Unterschiede - O dia em que fiz um norte-coreano parar de respirar
"Unterschiede". Esta é a palavra que explica Berlim. A tradução para o português é diferença. Na cidade, ela é vital, no sentido de ser essencial, trazer vida para a cidade, mas, em 2011, descobri que poderia ser letal!
Quase provoquei o sufocamento do norte-coreano Ho por causa de uma Unterschiede. Antes que você me denuncie. Saiba eEstava em Berlim para estudar alemão no famoso Goethe Institut. As aulas eram à tarde em um congelante frio de novembro. Cheguei um pouco mais cedo para conversar sobre o fim de semana. Falava com o suíço Walter e o chinês Chin Ming, quando surge Ho. Ele fazia sons com a boca e com os olhos bem arregalados, fazia movimentos fortes com as mãos e o rosto ia ganhando tons vermelhos, indicando que Ho respirava pouco e mexia-se muito. Fiquei preocupada, achei que estava passando mal e comecei a tentar contato com ele. Continuei falando em alemão e perguntei o que estava acontecendo. Ele tentou dizer, mas não entendi nenhuma palavra - aliás nunca soube se estava falando em coreano ou se só pronunciava sons mesmo na tentativa de formar palavras em alemão.
Chin Ming no pico de sua paciência oriental começou a prestar atenção nos movimentos quase primatas que Ho fazia. Foi então que destacou: "ele está olhando para a sua mão!" Levantei então as duas na altura dos olhos de Ho variando palmas e dorso e perguntei "Was ist Ho?", "O que é, Ho?"
Ho grunhia e passava os dedos da mão direita sobre os dedos da mão esquerda. Achei que fazia referência ao anel que usava no dedo anelar da mão direita - em Berlim, com tantos de tantos lugares, os anéis causam confusão, pois o anel só representa um compromisso ou casamento de acordo com a cultura de quem usa os anéis e não de acordo com a mão em que habitam. Ao contrário do Brasil, em algumas culturas, a mão esquerda guarda o noivado e não o casamento.
Mas não era esta Unterschiede que preocupava Ho. Foi então que pronunciou um claro e sonoro "Schwarze, Schwarze". Preto! Tudo estava claro. Ho não conseguia entender porque as minhas unhas estavam pretas - devo dizer que esmalte preto com glitter, a última moda em Berlim em 2011. A essa altura na Alemanha, não existia mais Oriental e Ocidental, mas no mundo sim, e era essa a diferença que me afastava de Ho. Ele de fato estava assustado, não era apenas um estranhamento. Ele achava que eu estava com algum problema. Expliquei que era uma tinta, que havia escolhido aquela cor por uma questão de estilo, queria experimentar aquele estilo diferente do meu. Ele sorriu repetindo Unterschiede. Sim, Unterschiede. O que me separava de Ho era mais que que o idioma, era uma diferença.
*Foto do vídeo Aprenda a fazer as unhas do Canal Bonjour Paris