2. Conteúdos conceituais e procedimentais
Em uma oficina sobre pão de queijo, não é difícil distinguir o que é conceito e o que é procedimento. Investigar os ingredientes do pão de queijo, recuando temporalmente para saber o que originalmente era utilizado, por exemplo, mobiliza conteúdo conceitual. Já operar os equipamentos para bater a massa e assar o pão é um conteúdo procedimental.
Na educação formal, costuma ser mais complicado distinguir o conteúdo conceitual do procedimental, já que nossa tradição escolar é de apostar todas as fichas nos conceitos. No entanto, muitas situações de ensino e aprendizagem são basicamente procedimentos e a falta de reconhecimento disso atrapalha a melhoria das práticas de ensino.
Há diversas situações em que professores se dão conta de que conceitos simples não têm qualquer significado para os alunos, a despeito de eles conseguirem realizar os procedimentos propostos na escola. O trecho dos PCN traz o exemplo das operações matemáticas, que são realizadas pelos alunos sem que eles atribuam a isso um significado conceitual. Se indagarmos a um estudante do ensino médio o que significa multiplicar ou, ainda, a diferença entre valores nominais e referenciais, é muito provável que apareçam lacunas conceituais, pois eles sabem multiplicar valores e também transformar valores nominais em porcentagem, mas não são capazes de explicar o significado disso. Qual a diferença entre dizer o PIB nominal do Brasil ou seu valor proporcional em relação ao PIB dos Estados Unidos? Essa é uma discussão dificílima de se levar a cabo em uma turma de 2º ano do ensino médio!
Portanto, reconhecer e valorizar os procedimentos também é uma forma de aperfeiçoar a abordagem dos conceitos, que tampouco ocorre sem problemas na escola.
Muito se fala a respeito das aulas expositivas, de forma negativa, estabelecendo uma associação pueril entre a longa exposição e a predominância de conteúdos conceituais. No entanto, a exposição longa pode se prestar também a consolidar uma forma de raciocinar a respeito das coisas: o raciocínio analítico, por exemplo, tão caro à ciência, é exercitado ao se acompanhar uma exposição oral. Aquele passo a passo que aprendemos nas séries iniciais para ler um texto – ler o título, procurar o autor, ler o texto inteiro sem pausas, marcar as palavras desconhecidas, procurar seu significado no dicionário, substituir por sinônimos no texto, ler novamente parágrafo por parágrafo para extrair o assunto principal etc. – é uma longa lista de procedimentos transmitidos na escola basicamente por uma exposição oral.
A argumentação mais consistente sobre a diversificação de práticas educacionais, para além da longa exposição, diz respeito à apropriação do conhecimento pelos alunos, de forma que eles desenvolvam autonomia de pensamento. E intercalar estratégias de ensino com conteúdos conceituais e procedimentais pode ser um caminho profícuo para diversificar as práticas escolares.
Vamos voltar ao exemplo da oficina do pão de queijo?
Olhando para as três possibilidades, você pode supor que ensinar a preparar pão de queijo exige essencialmente conteúdos procedimentais, enquanto que apontar ingredientes significativos do pão de queijo seria uma oficina de conteúdos conceituais. Usando a associação já apontada aqui, a oficina de preparo de pão de queijo seria “prática” ou, para usar um termo do modismo em educação, “mão na massa”; a oficina sobre a origem do pão de queijo, por outro lado, seria “teórica”, com aulas expositivas.
Bom, essas associações são equivocadas. A oficina que ensina a preparar pão de queijo pode contar apenas com um vídeo explicando oralmente (e demonstrando em uma cozinha) todas as etapas de preparo do produto: os participantes assistiriam ao vídeo na associação de bairro (com a possibilidade de acessá-lo em casa no momento em que decidirem fazer pão de queijo) e tirariam dúvidas. Uma longa exposição com demonstração, seguida de diálogo!
Em contraponto, a oficina sobre a origem do pão de queijo poderia contar com uma mesa repleta de ingredientes tradicionais do pão de queijo, com plaquinhas indicando dados a respeito deles, uma degustação (e/ou toque) dos ingredientes, seguida por uma técnica de conversa em grupo como “world café”, em que os participantes trocam saberes e experiências em pequenos grupos, finalizando com a confecção de um painel com o registro do aprendizado.
É provável que nem todos os participantes de cada uma das oficinas atinjam o objetivo de aprendizagem proposto e que as estratégias precisem ser revistas em um próximo encontro. Como saber se isso ocorreu? Bem, é para isso que serve a avaliação!
(Este é o segundo texto desta série; o anterior é sobre objetivos de aprendizagem e o próximo, sobre avaliação.)