Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Johanns Eller

O Ministério da Justiça publicou no último dia 4 uma portaria que atrela o repasse de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública para os 27 estados e o Distrito Federal à redução da letalidade policial.

O documento foi oficializado em meio à repercussão de ações policiais no Rio, na Bahia e em São Paulo que levaram à morte de inocentes, mas não teve qualquer publicidade.

Ao todo, a pasta destinará R$ 1 bilhão por ano para financiar de armas a munição, suprimentos hospitalares e viaturas. Cada estado deve receber de R$ 35,3 milhões a R$ 42 milhões, a depender de alguns fatores técnicos.

Mas, para receber o dinheiro a partir de 2024, cada estado deverá apresentar um plano de ação que cumpra, entre outros critérios, a redução das mortes provocadas por policiais. Do total, 80% do valor deve ser destinado à diminuição de mortes violentas intencionais, incluindo as causadas pela polícia.

A medida atende a reivindicações de setores progressistas ligados à segurança pública e estava na ordem do dia.

Entre o fim de julho e o início de agosto, ações policiais na Bahia, no Rio e em São Paulo resultaram em pelo menos 59 mortes. Entre elas, as de quatro crianças baleadas na região metropolitana da capital fluminense.

O próprio Lula chegou a mencionar o assunto em discursos no Rio de Janeiro, seis dias depois da edição da portaria. O petista chegou a cobrar publicamente o governador Cláudio Castro (PL) pela morte do adolescente Thiago Menezes, de 13 anos, baleado pela polícia no último dia 7 na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio.

“Nós precisamos criar condições de a polícia ser eficaz e estar pronta para combater o crime. Mas essa polícia tem que saber diferenciar o que é um bandido e o que é um pobre que anda na rua. E para isso ela tem que estar bem formada”, declarou Lula diante de Castro em um evento político.

Mas nem o discurso do presidente animou Flávio Dino – o integrante do primeiro escalão mais atuante nas redes sociais – a divulgar a portaria. O ministério também não destacou a novidade em seu portal.

A postura do Ministério da Justiça intrigou especialistas em segurança pública e parlamentares. De acordo com um desses observadores, uma explicação para a discrição pode ser o fato de o Congresso estar prestes a aprovar a lei orgânica das Polícias Militares e dos Bombeiros.

A lei, antiga reivindicação da categoria, é considerada por especialistas em segurança pública tímida na abordagem do uso de força e da letalidade policial, além de não avançar sobre mecanismos de transparência.

Mesmo assim, a esquerda apoiou o projeto, de acordo com pessoas que acompanharam a negociação do projeto no Congresso. De acordo com o autor do texto, o deputado bolsonarista Capitão Augusto (PL-SP), “A lei orgânica melhora a seleção e o currículo dos policiais, o que, obviamente, vai diminuir os excessos e incidentes da polícia militar. Vai ao encontro do que o próprio PT quer [na agenda da segurança]”, avalia Capitão Augusto.

O texto, relatado no Senado pelo petista Fabiano Contarato (ES), já foi aprovado na Câmara e na Comissão de Segurança Pública do Senado, e deverá ser chancelado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa de forma sumária.

A bancada da bala, porém, não gostou da portaria de Dino. “Essa questão de atrelar [o repasse de verbas] à letalidade policial é de se lamentar porque o policial não tem interesse nenhum em colocar sua vida em risco. Ao se confrontar com o marginal, quando ocorre essa letalidade, ele ainda é penalizado ao invés de ser premiado ou agraciado por ter colocado sua vida em risco em prol da sociedade. É uma postura que a esquerda ainda tem com relação às polícias”, afirmou Capitão Augusto à equipe da coluna.

Na avaliação dos observadores do setor, Dino estaria mais interessado em evitar atritos com os policiais e comandantes do que em capitalizar o apoio do governo à lei das PMs.

Sem contar que a publicidade da nova portaria do governo Lula poderia provocar constrangimentos dentro do próprio ministério de Lula.

A Bahia, onde ocorreu parte das mortes do final de julho, é governada pelo PT há 16 anos e tem o segundo pior índice de mortes violentas intencionais e a segunda polícia mais letal do país, segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O assunto é tão sensível para o PT que o atual ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia chegou a criticar em entrevista à GloboNews a própria compilação dos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmando que “não reconhece dados de ONGs”.

De acordo com a nova portaria, todas as unidades da federação deverão apresentar seus planos de ação para o aproveitamento dos recursos em 2024.

Em tese, de acordo com o texto, quem não cumprir as metas não poderá se qualificar para receber o dinheiro no ano seguinte.

Além de dedicar 80% dos recursos à redução de mortes violentas intencionais, a nova regra publicada por Flávio Dino destina 10% ao enfrentamento da violência contra a mulher e outros 10% para aprimorar a qualidade de vida dos profissionais da segurança pública.

Mas a portaria ainda é vaga e não detalha nem quais os prazos para a entrega desses planos e nem como será feita a fiscalização dos índices de letalidade policial.

Há, por exemplo, dificuldades na integração de estatísticas compiladas de formas distintas por cada unidade federativa no Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, o Sinesp.

Para Renato Sérgio Lima, diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a previsão de metas de redução da letalidade policial é positiva, mas demandará empenho do Executivo federal.

“Como qualquer sistema de monitoramento, é fundamental que ele seja efetivamente utilizado para premiar boas práticas e que os recursos só sejam liberados se os objetivos forem alcançados. A chave para o sucesso de acompanhamentos deste tipo é transparência, auditoria e prestação de contas”, afirma Renato Sérgio.

Procurado para justificar a razão pela qual a portaria não foi divulgada, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não se pronunciou até o fechamento da reportagem. O ministro Dino também não retornou o contato. O espaço da coluna segue aberto.

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