Cultura
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Por — Paris

No clássico “Hamlet”, de 1600, o príncipe dinamarquês, um jovem solitário, atormentado e revanchista, busca vingar a morte do pai e, numa barafunda de crimes, traições e vinganças, acusa a mãe, Gertrudes, e culpa a amada, Ofélia. Mundo afora, as montagens naturalmente dão ênfase ao ponto de vista masculino e pouca chance de resposta às mulheres do texto de Shakespeare. Não é o caso da versão da diretora carioca Christiane Jatahy, que imagina Hamlet acordando num corpo feminino 400 anos depois e tendo a chance de rever seus atos.

A dramaturga usa 90% do texto original, mas, com os 10% que reescreve, cria uma versão em que Gertrudes e Ofélia têm como responder às acusações virulentas de Hamlet, expandindo as possibilidades do texto clássico. E se “um clássico é o texto que nunca termina o que tem para dizer”, como defendia Italo Calvino, faltava ainda ouvir o que as mulheres de Hamlet tinham para dizer. Faltava imaginar o que Hamlet diria se fosse mulher.

A montagem de Christiane, que acaba de encerrar a temporada de estreia no Teatro Odéon com elogios rasgados da crítica, segue para Holanda e Espanha, chegando ao Brasil em 2025. É mais um marco para sua diretora, ganhadora de um Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 2022 pelo conjunto da obra, marcada por uma pesquisa constante para ampliar as fronteiras da linguagem teatral e abordar temas políticos.

A seguir, Christiane fala sobre o reaquecimento dos palcos após a pandemia, adaptação de clássicos e sua visão sobre um dos personagens mais famosos do teatro mundial.

Depois de adaptar “Torto arado” para o teatro, com temas tão brasileiros, você monta um “Hamlet”. Por que um Shakespeare agora?

É um texto que acompanha a vida, né? Com uma profundidade, com uma dimensão, com uma quantidade de possibilidades gigantescas. Mas, depois que fiz duas vezes Macbeth (suas peças ‘A floresta que anda’, de 2015; e ‘Antes que o céu caia’, de 2021, são adaptações livres do texto), o universo de Shakespeare ficou muito colado a mim, especialmente pelo aspecto feminino. Nas duas montagens que fiz, o ponto de vista feminino era fundamental. Então, depois de oito anos como artista associada ao Odéon, surgiu o acordo para fazer uma montagem mais contemporânea. Aí tive esse insight: e se Hamlet acordasse como uma mulher? O que aconteceria com toda a tragédia?

Como construir toda a agressividade de Hamlet nessa mulher?

Hamlet tem inclusive falas misóginas. Mas pensei que, ao acordar como uma figura feminina, 400 anos depois, ela se coloca contra o sistema patriarcal que faz parte da própria História dela. Ela começa a questionar aquela violência toda com a qual é obrigada a conviver em consequência dos atos anteriores como homem. Para mim, a grande questão desta Hamlet é: como é que ela, com toda essa história pregressa, de vingar o pai num sistema completamente violento, vai dar sequência a esse plano? O que vai acontecer em relação à consciência dela? É aí que o texto original começa a mudar. Por isso é tão importante que nesta peça Hamlet peça perdão a Ofélia pelo horror que a fez passar.

Mas o Hamlet original assume a responsabilidade.

Sim, isso é bonito, Shakespeare realmente é de uma complexidade enorme. A diferença é que esta Hamlet pede perdão. Fala uma coisa importante: “você não é obrigada a me perdoar, você me perdoa se você quiser”. Essa é a importância da mudança de ponto de vista do masculino para o feminino.

Como é que o texto sustenta essa mudança que você faz sem perder sua densidade?

Um exemplo: no original, quando Hamlet percebe que matou Polônio (pai de sua amada, Ofélia), não carrega culpa sobre esse incidente (queria na verdade ter matado seu tio, Claudio). Nessa versão, nossa Hamlet entra em uma crise, ela não queria fazer isso.

A mãe de Hamlet, Gertrudes, cresce muito na sua versão.

Sim. A relação de Hamlet com a mãe se torna profundamente emotiva, mesmo quando encenam o texto original. Mas, sendo Hamlet mulher, o que acontece entre elas é de uma intimidade que só duas mulheres podem ter.

Por que o destino de Ofélia é diferente nesta versão?

O destino de Ofélia muda não só porque ela decide mudar, mas porque Hamlet também mudou. Acho essa a grande revolução da peça. Sempre pensei que, se Hamlet seria uma mulher, naturalmente as outras duas personagens femininas cresceriam. Então Hamlet nessa versão não é mais o único protagonista.

Impossível não pensar na Palestina vendo a sua montagem. Qualquer menção a guerras, mesmo as de 400 anos atrás, é também uma menção à Palestina hoje.

A guerra é muito importante em Hamlet, está o tempo todo em volta do personagem, testando sua humanidade. Tem uma frase que Hamlet fala muitas vezes: “Eu preciso ser cruel pra ser justa?”. É uma questão importante que a peça traz sobre a violência do mundo. A ideia de que a justiça tenha de vir pela crueldade.

Como tem sido a recepção da montagem?

Tem pessoas que começam a se desesperar quando você mexe com um monumento como “Hamlet”. E tem pessoas que acham extraordinária a possibilidade de questionar um clássico. Ficamos seis semanas em cartaz, sempre com casa cheia. Isso é incrível.

Há muitos jovens na plateia. Isso te surpreende?

Também me chamou a atenção. Penso que começam a assumir esse texto como algo do qual possam se apropriar. O texto deixa de ser um monumento inacessível e passa a ser um lugar aonde você pode entrar.

Os atores participaram da construção deste texto?

Em um primeiro momento, não. Eu penso no processo artístico como uma pedra caindo num rio e formando várias circunferências ao redor dela. A primeira circunferência é meu próprio encontro com o texto. A segunda é o diálogo com os colaboradores artísticos que são muito importantes na minha trajetória, como o Paulo Camacho, que é o diretor de fotografia; o Júlio Parente, que desenvolve a tecnologia que permite realizar o que você assistiu (cenas filmadas coexistem com as cenas que acontecem no palco); o Vitor Araújo, que fez a música; o Pedro Ventura que é da mixagem. Depois a gente tem uma outra circunferência, que é quando entram os atores e as atrizes. A gente fez um encontro de uma semana discutindo a dramaturgia.

E é quando entra o palco…

Aí essa circunferência se amplia e chega na dimensão desse teatro, que é uma coisa enorme. Desde o primeiro dia de ensaio, a gente ensaiava com toda a equipe técnica do Odéon em sala. Você sai daquele ambiente de intimidade com os atores e de repente passa para um espaço enorme, com 25 técnicos presentes todos os dias.

A peça vai ser encenada no Brasil?

Sim, ainda estamos fechando em qual festival, mas será em 2025. Faço questão de levar esse Hamlet mais carnal, mais visceral e feminino para o Brasil.

No Rio, tem sido impossível conseguir ingressos de algumas peças. Você diria que é um movimento geral?

Sim, está tudo lotado aqui em Paris também. As pessoas querem comunhão. O que a pandemia cortou foi essa possibilidade de comunhão com o coletivo, ainda mais que o Brasil teve uma questão política que veio a reboque muito forte.

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