Voo Simples: o que está acontecendo, de fato
Na semana passada, o mundo da aviação foi sacudido com o anúncio, no Palácio do Planalto, do programa Voo Simples. O evento contou com a presença dos principais gestores públicos com poder para alterar o funcionamento da aviação civil brasileira: o Presidente Bolsonaro, o Ministro Tarcísio (Infraestrutura) e o Diretor-Presidente da ANAC, Juliano Noman. Na soma, têm-se as canetas necessárias para editar medidas provisórias com poder para criar ou alterar leis, como o Código Brasileiro de Aeronáutica; para definir programas de governo, como os investimentos em aeroportos e em formação profissional; e para (re)desenhar a regulamentação das diversas atividades relacionadas à aviação. Mostrando disposição para usar suas penas, na oportunidade do lançamento do programa as autoridades revogaram diversos decretos e uma portaria interministerial, e se aprovou o início de uma consulta pública para viabilizar alterações importantes na regulamentação da ANAC referente a licenças e habilitações de pilotos. Porém, o que de fato está ocorrendo vai muito além dos documentos assinados no dia do lançamento do Voo Simples.
No âmbito da ANAC, a ideia é que o Voo Simples seja bem mais do que uma nova fornada de textos regulatórios, mas sim uma mudança de postura das autoridades perante a indústria da aviação – uma profunda mudança cultural, enfim. Sim, é claro que no final será necessário mudar regulamentos, leis, portarias; mas se não for mudada a cultura antes disso, serão só novas palavras no papel (ou num arquivo em pdf) que pouco ou nada representarão na prática. Porque uma flexibilização nas normas, se realizada em sentido contrário à cultura da organização, rapidamente acabará sufocada por interpretações, regramentos complementares e outras firulas que irão anular a proposta inicial. “Na prática, a teoria é outra”, já dizia um best seller de Economia dos anos 1970 de autoria do saudoso Joelmir Beting!
A boa notícia é que essa mudança cultural que está na essência do Voe Simples já vem ocorrendo há algum tempo na ANAC, e eu tenho participado deste processo há pelo menos seis anos. Em 2014, quando um segmento da aviação geral praticamente entrou em colapso devido a uma exigência regulatória (a necessidade de treinamento em simulador para obter e revalidar habilitações de tipo para determinados modelos de aeronave, como os aviões da família King Air e helicópteros leves), a Agência teve uma postura extremamente solidária e cooperativa, concordando em simplificar o processo de habilitações, e redefinindo um novo ponto de corte entre aeronaves tipo e classe para o formato que ainda hoje existe. Foi um alívio para um largo segmento da aviação geral na época, porém o fato é que a percepção de excesso de complexidade e de burocracia por parte da Agência só aumentou neste mesmo período.
Possivelmente, isso ocorreu porque o benefício auferido com a simplificação foi rapidamente incorporado e entendido como “um direito que sempre se teve”, enquanto os dissabores do dia a dia em uma rotina marcada por “processos complexos e por regras de difícil intelecção” (um termo usado pela própria ANAC em um dos documentos do Voo Simples) geram um grande incômodo na vida das pessoas. Ao final, o balanço é percebido como negativo, mesmo que tenha ocorrido alguma melhoria (e estas realmente têm ocorrido!).
Contudo, as mudanças precisam ser muito mais amplas do que vem acontecendo, e mais importante: é preciso evitar retrocessos, mesmo que em “pequenos detalhes”. Pelo que li até agora sobre o programa, acredito que isto tenha sido entendido pelos criadores do Voo Simples, razão pela qual estou otimista. Mas é preciso atenção aos detalhes, pois como se diz por aí, é lá que mora o perigo!
Sócio na Dantas Lapchik Ferrarezi Advogados | Direito Penal | Proteção de Dados | Compliance
6 m👏👏👏
Aluno na Universidade Positivo
4 aOlá. O blog foi desativado? Não consigo acessá-lo. Procurava seu comentário lá, mas não acessa mais
Captain at Flydubai
4 aDesde o lançamento do programa eu aguardava a sua análise. É muito bom poder contar com o seu conhecimento, discernimento e bom senso nas questões regulatórias do Brasil. Obrigado Raul!