Você consegue sobreviver no frio da Sibéria por quanto tempo?
Foto: Ilya Naymushin/Reuters

Você consegue sobreviver no frio da Sibéria por quanto tempo?

Esse frase foi dita por um colega em uma palestra onde falamos sobre empreendedorismo para os calouros do segundo semestre da Uerj, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2014. Eu estava sentado na cadeira ao lado dele e quando o microfone foi passado para mim lembro apenas de ter concordado plenamente.

''Você quer empreender mesmo? Então tá bom. Mas me fala aí quanto tempo você consegue viver no frio da Sibéria?"

Essa metáfora fez tanto sentido que adotei para o resto do meu ano, e da vida também. Não foi um período fácil aquele. Eu estava colhendo os frutos imaginários de métricas de vaidade que muitas vezes nós empreendedores caímos.

A startup que eu havia fundado na época, no setor da construção civil, já tinha passado por um famoso programa internacional de incubação e um famoso — e hoje infelizmente extinto — programa de pré-aceleração de uma universidade particular carioca. Eu e meus sócios tínhamos aprendido muitas coisas, já tínhamos pivotado algumas vezes (várias), e sem contar os convites de empregos e estágios que recusávamos vez sim e vez também.

Porém, naquela altura do campeonato eu já me aproximava do esgotamento das minhas finanças pessoas, não tinha mais tempo para os amigos, e quanto forçava tempo eu só estava em corpo com eles — a mente vagava pensando em fornecedores, por exemplo.

Com o tempo a paciência — o que amigos apontavam como uma virtude minha — foi indo embora. Com o tempo parte dos sócios se foram. Com o tempo os relacionamentos amorosos foram se desgastando e indo embora também.

Definitivamente eu estava no frio da Sibéria e não sabia por quanto tempo minha roupa ia me proteger.

No final de Novembro daquele mesmo ano participamos de um evento da FIESP para startups buscarem investidores. Risos de nós mesmos. Fomos pensando que era apenas mais uma competição entre startups que nos daria alguma visibilidade, e não buscar aportes. Aporte para algo que ainda nem existia direito?

Ali em São Paulo, após uma longa conversa com um dos nossos mentores — cara que chamo de padrinho até hoje —, eu e meus sócios decidimos abandonar a pré-aceleração que estávamos passando para fase final. Não achávamos justo ganhar um troféu para por numa mesa ou estante que nos parabenizava e massageava nosso egos de algo que ainda não era concreto. Qual seria o sentido, você me entende?

Voltamos para o Rio decididos a mudar tudo. Outra vez.

Pedimos dispensa do programa, nos enfiamos mais ainda em fábricas de materiais de construção preparados para achar respostas que antes não tínhamos achado.

Chegou Dezembro e as fábricas parceiras não estavam mais aquentando o "vento frio" trazido pela crise econômica que o país passava, não queriam investir em algo novo que trouxesse valor e economia. Tinham medo e muitas morreram congeladas. Nossos planos também.

Dezembro se encerrou comigo e com o meu último sócio tentando correr do frio. Meu caro, como corremos.

O frio nos deixou muitos aprendizados, algumas dívidas e belas queimaduras de 2º grau que hoje, pelo menos eu, as exibo com um certo orgulho, como marcas de guerra.

Viver por praticamente dois anos no inverno da Sibéria, tendo ele como amigo até, foi incomodo demais. Por mais que você tenha apoio de familiares e terceiros o frio vem de dentro pra fora — e vem também em cada boleto que chega e você tem que dar seu jeito para pagar.

Empreender talvez não seja para todos (Polêmica). Você nunca vai estar 100% preparado e abrir mão de velhos hábitos, lugares e status social não é fácil, sem contar que raramente a universidade, a mídia e a sociedade irão te apoiar ou falar a verdade do quanto irá apanhar ou se queimar (de frio).

"Sem um bom equilíbrio emocional, para saber a hora certa de jogar a toalha e partir, é bem provável que morra de hipotermia muito antes do que imagina."


E agora, por quanto tempo você está disposto a encarar o frio da Sibéria para alcançar o seu objetivo de empreender?


Giovanna Cocci

HR Business Partner I HRBP Leader

5 a

Como é lindo de ver o poder da ressignificação, mudar nossa visão de mundo perante acontecimentos não tão positivos e focar no lado bom, no lado do aprendizado. Excelente leitura!

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