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Por O GLOBO — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 18/06/2024 - 16:22

Resistência de Chico Buarque

Chico Buarque enfrentou a censura durante a ditadura militar, com músicas proibidas e peças canceladas. Seu exílio na Itália e volta ao Brasil marcaram a resistência artística contra o regime autoritário.

"Apesar de você, amanhã a de ser outro dia", "afasta de mim esse cálice", "ninguém vai me acorrentar, enquanto eu puder cantar". São muitas as letras de Chico Buarque que fazem referência ao período de repressão vivido durante a ditadura militar no Brasil. O cantor e compositor, que completa 80 anos nesta quarta-feira (19), se tornou símbolo da luta contra a censura e a repressão.

Chico e a censura se cruzaram pela primeira vez em setembro de 1966, ano em que lançou seu álbum de estreia. Na ocasião, o Serviço de Censura proibiu a execução da música "Tamandaré", parte do espetáculo "Meu refrão", idealizado por Hugo Carvana e Antonio Carlos da Fontoura, por concluir que a letra era ofensiva à Marinha Brasileira e seu patrono, o marquês de Tamandaré.

Em seus primeiros discos, Chico se destacou com sambas como "A banda", "A Rita", "Olê olá", "Noite dos mascarados" e "Quem te viu, que te vê". Com o tempo, no entanto, as melodias românticas, em certa medida, foram cedendo espaço para outras canções, que refletiam maior descontentamento com o cenário político e social do país.

Em seu terceiro álbum, "Chico Buarque de Holanda: vol. 3", o artista já trazia canções como "Roda viva", tema de peça teatral escrita por Chico e dirigida por José Celso Martinez Corrêa em 1968, e que virou um símbolo da resistência contra a ditadura militar no período. No dia 26 de junho daquele ano, o artista teve a sua presença na Passeata dos Cem Mil alardeada pela imprensa. Ele compareceu na companhia de amigos como Edu Lobo, Gilberto Gil e o próprio Zé Celso.

"Roda Viva" (1968), com Marieta Severo, Antonio Pedro Borges, Heleno Prestes e coro — Foto: Acervo Flavio Imperio
"Roda Viva" (1968), com Marieta Severo, Antonio Pedro Borges, Heleno Prestes e coro — Foto: Acervo Flavio Imperio

Semanas depois, quando "Roda viva" estreou no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, no dia 18 de julho, cerca de 20 elementos do grupo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o espaço e, armados com cassetetes e socos-inglêses, agrediram o elenco e quebraram todo o cenário. Nos meses seguintes, apresentações da peça seguiriam alvo de perseguições até que, em outubro do mesmo ano, a obra foi definitivamente proibida pela censura.

Com a decretação do Ato Institucional 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, e a ofensiva do regime militar contra artistas e formadores de opinião — que levou à prisão de nomes como Gil e Caetano Veloso —, Chico aproveita viagem previamente agendada para a Itália, no início de 1969, e decide ficar por lá.

Em depoimento ao livro "Chico Buarque – Para todos", de Regina Zappa, o artista revela que a decisão de permanecer no exílio se deu em razão de um alerta de Caetano. Numa carta enviada pelo colega baiano estava o aviso: “O tenente amigo mandou dizer para você nem pensar em voltar”.

Ainda que presente desde 1964, mais como uma controladora de críticas contra o governo, a censura cresce de forma brutal no país a partir do AI-5. E Chico se torna um de seus alvos favoritos.

"Nunca alguém havia recebido uma marcação tão forte e injusta na cultura brasileira. Em determinado momento, como o próprio Chico iria recordar em muitas entrevistas concedidas à época, três de cada quatro composições que ele produzia eram censuradas, tornando impossível a montagem de um repertório mínimo para um show ou um disco. Em última análise, Chico atravessou boa parte dos anos 70 proibido de trabalhar", destaca trecho do livro recém-lançado "O que não tem censura nem nunca terá: Chico Buarque e a repressão artística durante a ditadura" (L&PM), do jornalista Márcio Pinheiro.

Chico viveu 14 meses na Itália, onde nasceu sua primeira filha com a atriz Marieta Severo, Silvia Buarque. Por um período, pensou que conseguiria se manter fazendo shows na Europa, mas havia pouco mercado para a música brasileira no período. Mais uma vez "grávido" e sem trabalho, o casal decide retornar ao país.

Aconselhado por Vinícius de Moraes, Chico volta ao Brasil fazendo alarde sobre seu retorno, na tentativa de evitar uma prisão em surdina. Anunciou o horário de sua chegada, às 8h do dia 20 de março de 1970, para todo mundo e tratou de participar de uma recepção com vários amigos famosos no badalado restaurante Antonio's, no Leblon, na Zona Sul do Rio. "Volta de Chico Buarque deu festa para a noite inteira", dizia o título da reportagem do GLOBO à época.

Apesar da festa na chegada, o clima ainda era de inquietação social, no período mais duro da repressão militar. E foi justamente neste momento que nasceu o hino contra a ditadura "Apesar de você", onde se ouvia versos como "Você que inventou a tristeza / Ora, tenha a fineza / De desinventar / Você vai pagar é dobrado / Cada lágrima rolada / Nesse meu penar".

Segundo pesquisadores da obra de Chico, o "você" do título pode se referir à própria ditadura ou ao então presidente, o general Emílio Médici. Ao rechear a letra de trocadilhos e sutilezas, o autor conseguiu driblar a censura e conseguir, num primeiro momento, o lançamento da obra. A primeira versão do sucesso, gravada por Clara Nunes, vendeu mais de 100 mil compactos entre o final de 1970 e 1971. À época, acreditava-se que a canção era sobre uma desilusão amorosa.

Foi apenas em fevereiro de 1971, após texto do jornalista Sebastião Nery, da "Tribuna da imprensa", exaltando que seu filho e colegas ouviam a canção como um hino nacional, que a censura começou a entender que era "alvo da piada". Em abril daquele ano, a censura impediu que Elizeth Cardoso apresentasse a canção em seu show no Canecão. Pouco depois, a censura oficial confirmou a proibição da música no país. Um grupo de militares invadiu a fábrica da gravadora Phillips e destruiu todas as cópias do compacto ainda no estoque.

— De cada três músicas que faço duas são censuradas. De tanto ser censurado, está ocorrendo comigo um processo inquietante. Eu mesmo estou começando a me autocensurar. E isso é péssimo — disse Chico ao GLOBO antes de um show no Canecão, em setembro de 1971.

A letra de 'Cálice', de Chico Buarque, com anotações e o carimbo de 'vetado' da ditadura — Foto: Reprodução
A letra de 'Cálice', de Chico Buarque, com anotações e o carimbo de 'vetado' da ditadura — Foto: Reprodução

Nos anos seguintes, foram vários trabalhos dele censurados, como a música "Cálice", com Gilberto Gil, e a peça "Calabar: o elogio da traição", escrita em parceria com Ruy Guerra e proibida no dia da estreia, em outubro de 1974, no Rio, quando o espetáculo, produzido por Fernando Torres, já estava todo pronto. No mesmo ano, o poeta lançou o sugestivo "Sinal fechado", um disco inteiro com músicas de outros autores, à exceção da faixa "Acorda, amor", assinada por Julinho da Adelaide, pseudônimo que inventara para despistar a repressão.

Outra composição famosa de Julinho da Adelaide foi "Jorge Maravilha", com os famosos versos de "Você não gosta de mim / Mas sua filha gosta". Em 1975, uma reportagem sobre censura no Jornal do Brasil revelou que Chico e Julinho eram a mesma pessoa. Por causa disso, o serviço de censura passou a exigir cópias do RG e do CPF dos compositores. Diante da revelação, muitos começaram a especular de que a letra teria sido escrita para Ernesto Geisel, cuja filha Amália Lucy havia se declarado fã do artista. Chico, no entanto, nega a teoria.

A situação começa a melhorar em 1977, quando as regras da ditadura estavam sendo flexibilizadas. "Apesar de você" tem a liberação para ser tocada em rádios neste ano. No seguinte, é regravada por Chico e incluída no lado B do disco "Chico Buarque".

Ao longo dos anos 1980, ainda que diante de menos repressão, Chico seguiu irritando censores, que liberaram a peça "Ópera do Malandro" (1978), mas se incomodaram com a canção "Geni e o zepelim" quando a trilha sonora foi lançada em disco, no final de 1979. O álbum não foi recolhido, mas a música teve sua execução pública proibida. Do repertório de "Os saltimbancos trapalhões" (1981), "Rebichada" chegou a ser vetada, mas posteriormente aprovada. Já em "O grande circo místico" (1983), Chico teve problemas com a palavra "pentelho" em "Ciranda da bailarina", que precisou ser retirada na versão oficial.

Pouco após o fim do regime militar, em 1991, Chico Buarque deu vida a seu Julinho da Adelaide ao interpretar o músico no filme "Vai trabalhar, vagabundo II — a volta", de Hugo Carvana.

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