CARTA AO PAPAI NOEL
Querido Papai Noel,
Como vai? É... eu sei. Estranho receber uma carta minha, né? Apesar de eu ter sido um bom menino este ano (grifo meu), não sou mais uma criança e todos os seus presentes já devem estar embalados, conferidos e prontos para entrega. Sei também que a sua especialidade são brinquedos e que o senhor, com o apoio dos seus incontáveis elfos, os constrói com muito amor e dedicação. Da mesma forma, não quero parecer insensível em não reconhecer que estamos na antevéspera do natal e que, quando o último presente for entregue, tudo o que o senhor mais desejará é refastelar-se em uma cadeira de balanço, na frente da lareira, ao lado da Mamãe Noel, em sua casa na Lapônia. Mas como o não eu já tenho e, considerando o meu histórico de bom comportamento (outro grifo em causa própria), não custa nada tentar...
O Brasil passa por um momento delicado, meu caro Noel. Nosso povo anda ferido, desacretidado, individualista e com valores um tanto quanto deturpados. Governo, sociedade e Estado parecem não se entender e a culpa recai sempre sobre o colo do outro. Sei que o senhor conhece cada canto deste país, mas como a sua passagem por essas bandas costuma se dar em um momento de extrema alegria, espíritos elevados, tolerância e esperança, acho importante contextualizar alguns dos pontos que nos afligem para que o senhor compreenda a melhor forma de ajudar. Calma, não precisa deixar nada na minha árvore no dia 25 - qualquer sinal que faça ampliar a nossa consciência ao longo do próximo ano, já terá valido a carta e recompensado a cara de pau. Então vamos lá:
Economia: comparado com nossos vizinhos da América Latina e com os países dos BRICS, o Brasil deve registrar um dos menores crescimentos em 2014. Previsão recente da CEPAL aponta que o nosso PIB não deve avançar mais de 0,2% o que, na América Latina, nos coloca apenas à frente da Argentina (-0,2%) e Venezuela (-3%). Nos BRICS, devemos registrar crescimento percentual maior apenas ao da Rússia. E as perspectivas para 2015 não são nada animadoras. A dívida pública segue aumentando, o superávit primário é frágil, o déficit nominal cresceu e, para piorar, a inflação segue próxima ao teto da meta e o Brasil vem sendo acompanhado com lupa pelas agências de classificação de risco. Para voltarmos a crescer de forma sustentável, será preciso um ajuste fiscal extremamente sério, com equilíbrio de contas, corte de gastos, aumento de receitas e capital produtivo. Precisamos retomar a agenda de reformas, avançar na agenda de comércio internacional, além de imprimir um choque de confiança e medidas concretas para estimular o aumento dos investimentos. E quase nada disso pode ser feito por decreto. Neste momento de renovação, é preciso reforçar o que deu certo, reconhecer o que deu errado, ouvir mais, planejar mais e avançar consistentemente.
Meu pedido: boas doses de pragmatismo, humildade e patriotismo
Corrupção: seu caráter endêmico e pervasivo tem dinamitado as nossas crenças, credibilidade e auto-estima cidadã. É fato que esta não é uma chaga exclusiva do Brasil, mas a oportunidade que temos para ir a fundo nos escândalos que recém vieram à tona, deve ser encarada como uma importante alternativa para a remissão da nossa dignidade.
Meu pedido: Justiça, seriedade, celeridade e imparcialidade.
Inovação e Competitividade: o Brasil segue na lanterna dos rankings de inovação e competitividade. Qualquer alteração no quadro de um ano para outro, não passa de ajuste na margem de erro. Inovação se faz com apoio à adoção das melhores práticas globais, estímulo à formação de capital humano qualificado e incentivo à criação de um ecossistema colaborativo entre o público, o privado e a academia. Competitividade requer um ambiente cada vez mais produtivo, desburocratizado, dinâmico e aberto. E não o contrário, como ainda pensam alguns dos nossos formuladores.
Meu pedido: visão de futuro, planejamento, mente aberta e colaboração
Valores da Sociedade: De nada adianta, Papai Noel, termos governantes responsáveis, dignos e verdadeiramente patriotas, se o povo que os elegeu não aplicar em seu dia a dia tudo aquilo que espera dos seus representantes. Reclamar e criticar à distância é postura cômoda, covarde e que pode beirar à hipocrisia, se o indivíduo que julga, não agir de acordo com a sua indignação. Furar fila, levar vantagem, colar na prova, criticar os que bebem e dirigem e fazer o mesmo, reclamar da crise hídrica e não alterar os seus hábitos de consumo, além de outras centenas de atitudes absolutamente míopes e parciais, só reforçam a percepção de que ainda temos muito o que evoluir como sociedade.
Meu pedido: discernimento, sinceridade, verdade, honestidade
E a lista segue com temas como educação (formal e social), meio ambiente, política externa, homofobia, direitos humanos... Mas eu prometo parar por aqui para poupá-lo de mais preocupações, meu querido perpetuador do legado altruísta de São Nicolau.
Sinceramente, acho que exagerei na petulância e exacerbada fé pueril. Mas a julgar pela sua luz intensa, bondade infinita, paciência de jó e extensa rede de relacionamentos com o pessoal lá de cima, não tenho a menor dúvida de que esta carta não poderia ter sido endereçada a mais ninguém senão ao senhor.
Obrigado pela sua atenção e que tenhamos todos um Feliz Natal e um excelente 2015.
Terapeuta formativo
9 aEm tempos destes nevoeiros densos, sua lucidez faz luz onde a cegueira cala as ações e os pensamentos.
Head of Marketing @ Sanofi Specialty Care - Sr. Executive • People/Business Leader • Strategist.
9 aExcelente, Fabio Rua!
Founder | Palestrante | Professora | Soft Skills | Communication & Negotiation | People Development & Training
10 aFábio, mais uma vez, adorei o post. Ao contrário da sua avaliação quanto a um possível exagero na petulância, acredito que seus pedidos foram mais do que justos, afinal quem mais poderia se dar ao direito de almejar um ano de 2015 mais justo, transparente e promissor além de nós brasileiros? Espero que este período de festas represente algo maior do que momentos de confraternização, puxando na memória, sobretudo dos políticos, a grande importância de mudanças visando o progresso do nosso país.
Chefe da Assessoria Parlamentar da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC
10 aMuito bom!
Sustentabilidade | Responsabilidade Socioambiental | ESG
10 aPerfeito!!!