A vaga que não aceitei
Fui sondado tempos atrás para um projeto em uma grande empresa da minha cidade. Garantia de remuneração estável por um bom tempo, sem necessidade de encarar estradas. Perfeito. No fim do processo, a vaga era minha. Bastava dizer sim ou não.
E eu disse não.
Em tempos de crise acenando para todos nós isso pode ser loucura. Ou uma imensa burrice. Mas continuo tranquilo com a minha recusa, pois não me identifico com o pensamento onde importa apenas a remuneração e nada mais.
Durante todo o processo de aproximação o recrutador tinha a remuneração como foco único de convencimento. Não houve menção alguma a eventuais benefícios, cultura da empresa, apoio na evolução de carreira e outros assuntos que poderiam fazer parte de um pacote de convencimento. "Então você aceitaria trabalhar por esse valor/hora?", perguntava o recrutador, sempre online ou no telefone.
Tentei arrancar algo a mais ali antes de dar a resposta final. Com quem eu trabalharia? Eu poderia trocar uma ideia com alguém? Como seria o lugar que eu frequentaria 8 horas por dia, 5 dias por semana, o ano inteiro? Uma boa decisão depende de boas informações. Afinal, aceitar algo extremamente importante com pouca informação é como embarcar naqueles casamentos onde os noivos só se conhecem no dia da cerimônia. Arriscado demais.
No meio da pressão para responder sim ou não, insisti na busca dessas outras informações além do roteiro inicial. O recrutador entendeu e cedeu, enfim. Cheguei na empresa no dia e hora marcada. Ninguém me recebeu. Para não dizer que o gasto de gasolina fora em vão, conheci o lugar onde eu ficaria. Hum... Uma sala fria e impessoal, repleta de profissionais sobre várias bancadas, cada qual com seu note. Sem separação física entre as pessoas, quase cotovelo à cotovelo. Ao redor do prédio, chão de terra, poeira no ar, sem nada convidativo nas imediações.
Aí concluí que gosto demais da minha vida atual, com a liberdade de meu home office (ou melhor, “qualquer lugar office”), onde consigo entregar vários projetos interessantes para diferentes clientes, parceiros e áreas. Sempre no horário e ritmo que eu bem entender, não precisando cumprir formalidades sobrecarregadas em crachás. Sem relógios de ponto. Onde o importante é entregar com qualidade e no prazo. Hoje, não sou mais um número dentro de uma fábrica, isolado no meio de uma multidão, impessoal. Eu sou a minha empresa. Se é para ficar em uma nota só, em um mesmo lugar, com as mesmas pessoas de sempre, que todo o contexto seja interessante para mim. Que eu me sinta em casa.
Não posso afirmar de modo algum que a vaga rejeitada por mim seria uma experiência ruim. Eu poderia me surpreender positivamente. Talvez alguém a tenha aceitado e esteja bem feliz por lá agora. E tomara que esteja, pois o meu não ao menos foi útil para que alguém esteja sorrindo agora. Mais do que nunca, o Brasil está precisando de pessoas felizes e realizadas. Quanto mais, melhor. ;)
De qualquer forma, chega um momento em nossa vida no qual precisamos confiar naquilo que sentimos. Se estamos de fato convencidos ou não diante de uma proposta, seja lá de onde ela vier. Felizmente, hoje consigo bancar esse tipo de recusa por conta de outras fontes de receitas que tenho. Se vão durar até o fim do ano? Quem sabe...
Seria leviano demais de minha parte posar aqui de rebelde independente, desqualificando quem trabalha em grandes corporações. Sei que existem empresas fantásticas, onde é um enorme privilégio trabalhar e, sobretudo, evoluir. E isso você percebe logo de cara, no primeiro contato feito no recrutamento. Não ficam apenas no discurso frio e distante da remuneração, pois sabem que seres humanos também são motivados por uma série de outros fatores.
Se você faz parte de uma delas, parabéns, você é um baita privilegiado. Caso contrário, é hora de pensar na sua felicidade. Ou você prefere usar parte do dinheiro para comprar coisas que talvez compensem a sua infelicidade crônica?
No mais, segue o jogo.
Arquiteto de Soluções SR @ iMaps | Data & Analytics | Qlik Partner Ambassador | Book Author
5 aIsso aí Tuca. De nada adianta o $$$ se no fim das contas você é somente um mero recurso em um ambiente incompatível com teus valores, crenças e objetivos. Excelente reflexão...
Jornalista, Assessora de Imprensa
5 aIncrível o texto e a reflexão. Já passei por lugares incríveis e por lugares que nem pelo maior montante voltaria.
Consultor, Palestrante, Expert Sênior em Soluções de Analytics e BI
5 aTuca. Parabéns pela publicação. Gostaria que muitos lessem e refletissem sobre as diversas ideias que apresentastes com absoluta clareza e equilibrio. Abraço!
Coordenadora de Pesquisas, Conteúdo e Projetos Digitais |Doutoranda em Comunicação (PUC-Rio) | Mestre em Mídias Digitais (UFRJ)
5 asensacional...passei por uma "grande" empresa, que parecia o local em que passaria minha vida, mas logo nos primeiros dois meses vi e senti na pele o abismo entre discurso x pratica... não adianta: 8h por dia é tempo demais para ficar encurralado em um ambiente tóxico e com falsos discursos de inclusão, respeito e diversidade. hoje, leio muito mais nas entrelinhas para analisar a cultura real das empresas...benefício é atrativo, claro, mas esse não pode ser o unico fator de atração e retenção de talentos. é preciso ter coerência, a falta de coerência e transparência nos processos e descaso com a ética pesam muito para mim, por isso, saí dessa "empresa perfeita de fachada" para focar em projetos autênticos que havia deixado de lado por falta de tempo e insegurança ...ali não era para mim, e agradeço por nào ter me encaixado..como disse um colega no dia que dia q pediria demissao do projeto em que estava alocada " ainda bem que você nao se adaptou, isso me conforta".
CEO na bi4all - Soluções em Business Intelligence
5 aGrande parceiro! Sensacional sua reflexão! Parabéns e precisamos conversar mais! Abraços