Acabou o Direito de Recorrer nos Processos Administrativos Disciplinares?

Acabou o Direito de Recorrer nos Processos Administrativos Disciplinares?

Todos sabem, seja pelo senso comum ou pelo estudo técnico, que é possível recorrer de uma decisão proferida em um processo, seja ele judicial ou não. Tecnicamente este conceito é também conhecido como duplo grau de jurisdição, ou seja, o direito de que uma decisão seja revista em pelo menos mais uma instância.

Apesar de sua indubitável existência, este conceito não está expressamente previsto na Constituição Federal brasileira, senão pela tímida menção no final do inciso LV do artigo 5º da CF, onde se lê:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

As demais normas processuais brasileiras também acabam por trazer o conceito do duplo grau de jurisdição de forma implícita ao tratarem da possibilidade de recurso. Isso não é diferente no processo administrativo disciplinar, com trâmite regido pela Lei 8.112/90, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União.

No entanto, em 2022 uma das normas que regulamentam o processo administrativo disciplinar acabou por excluir a possibilidade de recurso nos casos de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores. Isso porquê, ao delegar a competência em matéria administrativa-disciplinar no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal, o Decreto 11.123/2022 excluiu a possibilidade de recurso, na contramão de todo ordenamento jurídico brasileiro.

Art. 7º Não caberá interposição de recurso hierárquico ao Presidente da República ou ao Ministro de Estado em face de decisão proferida em processo administrativo disciplinar proferida com fundamento nas delegações ou subdelegações previstas neste Decreto.

A inconstitucionalidade deste dispositivo é objeto de ação junto ao Supremo Tribunal Federal, a ADPF 1032, proposta pelo Partido Verde ainda em 2022 e sob a relatoria do Ministro André Mendonça, o qual considerou que a análise do caso pelo STF deve ser realizada em caráter definitivo, deixando de apreciar a liminar, adotando o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei nº 9.868/99.

Chamada a se manifestar, em 23/02/2023 a AGU, através de sua autoridade máxima, o Advogado-Geral da União Jorge Rodrigo Araújo Messias, apresentou parecer nos autos da ADPF 1032 reconhecendo a inconstitucionalidade do artigo 7º do polemizado decreto. Em suas palavras:

 A aplicação de penas de demissão, cassação de aposentadoria e destituição de cargos por autoridades subdelegadas, sem possibilidade de recurso hierárquico, afronta o princípio constitucional do devido processo administrativo (artigo 5º, inciso LV)

Por sua vez, em 22/03/2023 o Ministério Público Federal, através da Procuradoria-Geral da República, também externou o seu entendimento de que o artigo 7º do Decreto 11.123/2022 viola princípios basilares processuais sendo, portanto, inconstitucional. Nas palavras do Procurador-Geral da República, Augusto Aras:

É possível perceber que, nos casos em que houver delegação e subdelegação da competência originalmente pertencente ao Presidente da República ou ao Ministro de Estado, a parte ficará alijada da possibilidade de interpor recurso e de ver seu caso reapreciado por autoridade hierárquica superior, implicando verdadeiro cerceamento de defesa. (...) Todavia, o art. 7º do Decreto 11.123/2022, ao impedir a interposição de recurso ao Presidente da República ou ao Ministro de Estado de decisões proferidas em processo administrativo disciplinar resultante das delegações nele previstas, contraria frontalmente o direito ao contraditório e à ampla defesa, inscritos no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Apresentadas as informações pela Presidência da República e colhidas as manifestações da AGU e da PGR, caberá agora ao Relator, Ministro André Mendonça, submeter o processo diretamente ao Tribunal para julgar definitivamente a ação.


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