coisas nem sempre foram como hoje e que os questionamentos e as angústias que sentimos residem na época atual, não se tratando de algo biológico, como muitos pensam. Os diversos formatos de família e as relações entre mães e filhos comprovam que nada é permanente, imutável.
Olha só o que esse cara diz:
O presente faz parte de um fluxo temporal contínuo e entender isso nos ajuda a situarmos no presente de modo mais crítico! Assim como avaliamos nossas experiências atuais com base naquilo do que já vivenciamos (nosso passado), a História apresenta nossa memória enquanto sociedade, fazendo com que a gente avalie nossa realidade atual de modo mais reflexivo. Isso nos faz compreender de forma mais leve a grandeza do que vivemos e nos ajuda a encarar toda a diversidade de sentimentos contraditórios, que vem de carona com a maternidade.
Reflexões e discussões em espaços como este [inimagináveis em outras épocas!], além de fazer com que consigamos abrir nossos corações e compartilhemos nossas angústias e anseios do universo maternal, faz com que tenhamos consciência da magnitude e riqueza dessa vivência que só quem já viveu consegue se sensibilizar.
E viva a maternidade com mais leveza e menos culpa!
Abrindo o coração e compartilhando o Universo Materno – Alguns posts do Projeto Real Maternidade / Maternidade nas Empresas
A MATERNIDADE É ALGO ÚNICO, INDESCRITÍVEL E SUBJETIVO
POR SE REFERIR AO UNIVERSO ÍNTIMO DE CADA MÃE.
E JUSTAMENTE POR ISSO É TÃO ESPECIAL,
INCRÍVEL E CAPAZ DE TRANSFORMAR VIDAS.
DENTRO E FORA DO TRABALHO.
Felicidades e descobertas todos os dias!
Abraços,
Sabrina Balthazar e Luciana Cattony
Sabrina Balthazar: Mestre em Filosofia da Mente, Historiadora e professora, Sabrina é mãe do Gabriel e do Victor, apaixonada por História, Filosofia e tudo que facilita o entendimento da vivência humana. Colunista do blog de História “Quero saber mais” com experiência na produção de material didático de sua área, Sabrina acredita que a História mudou sua forma de encarar a vida, inclusive a maternidade.
Luciana Cattony: É cofundadora da @maternidadenasempresas, uma consultoria que ajuda as empresas a avançarem no tema equidade de gênero, trabalhando com um dos principais fatores que impedem a evolução das mulheres: a maternidade. Ela é também criadora do Real Maternidade, um projeto que tem o objetivo de levar leveza e alegria para mães e famílias. É mãe do Henrique, Professora de MBA de Negócios Digitais e do MBA em Marketing e Mestranda em Design Estratégico; seu projeto tem o objetivo de gerar bem estar para as mães e todos os atores envolvidos no contexto da maternidade nas empresas. Ela acredita que a maternidade pode ser um impulso para mulheres, empresas e sociedade.