Artigo: 'Há um buraco no ensino da nossa História', diz ator de 'Macacos'

Durante os últimos sete anos fiquei envolvido nos estudos da estruturação do ensino da História da formação racial no Brasil pelo olhar daqueles que sofreram os impactos da escravidão: o povo negro

Por — Rio


Clayton Nascimento é ator de 'Macacos' Márcio Alves

RESUMO

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GERADO EM: 27/06/2024 - 06:00

Importância do conhecimento afrobrasileiro

O ator de Macacos denuncia a falta de ensino da História racial no Brasil e destaca a importância do conhecimento afrobrasileiro para combater o racismo nas escolas. Ele ressalta a necessidade de uma educação antirracista e melhores condições de trabalho para os educadores.

Durante os últimos sete anos fiquei envolvido nos estudos da estruturação do ensino da História da formação racial no Brasil pelo olhar daqueles que sofreram os impactos da escravidão: o povo negro. Tais estudos culminaram na existência do espetáculo “Macacos”, no qual dirigi, escrevi e interpreto. Ele já soma mais de 15 prêmios nacionais e se tornou responsável por reabrir na Justiça o caso de Maria Terezinha de Jesus, uma mãe que perdeu o filho assassinado por forças do Estado enquanto ele usava o celular na frente de casa. Neste artigo, compartilho o que aprendi ao longo de todo esse processo.

O que muito me impactou ao longo da escrita era como ainda tinham poucos alunos negros em sala de aula — atualmente, cerca de 39% dos alunos das universidades públicas que se formam são pretos — e como existiam grandes (e básicas) informações da nossa História que não chegaram nas salas de aula. Ou, quando chegavam, são contadas de modo nem sempre factíveis.

Não se pode negar que a falta de conhecimento e profundidade na História de matrizes indígenas e africanas fazem com que surjam cotidianamente casos de alunos, crianças e adolescentes, que se ferem e se agridem com xingamentos e atitudes racistas em escolas públicas ou privadas.

Há um buraco aí.

A História que chega aos livros didáticos ainda é a da visão dos chamados “vencedores”. Isto é: dos que colonizaram, conquistaram e são muitas vezes colocados em nossa História como detentores dos conhecimentos e do desenvolvimento local, quase negando toda a tradição da população que sempre esteve ali. Ainda é comum encontrar nas salas de aulas pensamentos apontando indígenas como preguiçosos e negros como agressivos.

O que mais ouvi de educadores e educadoras negras é o quanto se comprometem com oficinas e novas formações para levarem às salas de aula uma educação antirracista. Eles querem, assim, evitar que cenas ou pensamentos retrógrados e racistas aconteçam dentro do espaço de ensino. Como por exemplo esse que vos escreve: aos 9 anos, precisei ficar em pé na aula de Brasil colônia, junto de outras crianças negras, para que a sala pudesse ver como era uma pessoa que no passado seria escravizada.

Outro ponto trazido por eles é que a aplicação eficaz da atual lei 11.645/2008 — que determina o ensino de cultura afrobrasileira e africana — precisa contar com o desejo profundo do educador, o que, muitas vezes, não acontece, e se acontecer podem ser vistos como “chatos e repetitivos”.

Por fim e não menos importante, ouvi deles que uma das maiores questões de se aplicar um bom ensino antirracista em sala de aula se dá pelas condições de trabalho: a quantidade adequada de estudantes por metro quadrado e a evidente necessidade na melhoria dos salários para ampliar formação, tempo livre e obtenção de livros e materiais.

O Brasil é o país em que o Hino da República canta “nós nem cremos que escravos outrora tenham havido em tão nobre país” e onde a educação tem o signo de um funil — o funil que cada vez mais estrangula as chances e os números de negros no sistema de ensino. Ao mesmo tempo, é o lugar onde nasceram Maria Firmina dos Reis, Abdias do Nascimento, Milton Santos, Lélia González, Leda Maria Martins, Djamila Ribeiro, Chico da Matilde, João Cândido, Paulo Freire e Lucas Popeta.

Pergunto: com a obtenção de conhecimento da história e cultura afrobrasileira, quantas mudanças não poderiam ser efetivas num país em que a cada 23 minutos morre uma pessoa negra?

* Ator da premiada peça “Macacos” esteve no Festival LED

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