Aruanã

Aruanã

ARUANÃ

 

 

Aruanã. Julho. O porto lotado. A cidade cheia. O vai-e-vem. Gente. Carros. Reboques. Lanchas. Canoas. Bermudas. Chinelos. Alegria. Cerveja. Os canoeiros abarrotam as canoas. Canoa vai cheia, porque no começo de julho canoa só vai cheia. E volta vazia. E vai gente pra cima. E vai gente pra baixo. Pros ranchos, que já estão prontos. Tem até televisão, sofá, geladeira, micro-ondas. Tapetes de paia pra madame não sujar os pezinhos na areia fofa e branca.

 

Os ranchos de venda, nem precisa dizer, aquele freje!

 

No centro da praça da farofa (a principal e única), ainda existe um resto de maquinário do primeiro vapor (à caldeira) a navegar no Araguaia, até ali. Ali, não agüentou mais e desmoronou, quer dizer, naufragou. E Couto de Magalhães teve de pegar o ônibus para voltar prá casa.

 

Isso, lá pelos idos de...bem, não é do meu tempo, e ninguém lá em Aruanã sabe quando...lá ninguém quer se preocupar com nada.

 

Tinha eu levado uns amigos, estrangeiros aqui em Goiás, a conhecer o formoso e belo Araguaia, e Aruanã, tão famosa.

 

Encontramos lá no bar do Elpídio, tão famoso quanto a cidade o meu amigo Luiz. Lá se reunia a boêmia da mais fina classe de Goiânia...os boêmios. Tipo posudo, o Luiz, bem-criado, filho único, nunca deixou nada pra trás. Resolve tudo na hora.

 

No mormaço da tarde, quente que só no Araguaia, entre copos e copos, da nossa mesa avistou meu amigo, a velha caldeira na praça, a uns cinqüenta metros. Quis ir lá, verificar o trambolho de per si. Luiz, que lá tem casa, foi junto. Tomou a frente, ciceroneando, orgulhoso.

 

Demos umas voltas ao redor da caldeira. Meu amigo não sabia o que era. Intrigado, perguntou, à revelia, o que era aquilo.

 

Antes que eu pudesse responder, pois conhecia a sua história, Luiz, que não deixava nada por menos, tascou: “Isso aí é a caldeira do trem de ferro da antiga ferrovia que cortava Aruanã!”

 

Pasmo total. Silêncio. Eu, por educação. Meu amigo e sua mulher, mulher culta, tentando juntar as idéias, perguntou, ao fim de alguns intermináveis minutos: “Mas que ferrovia que era essa? Onde atravessava a ponte dela, aqui? “

 

Luiz, caindo na desgraça do que havia falado, mas que nunca deixa por menos, tascou, sério e compenetrado como exigia sua pose:

     “Era a ferrovia Madeira-Mamoré!”

 

Saímos da praça, de volta ao bar. Eu, meu amigo, a mulher dele, minha mulher, e o Luiz. Calados.

                                                                                                          

Um silencio avassalador.

Tétrico.

Lúgubre.

Parecia um funeral de gente importante.

 

Não se ouvia o farfalhar da cidade. O barulho dos carros. Das risadas. Nem víamos ninguém.

 

Era como se a cidade, de repente, tivesse ficado deserta, muda.

 

Depois de uma eternidade de cem passos, enfim o Luiz não agüentou, e, pela primeira vez, se deu por vencido. Disse:

                                                                                                  

“Bem, dessa vez fui longe demais...”

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