Você pode evitar a realidade, mas não pode evitar as consequências de evitar a realidade
Hoje, dia 05 de dezembro de 2012 nascia minha filha mais velha. Nessa época, pandemia era tema de filme de suspense, a união europeia se tornava nobel da paz com o intuito de demonstrar sua importância na pacificação da Europa, por vezes, tão dividida e trabalho remoto era algo restrito e pouco visto em larga escala nas companhias.
A Gestão de Projetos tinha a gestão por cascata sofrendo suas provocações para melhor adaptação em projetos como os de inovação e a metodologia ágil ganhava cada vez mais espaço. Eu, head de uma grande operação de publicidade com mais de 200 pessoas, conseguia identificar todas as disciplinas em talentos (Antigos "FTE’s") que seguiam seus horários de entrada e saída e “estreavam” suas digitais em máquinas que colhiam suas digitais, sim, o questionamento da época era se as empresas deveriam colocar sistema de pontos nas empresas.
Ferramentas de gestão garantiam a documentação dos processos e a comunicação oficial das demandas, mas estar ao lado do colaborador para o projeto não atrasar era um ofício corriqueiro e muito praticado. Nunca os soft skills foram tão relevantes. De certa forma, em dia de entrega, as áreas esperavam o Gerente de Projetos "pousar" ao seu lado para acompanhar a conclusão da atividade. Assim, se via uma operação cada vez mais dependente dos gerentes de projetos sem capa e cada vez áreas menos autogerenciáveis. Funcionava? Por vezes sim, mas as marcas desta dependência eram enormes para operação.
Neste mesmo tempo, observava-se o nascimento de seres, parecidos, mas não iguais aos Gerente de projetos, que passaram a controlar as demandas dentro das áreas. O processo de batismo foi bem eclético, alguns os chamavam de "tráfego”, outros, "operações" e o mais sofisticados de "controller". Aqui estava decretada a incompetência das áreas em se auto organizar. Nos anos seguintes, o número de Gerente de Projetos nas organizações só aumentou e "a culpa é do processo" surge como entidade onipresente e justificativa para consultorias em gestão se proliferarem em companhias pouco maduras em organização e processos.
É claro que a economia no Brasil contribuiu para este movimento. Muitas empresas iniciam movimento de corte de investimento e passam a cobrar maior eficiência e otimização de recursos (aqui não mais talentos). Agora, processo acaba sendo fundamental para existência de grandes companhias e tema vira até pauta futebolística depois dos 7x1 da Alemanha contra o Brasil. Nunca se glorificou tanto o planejamento da escola alemã. Dali por diante, o Brasil vivenciou mais e mais crises que, diga-se de passagem, muitas delas criadas artificialmente.
O head de operações, que antigamente contratava, agora se apoiava nos seus KPIs para enxugar equipes e custos. A crise não foi suficiente para se alterar de forma significativa as relações de trabalho. As equipes continuavam presenciais e as ferramentas de ponto viraram personas non gratas, afinal, tinha-se que trabalhar mais para dar conta das entregas e a menor quantidade de recursos disponíveis. Os bancos de horas explodiram e parecia que os processos nem eram tão relevantes mais, afinal, era melhor manter o controle ou a entrega? Mal sabiam que esta questão seria o fim de muitas operações e empresas.
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A metodologia ágil ganhava espaço de vez e começamos a ver cada vez mais áreas de tecnologia remotas e independentes. "Ah.. mas isso só funciona com equipes de tecnologia, dentro da minha área é impossível estarmos remotos.", esbraveja um líder da área comercial. Neste contexto que o ano de 2020 inicia e com uma notícia de que uma doença atingia o outro lado do mundo. Uma pandemia era tratada como algo não pensado, mas em março de 2020 nos isolamos dentro de nossas casas. As empresas tiveram que se adaptar, literalmente, do dia para noite. O que era improvável, acabava de acontecer. Estamos todos remotos.
Eu, head de operações de uma grande companhia, mas agora não mais presencial. É certo que, muito antes de 2022, eu liderava experimentos de trabalho híbrido com todas as equipes da operação, afinal, fugir do trânsito das grandes cidades economizaria, em média, 2 horas de trabalho dos colaboradores e se tornaria um grande benefício a ser divulgado ao mercado para atração de talentos. Mas era tudo diferente. A relação mudou.
O soft skills não parecia tão importante mais, afinal, nem ligar a câmera as pessoas ligavam. Os primeiros meses trouxeram um aumento pouco sustentável de performance. Lembra aquelas ferramentas de gestão e comunicação implementadas no passado? Elas foram essenciais para conseguir manter as entregas com as equipes 100% remotas. Afinal, não estávamos tão longe assim desta possibilidade.
Hoje, sou COO da Hike, empresa de aquisição que também sou sócio. Moro em Brasília e trabalho em São Paulo. Intercalo semana remota e semana presencial. Há 10 anos, não acreditaria que um head de operações poderia ser híbrido. Talvez até imaginasse, mas a mentalidade da maioria das lideranças executivas das empresas jamais permitiria. Quanto aos desafios da operação, essas continuam, mas podemos comprovar, na prática, uma evolução (Boa notícia!). A necessidade de áreas autogerenciáveis e talentos com maior autonomia de atuação, são a essência de uma operação de sucesso.
Autonomia, porém, não é “fazer o que quiser”. É necessário estabelecer de forma clara controles e metas que possam ser alcançadas nas jornadas, muitas vezes divididas, sim, em sprints. Contudo, essa mudança não acontece da noite para o dia. Indicadores para avaliar o desempenho de cada talento, área e operação não vão faltar nunca, mas, agora, temos certeza de que a entrega sai, mesmo sem ter que ficar do lado, de tira colo.