ADAPTE-SE OU MORRA
Em 1997, o Deep Blue, um supercomputador desenvolvido pela IBM, ganhou de Garry Kasparov, o melhor enxadrista do mundo. Foi um divisor de águas na história da computação, um evento sísmico que abalou a compreensão de muita gente sobre tecnologia, inteligência e humanidade. Hoje, porém, não passa de uma anedota curiosa. É claro que um computador venceria um campeão mundial de xadrez. Ora, ora, por que não?
Desde de um início da computação o xadrez tem sido uma das maneiras preferidas de testar a inteligência artificial. Isso porque o jogo tem um número quase infinito de movimentos: existem mais jogos possíveis de xadrez do que átomos no universo observável. A partir de qualquer posição do tabuleiro, se você avaliar só três ou quatro movimentos já terá à frente centenas de milhares de variações.
Para ficar tão bom quanto um jogador humano, um computador teria que não só calcular um número incrível de resultados possíveis , como também precisaria contar com algoritmos sólidos para ajudá-lo a estimar o que vale a pena. Em outras palavras: para ganhar de um jogador humano, o Cérebro Pensante do computador, apesar de muito superior, precisa ser programado para avaliar posições do tabuleiro como sendo mais ou menos valiosas. Ou seja, o computador precisa ter um "Cérebro Sensível".
Desde aquele dia em 1997 os computadores continuaram a evoluir no xadrez a um ritmo impressionante. Nos quinze anos seguintes, os melhores jogadores humanos foram destruídos por softwares, as vezes em resultados simplesmente vergonhosos. Hoje em dia nem chegam perto. O próprio Kasparov recentemente brincou ao dizer que o aplicativo de xadrez que vem instalado na maioria dos smartphones de hoje “ é bem mais poderoso do que o Deep Blue”. Atualmente os desenvolvedores do ramo, fazem torneio entre os seus softwares, para ver quais são os melhores algoritmos. Humanos estão vetados nestes torneios, mas eles provavelmente nem sequer se classificariam, para começo de conversa.
O campeão absoluto do mundo do software de xadrez nos últimos anos tem sido um programa de código aberto chamado Stockfish. Ele ficou em primeiro ou segundo lugar em quase todos os torneios desde 2014. O Stockfish, é fruto de uma colaboração entre meia dúzia de desenvolvedores experientes de softwares de xadrez, hoje representa o pináculo da lógica neste jogo. Ele não é só uma engine no xadrez, como é capaz de analisar qualquer jogo, qualquer posição, dando resposta segundos após uma jogada com o mesmo nível de um grande mestre.
E o Stockfish estava lá, todo contente, sendo o rei do xadrez computadorizado, o padrão dominante de toda a análise enxadrista mundo afora, quando em 2018, o Google apareceu na festa.
Foi aí que a situação ficou bizarra.
O Google tem um programa chamado Alpha Zero. Ele não é um software de xadrez. É um software de inteligência artificial. Em vez de ser programado para jogar xadrez ou qualquer outro jogo, ele foi feito para aprender não só xadrez, mas qualquer coisa.
No início de 2018, o Stockfish enfrentou o Alpha Zero. Sinceramente, não chegava nem perto de ser uma briga justa. O Alpha Zero consegue calcular “apenas” oitenta mil posições de tabuleiro por segundo. O Stockfish? Setenta milhões. Levando-se em conta o poder computacional, é como se eu estivesse correndo a pé contra um carro de fórmula 1.
Só que a história fica mais bizarra. No dia da disputa, o Alpha Zero nem sabia jogar xadrez. Sim, é isso mesmo. Antes da partida contra o melhor do mundo o Alpha Zero teve menos de um dia para aprender xadrez do zero. O Software passou a maior parte do dia fazendo simulações de partida contra si mesmo, aprendendo à medida que os jogos se desenrolaram. Ele desenvolveu estratégias e princípios da mesma maneira que um humano faria: por tentativa e erro.
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Imagine o cenário. Você acabou de aprender as regras de um dos jogos mais complexos do planeta, mas recebeu menos de um dia para brincar com o tabuleiro e descobrir estratégias. E, então, seu primeiro jogo vai ser contra um campeão mundial.
Boa sorte para você.
Ainda assim, de alguma maneira o Alpha Zero ganhou. Beleza, não só ganhou, mas humilhou o Stockfish. De cem partidas o Alpha Zero ganhou ou empatou todas.
Vale repetir: apenas nove horas depois de aprender as regras do xadrez, o Alpha Zero jogou contra a melhor entidade enxadrista do mundo e não perdeu uma única partida sequer. Foi um resultado tão sem precedentes que as pessoas ainda não sabem como lidar com isso. Grandes mestres humanos se surpreenderam com a criatividade e a engenhosidade do Alpha Zero. Um deles, Peter Heine Nielsen, falou: “Sempre me perguntei como seria se uma espécie superior pousasse na Terra e nos mostrasse como eles jogam xadrez. Acho que agora sei.”
Depois de jogar com o Stockfish, o Alpha Zero não tirou uma folga. Pff, por favor! Folgas são para humanos frágeis. Em vez disso, logo após destruir o Stockfish, o Alpha Zero começou a aprender o jogo de estratégia shogi.
O shogi é comumente definido como o xadrez japonês, mas muitos dizem que é mais complexo. Enquanto Kasparov perdeu para um computador em 1997, os melhores jogadores de shogi só começaram a perder para as máquinas em 2013. De qualquer maneira, o Alpha Zero destruiu o melhor software de shogi (chamado Elmo), por uma margem igualmente impressionante: De cem partidas, ganhou noventa, perdeu oito e empatou duas.
Mais uma vez a capacidade computacional do Alpha Zero era bem menor do que a do Elmo (neste caso ele calculava quarenta mil movimentos por segundo, comparado aos trinta e cinco milhões do Elmo). E ,mais uma vez, o Alpha Zero não sabia jogar shogi no dia anterior.
De manhã, ele aprendeu dois jogos infinitamente complexos. Ao pôr do sol ele tinha destruído os melhores competidores do mundo.
Qual será nosso destino quando as máquinas que já dominam os tabuleiros de xadrez estiverem participando de reuniões ao nosso lado?
Este texto foi retirado do livro Fudeu Geral do Mark Manson
Backend Software Engineer Lead at @Agi
2 aobiviamente... o ser humano está limitado a viver apenas uma vida, e sendo exposto a muito menos informação por dia. Máquinas são capazes de simular N vidas(threads) em paralelo e sendo exposto a milhares de info por minuto, mas sem dúvida aprendizado de máquina já é presente e muito necessário. Como dizem por aí dados hoje em dia é o novo petróleo!!!