O Conselho Ética da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) decidiu arquivar o processo de quebra do decoro parlamentar contra a deputada Lucinha (PSD) na tarde desta quinta-feira. A deputada foi denunciada pelo Ministério Público no início da semana por integrar e ser o braço político da milícia de Luiz Antonio da Silva Braga, o Zinho, na Zona Oeste, onde ela também tem seu reduto eleitoral. No entanto, nem todas provas apresentadas pelo MP à Justiça não foram analisadas.
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O processo de Lucinha começou no Conselho de Ética começou em abril deste ano. Entre os prazos previstos no regimento interno está a fase de instrução processual. Os deputados teriam até 120 dias para essa etapa voltada para a produção de provas e oitivas de testemunhas. No entanto, no início de junho a instrução foi encerrada após o depoimento da deputada. Nos bastidores, a não utilização de todo o prazo foi vista como uma maneira de evitar que o processo se alongasse até o período eleitoral.
A etapa seguinte foi o prazo para que Lucinha apresentasse sua defesa sobre aquilo que estava até aquele momento nos autos. Logo, apenas o material que já havia sido compartilhado pela Justiça foi analisado pelos membros do Conselho, ficando a denúncia do MP de fora.
O relator Vinícius Cozzolino (União) chegou a criticar uma "tentativa do MP de influenciar o Conselho" pela apresentação da denúncia dia antes da votação. No entanto, o Ministério Público afirma que ofereceu a acusação "em conformidade com as normas legais aplicáveis à espécie" e após receber o inquérito da Polícia Federal no fim de abril deste ano.
Questionado, o presidente do Conselho de Ética Júlio Rocha (Agir) negou que tenha corrido com os prazos:
— O processo pode ser reaberto. Até onde foi decidido, dali para trás não vimos materialidade. O que vai acontecer para frente vamos sentar e analisar novamente — disse.
Em nota, a deputada afirmou que "a denúncia é claramente uma perseguição política. As acusações são completamente infundadas e minha inocência será devidamente comprovada nos autos. Assim como demonstramos no Conselho de Ética a minha inocência, também provaremos na Justiça que as denúncias são absurdas e improcedentes".
A votação teve quatro votos a favor do arquivamento das denúncias — Vinicius Cozzolino (União), Júlio Rocha (Agir), Cláudio Caiado (PSD) e Renato Miranda (PL) — e dois contra, de Martha Rocha (PDT) e Dani Monteiro (PSOL). Já Jorge Felippe Neto (Avante) não pôde votar por conta da proibição de que isso seja feito de maneira virtual. O resultado será enviado para a mesa diretora, que decidirá se vai para plenário ou se será arquivado.
De acordo com a denúncia do MPRJ, assinada pelo procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, a deputada teve 17 reuniões com integrantes da milícia, algumas delas na Alerj. O próprio Zinho confirmou, em depoimento na noite em que se entregou à Polícia Federal, no fim do ano passado, que Lucinha era chamada de “madrinha” por ele e outros integrantes da organização criminosa.
Presidente do Conselho de Ética, Júlio Rocha diz que o colegiado “não viu provas para que Lucinha perdesse o mandato, como a Justiça também não teve materialidade para prendê-la”. Ele também não viu quebra de decoro nas conversas e tratativas políticas de Lucinha com o miliciano Domício Barbosa, o Dom, apontado como contador de Zinho.
— Toda essa narrativa que foi criada, foi debatida e desconstruída. Eu não sou advogado, eu não sou juiz, eu não uso toga. Julgo aquilo que está no processo e que eu vejo. Se chegar um bandido da minha região e falar “oi, amigo”, eu vou falar que não? Quem vai estar lá no meu portão me defendendo no outro dia? A própria polícia e a sociedade acabam não nos defendendo — argumenta Rocha.
A reunião do conselho durou cerca de duas horas e meia. Lucinha acompanhou a votação ao lado de dois advogados e discursou por cerca de quatro minutos para os colegas. Ela reiterou sua inocência e citou que não foi citada na CPI das Milícias, concluída na Alerj em 2008. Em nota para a imprensa, a deputada afirmou que a denúncia do MP “é claramente uma perseguição política” com “acusações completamente infundadas”.
Tráfico de influência
Vice-presidente do conselho, Martha Rocha apresentou um voto em separado, pedindo a cassação do mandato. Para ela, as mais de três mil páginas do processo ético-disciplinar provam que Lucinha cometeu tráfico de influência. “O material, que não é pouco, coletado e colacionado no inquérito dá conta da estreita ligação da parlamentar com a milícia da Zona Oeste, não apenas cuidando dos interesses de seu mandato, mas atuando como braço político da organização criminosa em tela, em defesa dos interesses desta, e com atribuições definidas dentro da organização”, diz trecho do voto da deputada.
Relator do processo, Cozzolino discordou de Martha. Para ele, as mensagens “não demonstram uma efetiva participação em relação a esse grupo”:
— Ela sequer é ré. O Poder Judiciário ainda não aceitou essa denúncia. O Ministério Público pode considerar os indícios, ele tem a opinião dele, mas hoje o Conselho de Ética entendeu que essas provas não demonstram uma conexão direta (com a milícia). O processo judicial continua e diante de qualquer decisão desfavorável ou de alguma prova contundente, pode ser reaberto aqui.
Plenário pode chancelar
Nos bastidores da Alerj, o arquivamento do processo contra Lucinha já era certo. Deputados temiam abrir um precedente para que outros parlamentares indiciados ou denunciados pudessem também ser cassados. Agora outra disputa movimenta os gabinetes: deputados discutem se a decisão do Conselho de Ética é definitiva ou se ainda precisa passar pelo crivo dos 70 deputados no plenário.
A Procuradoria da Alerj já informou aos deputados que não haveria necessidade de o tema ir ao plenário. Alguns parlamentares acreditam, no entanto, que os membros do Conselho de Ética ficarão expostos politicamente no período pré-eleitoral se o caso Lucinha for encerrado no colegiado. Foi o plenário que decidiu abrir o processo por quebra de decoro.
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