A Aparente Simplicidade
lidia meneses design

A Aparente Simplicidade

A Aparente Simplicidade

Dizem que a Natureza é simples mas se a transformássemos em geometria, ficaríamos alarmados pelo trabalho da sua reprodução, por meio da mão humana. A Natureza forma-se com simplicidade mas, essa formação, é de uma complexidade, por vezes, inatingível. Até, no que concerne ao talento e capacidade de quem vive 50 a 80 anos de experiência pois a Natureza exige muitas horas para ser recriada, à mão, tal como a vemos. Para a conseguirmos recriar,  precisamos compreendê-la, mergulhar às profundezas, encontrar a sua essência, como nasce ou como morre. Construir a simplicidade é bem mais complexo do que encontra-la, ao acaso. Há uma grande profundidade na simplicidade. Assim como o meu tempo de vida é limitado, tendo a interpretar criativamente estes elementos e acho justo, aplicar a minha visão e sensação ao input visual. Afinal, não somos máquinas e não vivemos tanto tempo como aquilo que criamos.

 Deslumbrada com a forma simples de um búzio de 72 cm de altura, observado no Museu Nacional de Viena, fiquei intrigada com o outro lado, que afinal não era simples. O outro lado era muito detalhado, como uma joia das de melhor qualidade e refinamento. Não havia tradução para inglês, fiquei intrigada. Chamava-se Campanille Giganteum, tinha uns admiráveis 54 milhões de anos! Era, portanto, a carapaça de um molusco gigante- gastrópode marinho da família Campanilidae- da Era do Eoceno, 2ª época do período terciário, assinalada pela diversidade dos primeiros mamíferos, investiguei depois. Atrás da vitrina- à vista de qualquer ser humano- estava um fóssil da era pré histórica e a sua beleza provocava ciúmes aos mais criativos dos relojoeiros. Foi nesta Era que os mares atingiram a sua maior extensão e se desenvolveu a configuração atual das massas continentais. Começavam a abundar os foraminíferos, organismos unicelulares que se distinguem pela rede de filamentos e uma carapaça de composição. Assim, a forma serve a função, a da sobrevivência. Com complexidades variáveis, nas quais se alojava um citoplasma (Grego: Kitos- célula; Plassos- molde) e um citoesqueleto cuja principal função era ser capaz de separar os cromossomas durante a divisão mitótica, assegurando a sua divisão equitativa, nas células filhas, alojadas em campanulas, ou seja, vacúolos, tinham por princípio o de armazenar glicogénio e lípidos. Não é, por acaso, que a estrutura deste búzio, era simétrica, por dentro. No meio surgem curvas helicoidais, entrelaçadas ao longo e ao redor de um eixo mediano, o qual parecia ser uma espinha dorsal de tão robusto volume, e em cada filamento se abriam fossos elípticos, do mais pequeno ao maior, para que o molusco conseguisse sair e entrar. Apesar de belo não era frágil. Afinal, tal esqueleto, sobreviveu até agora.

 Quão forte é o simples?

 Tomamos por simples o diálogo e amor entre seres humanos, as árvores das nossas florestas, a chuva e a sua evaporação, o voo em “V” dos pássaros, o nascer e o por do sol, em todos os dias, a vida, o lobo que se tornou cão, o tigre que se tonou gato, o macaco que se tornou homem, os 28 dias do ciclo menstrual, os 9 meses de gestação, o alpha e o beta e o líder da comunidade porque nasceu líder...não, tornou-se líder, este é aquele que retira a quinquilharia da confusão, lima as arestas, traz simplicidade no meio da discórdia, encontra a harmonia e torna a dificuldade, em oportunidade. Sobrevive ou garante a sobrevivência. Ouso dizer que o líder seria o mais sofisticado, não propriamente, o mais forte, em diversos tempos.

 Apesar de Newton ter dito que a Natureza se compraz na simplicidade pois não dá lugar a futilidades, prefiro encará-la de outro modo: a Natureza é extremamente sofisticada e em constante exercício de equilíbrio entre o caos e a reposição da calma.

 Para o Design pouco é mais, desde que não seja enfadonho, é um dos seus grandes princípios, a seguir temos o contraste, a hierarquia, o alinhamento, a função, o equilíbrio, a proximidade, a simplicidade. Agora, uma nova corrente está em voga, o minimalismo. Dizem que o minimalismo é a vitória da simplicidade, como as paisagens arenosas da Islândia vulcânica ou as do deserto areento. Esta tendência passou a ser um estilo de vida, por respeito, à sustentabilidade e faz-nos questionar sobre o que realmente é necessário. Assim o minimalismo é um novo muralismo, uma nova disciplina cujo resultado é a simplicidade, a harmonia de espírito e a consequente ligeireza da vida.

 Há dias uma criança dizia-me, “quando desenho estou sempre a fazer contas”, a mãe envergonhada tentou calá-lo, mas como desenhadora percebemos o dito. Por isso o desenho, mais que a fotografia tem a qualidade de exercitar o cérebro, pois as sinapses moldam-se ao entendimento do novo, o qual ,mais tarde, se juntará à memória e criará algo de criativo, aparentemente simples, sofisticado e belo.

 Nesta categoria naturalista enquadro os grandes arquitetos Gaudí e Zaha Hadid. Para quem não conhece, se o primeiro tenta recriar o universo onírico da Natureza e da Fantasia, realizando proezas arquitectónicas domando a madeira, o ferro, o vidro e a cerâmica, a Zaha é mais uma matemática, descontrutivista da arquitetura, conhecida como a rainha das curvas e traços não lineares.

 O criador da Sagrada Família, da Casa Batló, símbolos de Barcelona, entre outros equipamentos e joalherias, era fiel à fluidez natural nas suas obras marcado pela exploração de elementos da Natureza, como a forma das ondas, o movimento das águas e o vento. Um fascinado pelo nosso mundo mas que, também, tinha uma compreensão avançada de estruturas. Para atingir a exigência da sua exuberância criativa, Gaudí, aprofundou-se em questões da engenharia, explorando geometrias complexas derivadas de curvas catenárias, paraboloides hiperbólicas, hiperboloides e helicoidais que, além de plasticamente impressionantes, eram estruturalmente eficientes.

 Já a primeira mulher, sem parcerias,  a receber um Pritzker, via os edifícios como organismos unificados e auto suficientes e defendia a criação de espaços públicos em todas as construções, para que as pessoas se pudessem conectar e a segregação urbana fosse eliminada. Vêm?... o diálogo entre humanos parece simples, mas para acontecer foi necessário milhares de anos e espaço de concretização. Ao longo da nossa vida, precisamos escolarizar-nos, pelo menos durante uns 12 anos, para dominarmos, com certa razoabilidade, a nossa língua mãe. As letras fluem melódicas em canções, avisam e invocam socorro, as ofensivas como adagas, as letras fortes de incentivo,  a nostalgia e solidão resultante do silêncio e ausência das mesmas. Para articularmos o som dessas sílabas foram precisos, 50 mil anos. Numa pequena vida humana, são precisos, no mínimo 5 anos, até nos expressarmos com certa eloquência.

 Nada, de facto, é simples!

Lídia Meneses #artigos #opinião #simplicidade #designergráfico #arte

Delfina Andrade

professora na Colégio do Castanheiro

1 a

Bravo👏Estimada Lídia, a tal mãe sentiu orgulho😉

Este texto faz-nos viajar na complexa rede e beleza das artes! A sabedoria da natureza, na profundeza do traço e das emoções! Grata pela partilha, quiçá, tal melodia poética fosse a linguagem dos “influêncers”, e da mídia! A educação inspira! Bem haja!

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