Você aceitaria ser chamada de linda no trabalho?

Você aceitaria ser chamada de linda no trabalho?

Eis uma cena que vira e mexe se repete no escritório. Uma colega de trabalho atende em nosso chat um possível futuro cliente.

Nosso chat não é do tipo chatbot ou atendente virtual (pode entrar lá no site pra conferir). O time atende com nome verdadeiro e foto, pois fazemos questão de dar pessoalidade à interação. Pessoas gostam de falar com pessoas.

No atendimento, minha colega tira dúvidas, explica como podemos livrá-lo dos produtos fracos do banco e ajudá-lo a investir melhor seu dinheiro. Explica em que vai investir, como é para resgatar, quanto custa…

Papo vai, papo vem, minha colega sai de cena -- ou melhor, do chat. Quem assume seu lugar é o Ueslei, o personagem robô que é ícone da empresa.

Então você me pergunta: por que Ueslei entrou no chat sem ser convidado? Que robô mais intrometido!

Ueslei foi convocado para pedir que o interlocutor atenha-se aos pontos em que a empresa pode ajudar. No momento em que Ueslei foi acionado, a conversa tinha tomado outro rumo.

O possível futuro cliente do outro lado havia, por exemplo, perguntado se minha colega tinha namorado. Pedido o número do telefone pessoal para “conversarem melhor pelo WhatsApp”. Ou convidado ela para “tomar um vinho após o expediente”. True story.

O avatar do robô Ueslei teve que intervir para, educadamente, retomar o rumo da conversa. Afinal, ele é um robô e não entende muito sobre xavecos e cantadas! Esse foi o caminho encontrado por nosso time para lidar com situações como essas.

Das conversas que tomaram esse rumo, várias foram precedidas pelo uso de um vocativo aparentemente inofensivo: “Linda, isso...”; “Linda, aquilo…”.

“Posta mais fotos suas”

Outra vez, um cliente enviou mensagem pelo chat a outra colega da equipe. “Posta mais fotos no Instagram!”. Ela me avisou: “Isa, um Amigo do Ueslei está pedindo para postar mais fotos da equipe no Insta!”. (Nosso perfil é @equipeverios e Amigos do Ueslei é como nos referimos aos clientes da Vérios.)

Minha colega sinalizou que avisou ao time para postar mais fotos. Ao que ele respondeu: “Eu falo do Insta pessoal, mesmo”. Era melhor ele ter ficado quieto, eu pensei. De alguma forma, ele achou que tinha abertura para isso. É aí que mora o problema.

“Obrigada, minha linda”

Eu sei que o tema é polêmico. Muitos acreditam que não há nada de mais em chamar uma mulher de linda. Pode ser um gesto de carinho, só um elogio -- inofensivo, não é mesmo?

A realidade é que quando um homem chama uma mulher que ele não conhece bem de “linda”, ele forja uma intimidade que não existe. Por que isso parece normal para eles?

Se você é do time do “deixa disso, não tem nada de mais”, apenas pense na situação oposta à que narrei. Uma possível futura cliente chama um profissional (homem) de lindo. Convida para tomar um vinho. Pede pra adicionar no WhatsApp.

Você pensaria que uma mulher com essa atitude está apenas sendo gentil?

Provavelmente, não. Qualquer pessoa criada no seio de uma sociedade machista deduzirá imediatamente que ela está querendo “algo mais”.

Talvez isso explique porque tantos homens chamam mulheres de “lindas” ao passo que não há mulheres chamando homens de “lindos”. A abertura é muito mais fácil em um sentido do que em outro. Por que permitimos que seja assim?

Não me chame de linda. Diga que fiz um bom trabalho

Mesmo quando realmente não há segundas intenções, não há por que tratar com intimidade uma pessoa com quem a relação que se tem é estritamente profissional. Normalmente, quem chama uma mulher assim é o seu/sua crush, talvez seus pais e amigos mais próximos.

Ficou muito feliz com o atendimento? A pessoa foi incrível? Que tal elogiar dizendo que seu trabalho é excelente, que ela é muito competente? Que tal dizer que você se sente muito grato e satisfeito?

Vamos tratar as pessoas -- mulheres e homens -- da forma como gostaríamos de ser tratados em um contexto profissional

Convenhamos: tem gente que quer mesmo é paquerar. Justo. Mas por que fazer isso em um chat corporativo, né, gente? Há lugares mais apropriados.

Se você é mulher, lembre que não precisa engolir ser chamada de linda por desconhecidos. Vamos tratar as pessoas -- mulheres e homens -- da forma como gostaríamos de ser tratados em um contexto profissional. Mudando pequenas atitudes podemos construir um futuro mais igualitário para homens e mulheres no mercado de trabalho.

E você, já passou ou conhece alguém que passou por alguma situação parecida no trabalho? Concorda ou discorda da autora? Comente e me ajude a enriquecer essa discussão.

Se você acha que estou falando de algo isolado e raro, mande o link desse texto a suas amigas que lidam com o público no trabalho e pergunte se elas já passaram por situações parecidas. Talvez a quantidade de casos te surpreenda.

"Provavelmente, não. Qualquer pessoa criada no seio de uma sociedade machista deduzirá imediatamente que ela está querendo “algo mais”." Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso, seja criada no seio de uma sociedade machista, feminista, marcianista ou terraplanista, acharia um contato profissional que descamba para "vamos tomar um vinho depois do expediente" inadequado. Exceto se você trabalha na Evino...

Tarsilia Bergamasco Fernandes

Analista de vendas internas Sênior | Gestão de Contas-Chave | Gestão Comercial de contratos

6 a

Perfeita colocação Camila, Não estamos aqui falando apenas da figura masculina para com a mulher, mas sim na questão "forçada" e "inadequada" de algumas colocações e anti profissionalismo. E isso cabe no tratamento generalizado, mulher, homem.....

Renê Fernandes Barbosa

Python | Análise de Dados | Ciência de Dados | Aprendizado de Máquina | Serviços Cognitivos

6 a

Não queria fugir do contexto proposto no post mas, já que começaram a generalizar, vou entrar no embalo: o engraçado é que, pelo menos entre os caras que eu conheço, os que apelam pra esses argumentos meio mé de "feminismo é uma bosta", "esquerdismo é uma bosta", "o mundo tá muito chato" e "tudo é mimimi" quando defendem o direito sagrado de fazer comentários como os do artigo também são os primeiros a apelar pra ignorância quando recebem os mesmos comentários vindos de um outro homem kkk... se for um colega de trabalho, então, pode dar até porrada! Mas, por questão de coerência, não deve ser o caso da galera que comenta aqui. O que me dizem Marcos Massarioli, Marcio Cunha Ribeiro Dias e Daniel Silva? Aliás, delicinhos vcs hein! ;-P

Kelly Cristina Freitas

Gestora Financeira | Founder JK BPO Financeiro.

6 a

Ótimo texto. Quer ser gentil elogie meu trabalho.

A inteligência artificial tem que ocupar os postos de trabalho com robôs. Assim não teremos mais a interação entre humanos, evitando assim o risco de assédio. A humanidade caminha para um momento onde a única interação entre humanos será a inseminação artificial, visando apenas a preservação do ser humano. O curioso é que as pessoas criam formas de se relacionar através de aplicativos onde postam suas expectativas de encontrar alguém que as complete, postam fotos, esperam likes, curtidas, sims, ou seja elogios virtuais, mas na hora de serem elogiadas pessoalmente se sentem desconfortáveis. Para onde irá a humanidade? Não verei este desastre, mesmo com a velocidade que as coisas estão acontecendo, mas temo pelas gerações futuras.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos