Violência doméstica e inércia que premeia o agressor
O crime de violência doméstica vem previsto no artigo 152.º do Código Penal. Se há um enorme número de queixas ou denúncias, ainda é comum haver quem pense «entre marido e mulher não se mete a colher». Relembre-se os comentários de muitos populares na comunidade onde Manuel Palito assassinou familiares.
Entre os números que chegam a Tribunal e a julgamento também observamos alguma inépcia quando a vítima opta por se calar, mesmo quando há outros indícios de prova. Embora não possamos generalizar, nem sempre os magistrados protegem a vítima, frágil, de si própria. Quando não existe qualquer outro meio de prova no processo, se vítima e agressor se calam, ou se este sempre negou o crime, e não há declarações da vítima que possam ser valoradas em Tribunal, nada há a fazer. Contudo, verifica-se, que existindo outros meios de prova, algumas vezes, é óbvio que alguns magistrados fazem a vontade à vitima quando esta, «se pudesse desistia».
Não já da parte dos senhores Magistrados, mas sim em grande parte da população, continua a existir muito desconhecimento sobre o que seja violência psicológica. Aliás, são muitas as vítimas convencidas que estes actos ilícitos não merecerão acolhimento junto dos nossos Tribunais, laborando em erro.
Contudo, uma crítica tem de ser feita à nossa justiça. É inexplicável que quando, para conseguir - por fim - apresentar queixa do agressor a vítima só o consegue fazer recorrendo à rede, sendo integrada em casas abrigo e apoiada pela APAV, existindo indícios mais do que fortes de agressões físicas e/ou psicológicas, e ainda tenha de ser a vítima ou a própria APAV a requerer que se repense as medidas de coacção aplicadas ao Arguido, garantindo o seu afastamento da casa e da vítima. Afastamento do agressor de modo a que esta possa sair da «rede», das casas abrigo e possa retomar a vida de que está privada. Sim, porque para a protecção ser eficaz a rede afasta a vítima do seu núcleo geográfico, com perda de elos de proximidade com família e amigos, com afastamento do seu trabalho e com a saída da sua casa. Sempre que isto acontece - repete-se, desde que haja indícios suficientes do crime (e pela sua própria natureza da sua possibilidade de repetição) - deve a justiça garantir que a vítima possa regressar o mais rapidamente possível à «sua» vida, afastando da casa de morada de família e da própria vítima o agressor. É certo que enquanto a vítima está em casa abrigo está, em princípio, protegida. Mas não deve ser a mesma a ser privada do seu mundo, premiando-se o agressor, tomando-se por impossibilidade de continuação da actividade criminosa o facto de a vítima ter paradeiro desconhecido para ele. E permitindo-se, assim, que o mesmo esteja salvaguardado no conforto da sua casa, da sua comunidade, em detrimento da vítima.
E sim, infelizmente, isto acontece.
Maria L. Duarte
Advogada