Você não precisa estar mais no escritório para produzir. E nem para ser assediado.
Jenna Arts

Você não precisa estar mais no escritório para produzir. E nem para ser assediado.

Sejamos francos: quem acha que a nossa vida profissional está tão perfeita e repleta de motivos para comemorar como sugere a maioria dos posts aqui do Linkedin? Eu poderia dizer que muito me surpreende o silêncio sobre alguns absurdos que vêm sendo relatados desde o início da pandemia no nosso mercado, mas estaria mentindo, afinal o relacionamento com nossos empregadores sempre foi pautado pelo abuso e, consequentemente, pelo silêncio.

Nesses tempos em que questionamos (ou pelo menos deveríamos) cada vez mais o nosso modelo de trabalho, tenho conversado com diversos amigos dos mais variados segmentos e foi numa dessas conversas que me dei conta de um comportamento quase tão unânime quanto bizarro: nós temos uma dificuldade absurda de dizer não e de nos posicionarmos junto aos nossos chefes. E mesmo quando o fazemos, nos sentimos culpados, como se estivéssemos devendo algo a eles ou a nós mesmos.

Desde jovens somos doutrinados a crer que devemos ser gratos aos nossos empregadores por eles nos darem a maravilhosa oportunidade ajudá-los a ganhar ainda mais dinheiro através do nosso trabalho. E a pandemia de COVID só potencializa essa “gratidão”: você se sente 100% tranquilo de pedir pra trocar o horário daquele call marcado pras 11h30 e que fatalmente vai invadir o horário de almoço? Ou para não responder mensagens depois do horário oficial do expediente? Ou para pedir aquela folga que você já deveria ter tirado, mas teve que adiar porque “essa semana tá puxada”?

E é assim, cedendo de pouquinho em pouquinho, que vamos chafurdando cada vez mais nessa Síndrome de Estocolmo que leva, entre outras coisas, ao surreal aumento do número de casos de burnout: quem aqui já não teve, está a ponto de ter ou conhece alguém que já sofreu um? 

Se a pandemia mostrou que as pessoas não precisam estar fisicamente em escritórios para produzir, ela mostrou também que as pessoas não precisam estar lá para abrir mão das suas vidas pessoais virando noites ou trabalhando nos finais de semana. Só que agora sem receber aquele reembolso justo daquela pizza nem tão justa assim.

Apesar de estarem de casa, é quase unânime entre os meus amigos empregados a percepção de que eles estão trabalhando não apenas mais, mas muito mais. Só que temendo por seus empregos, eles reclamam desses abusos nos grupos fechados de Whatsapp (enquanto não sai a próxima planilha, que, por sua vez, quando sair também ficará restrita a esses mesmos grupos de Whatsapp) e não com seus superiores, departamentos de RH ou em debates públicos aqui no Linkedin. Não que o Linkedin precise ser um espaço de pessoas infelizes reclamando da vida - até porque pra isso já existe o Twitter - mas essa Instagramização que reina por aqui me soa um misto de forçação de barra com auto-engano. É como aquela antiga campanha da Coca-Cola, só que pro mal: a cada novo post celebrando mais um prêmio totalmente irrelevante, surgem dez novos casos de hipertensão, gastrite, insônia, dor de cabeça, propostas de salários indecorosas, mensagens de chefes até altas horas e expediente nos finais de semana. 

Não é nada simples mudar essa postura: cabe a todos nós que respondemos à alguma chefia contestar sim, reclamar sim e aprender a dizer não, mas cabe principalmente aos departamentos de RH e lideranças das empresas olharem para esse problema com a devida atenção. Enquanto internalizamos o nosso sofrimento, CEO’s externalizam as ditas maravilhas do home office e os ousados planos de suas empresas para reduzir o tamanho dos escritórios físicos a fim de fazer ainda mais dinheiro às custas de quem sofre calado.

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PS: nunca é demais lembrar que “trabalhar de casa por opção” e “trabalhar de casa por conta de uma pandemia” são duas coisas completamente diferentes.

Parabéns pelo culhão de escrever sobre as (já conhecidas e antigas) imperfeições do "mágico mundo" da propaganda... Especialmente quando toca no ponto "a cada novo post celebrando mais um prêmio totalmente irrelevante, surgem dez novos casos de hipertensão, gastrite, insônia, dor de cabeça, propostas de salários indecorosas, mensagens de chefes até altas horas e expediente nos finais de semana"... Povo anda tão engajado querendo corrigir algumas imperfeições e injustiças da profissão, mas deixam passar batida e intocada a mais grave das questões, que pra variar, era esperado essa piora com a pandemia.

Maso Heck

Creative Director & Head of Art at INNOCEAN Berlin

4 a

Boa papito

Lily Farias

Docente Marketing - Gestão e Negócios | Branding | Content Strategist | Creative Copywriter | Consultora

4 a

Não, eles fazem isso via call do meet.

Belíssimo texto e reflexão. Gourmetizar os problemas é realmente uma merda pra todos. Se nós já sentimos a pressão de "aceitar o jogo", imagina pra quem está chegando na "festa" agora.

Felipe Henrique

Front End Designer | UI/UX | Diretor de Arte | 3D

4 a

Muito boomm

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