As Calçadas e uma Gestão Pública voltada para as Pessoas
As calçadas de qualquer cidade brasileira representam hoje um grande desafio para a gestão pública. Com a urbanização e a priorização do automóvel como meio de transporte urbano, os espaços voltados para os pedestres vêm perdendo seu valor.
Atualmente, para que uma cidade se torne mais humana, acessível e segura, faz-se urgente garantir a proteção das pessoas, eliminando-se os obstáculos que impedem a sua circulação nos espaços públicos.
Os proprietários dos imóveis lindeiros às calçadas têm responsabilidade pela conservação destes espaços, mas a atribuição de definir como devem ser as calçadas e fiscalizá-las é do Poder Público. É preciso que cidadão e municipalidade se vejam como co-responsáveis nesta empreitada.
Boas calçadas devem ter pisos bem nivelados, sem degraus, materiais antiderrapantes e com rampas de acesso. Também se faz relevante que sejam sombreadas por árvores, bem iluminadas à noite e com faixas próprias para implantação de mobiliário urbano. Qualquer tipo de acesso para o imóvel adjacente deve ocorrer dentro da propriedade.
A adequação destes espaços não é um processo fácil e imediato. É preciso que a gestão pública desenvolva um trabalho intenso de sensibilização e formação de parcerias. Alguns bons exemplos têm sido vistos em cidades como São José dos Campos, São Paulo e Porto Alegre, que têm em comum alguns passos a ser adotados.
1º Passo: LEGISLAÇÃO
O primeiro passo é a criação de um marco legal que regulamente os novos padrões das calçadas no Município, segundo normas de segurança e acessibilidade. A lei deve prever aspectos permitidos como as medidas, materiais, cores, estilos e variações permitidas.
2º Passo: PARCERIAS
Implantar novas calçadas é uma tarefa que dependerá de diversos agentes, não apenas da administração municipal, sendo fundamental que parcerias sejam firmadas. Em Porto Alegre, o projeto Minha Calçada contou com o apoio do Ministério Público e do CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas).
Em São Paulo, o programa Passeio Livre também possibilitou a inclusão social. A Prefeitura fez um treinamento com seus funcionários e também com pessoas em situação de vulnerabilidade social. Uma parcela dos calceteiros (responsáveis pelas obras das calçadas) era de albergados, capacitados pelo SENAI e ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland). Desempregados também eram recrutados para esta profissionalização.
3º Passo: AÇÃO EDUCATIVA
Esta etapa pode ser o diferencial. Em alguns municípios, foi criada a figura dos Agentes Comunitários, que podem ser jovens ou idosos selecionados nos CRAS e/ou nos Grupos de Melhor Idade, para capacitação, reintegrando-os ao mercado de trabalho para desempenhar o papel de intermediadores entre Poder Público e comunidade.
Nesta etapa, os Agentes Comunitários conversam com os moradores e entregam cartilhas de orientação esclarecendo os benefícios das mudanças nas calçadas para todo o município. Em São José dos Campos foi desenvolvida a cartilha Calçada Segura.
Além disso, comerciais de TV, informações nos sites das prefeituras, e um telefone especial (em São Paulo, foi criado o Disk Calçada) para tratar deste assunto devem ser criados, trazendo todo o suporte que o cidadão precisa.
4º Passo: ORIENTAÇÃO TÉCNICA
Ao identificar um problema mais complexo (degraus exagerados, árvores obstruindo passagens ou topografia complexa), os Agentes Comunitários podem instruir o munícipe a entrar em contato com um técnico da prefeitura. Em sua visita, ele dará a orientação mais adequada de execução da calçada. Durante a visita, os agentes devem preencher formulários onde são registradas as condições físicas da calçada formando, ao longo do tempo, um banco de dados.
5º Passo: EXECUÇÃO
Feitas as orientações e avisos, os moradores devem fazer a sua parte. A Prefeitura pode fazer uma parceria com empresas que fornecem material para as calçadas para oferecerem aos cidadãos condições especiais em prazos, preços e formas de pagamento. Também pode ser estudado o desconto ou isenção no IPTU por alguns anos para os moradores que executarem as calçadas conforme o padrão.
A administração municipal deve servir como modelo, executando boas calçadas em imóveis próprios, escolas e praças, como forma de incentivar as mudanças.
6º Passo: FISCALIZAÇÃO
Por fim, os fiscais devem começar a atuar para garantir o cumprimento da lei. Nesta etapa, cada residência ou comércio e sua calçada já deve ter sido catalogado. O processo de notificação e multa, no entanto, não deve ser massificado, mas pontual, a começar pelos casos mais críticos. Com isso, cria-se o exemplo, permitindo que outros moradores possam corrigir suas calçadas a tempo e a prefeitura possa monitorar as alterações com eficácia.
Outro tipo de iniciativa é o Adote uma Calçada, implementado em algumas cidades. Qualquer empresa ou cidadão pode adotar uma calçada para reforma ou conservação e divulgar mensagem de cooperação na calçada adotada, por meio de uma pequena placa.
São algumas ações que só se viabilizam mediante o comprometimento e a vontade de fazer do gestor público. A cidade, enquanto lócus da vida urbana, precisa ter este olhar responsável com as pessoas, e medidas efetivas de melhorias de nossos espaços públicos são possíveis e imprescindíveis para uma gestão pública voltada para a qualidade de vida de seus moradores.