A zona de conforto da vaquinha mimosa
A zona de conforto da vaquinha Mimosa:
Moro em uma casa velha, entre 90 e 100 anos de idade, que passou de uma geração a outra geração. Meu avô paterno construiu, morou com a família, e filhos usufruíram, e hoje, eu, neta, usufruo.
Mas como tudo na vida tem duração, acredito que essa casa esteja no final de sua vida.
Mal comparando a um vizinho que tem 96 anos, tanto a casa, como ele, precisariam de manutenção. A casa por estar toda rachada, descascada e sua estrutura deslocada. Já o vizinho, está com pouca audição, pouca visão, anda devagar (ainda vai à rua aos domingos pagar o jornaleiro, seus jornais comprados fiados durante a semana) e, como todo idoso, é teimoso, vide minha mãe.
Se eu pudesse, colocaria a casa abaixo e a faria de novo. Mas como a casa é herança ainda não resolvida, de família, não queremos reconstruí-la. Já o vizinho, como reconstruí-lo? Bem, talvez hoje em dia pouca coisa a fazer...
Mas, e se as manutenções fossem feitas ao longo da vida, da casa e do vizinho? Sim, essa seria a solução.
Não devemos fazer remendo no que é velho, no caso da casa, não vale a pena. Diz o dito popular que quanto mais mexe, mais coisa estragada aparece, então, não se mexe.
Quanto ao vizinho, não lembro dele ser uma pessoa preocupada tanto com a saúde. Tem algumas restrições alimentares, como atenção no sal, mas não as segue, é abusado. Quando dirigia, foi obrigado a parar de dirigir por causa da idade, se sentia um garotão ao dirigir, em alta velocidade, tinha o apelido de “Fittipaldi”, ex corredor de Fórmula 1, tudo a ver!
Quanto não se gastaria para fazer uma reforma na casa idosa, sabendo que ela pode, literalmente, falecer a qualquer momento?
Viver em casa de “herança” é horrível porque cria-se uma zona de conforto péssima. Fica-se presa, mal comparando, àquela bola preta de ferro que prisioneiro fica acorrentado, não sái do lugar!
Pergunta-se por quê pagar aluguel caro, se a casa velha é “própria”?
Uma vez eu li uma história que dizia mais ou menos assim: um homem foi a uma cidade do interior fazer alguma coisa que não lembro. Conheceu uma família de pessoas humildes, pobres, sem recursos e que todo seu ganho financeiro vinha do leite produzido por uma vaquinha, que deveria ter o nome de “Mimosa” (para mim, toda vaca se chama Mimosa).
Ao perceber o estilo de vida pacata daquela família, o homem empurrou a vaca precipício abaixo, morrendo a Mimosa, e foi embora daquela cidade interiorana (na verdade, esse moço gostaria que tudo mudasse naquela família).
Tempos depois, aquele homem voltou ao mesmo local e buscou saber sobre aquela família, donos da falecida Mimosa. Logo chegando naquela casa, reencontrou o pai de família e ficou surpreso com tudo diferente, mais moderno, com alegria no semblante do homem humilde, e quis saber o motivo de tanta mudança, que o homem não mais pacato, disse: “quando minha vaquinha Mimosa morreu, ficamos desesperados sem saber o que fazer, mas graças a esse acontecido, pudemos rever nossas vidas e entendemos que estava na hora de mudar. Fizemos grandes mudanças, nos adaptamos à modernidade, peguei um empréstimo no banco, abri alguns negócios, como um frigorífico para vender frango congelado, plantamos legumes e verduras para vender e nos alimentar, passamos a criar porcos, para vendas e entendemos que mudanças são necessárias na vida.
Sabe, amigo, hoje somos mais felizes, temos mais dinheiro, nossas vidas são mais alegres, temos até TV e internet, mas só ficamos com saudade da Mimosa, que nos acompanha em nossas lembranças porque ela também nos trouxe subsistência, mas há um tempo para todas as coisas debaixo do céu.”
Sair da zona de conforto é tudo de bom, mas não diga nada ao homem humilde que ele foi forçado a sair da zona de conforto, e tudo deu certo, graças ao homem que empurrou Mimosa no precipício, mas que ninguém nos ouça. Ainda bem que deu tudo certo dessa vez!!!
E quanto a casa antiga? Bem, que a corrente da bola preta de ferro se quebre e nos liberte da zona de conforto nada confortável. Quanto ao vizinho...
Do livro “Escrevendo Contos”, de Valéria de Sá