Come out and play
IMDB/Divulgação

Come out and play

Lançado agora no final de março, o livro "The Anxious Generation", do psicólogo Jonathan Haidt, chegou instantaneamente ao topo dos mais vendidos da Amazon e do NY Times, e já está gerando muito debate. Pra resumir toscamente, Haidt mostra uma correlação entre o aumento dos casos de distúrbios de saúde mental, como depressão e ansiedade, e das taxas de suicídios, entre os adolescentes e jovens do EUA, com uma tendência clara de aceleração do crescimento a partir de 2012, mais ou menos quando os smartphones com aplicativos de redes sociais começaram a se tornar ubíquos.

Importante lembrar que correlação não indica causalidade, e uma crítica da revista Nature ao livro refuta o argumento de Haidt citando que as principais pesquisas feitas até o momento não concluem uma relação direta entre os dois fenômenos. Há diversos outros fatores a considerar, como a insegurança econômica, o impacto da pandemia da Covid e das mudanças climáticas, etc.

Mas o interessante da obra de Haidt, pelas críticas e resenhas que já li, é que, além de realmente colocar a culpa nos "damn phones" e nas plataformas digitais (e ele é bastante duro nessa frente), o argumento é que esse aumento da importância do digital na vida das crianças e adolescentes coincide com a diminuição dos espaços e oportunidades para eles se reunirem, brincarem, interagirem, no mundo real. A partir da década de 1980, nos EUA e de forma parecida aqui no "meu" Brasil de classe média em SP, a preocupação com a violência e segurança explodiram e os pais passaram a controlar cada vez mais os movimentos dos filhos. Eu lembro que ainda peguei o fim de uma época bem diferente em que as crianças costumavam passar boa parte do dia sem supervisão, ou na "babá eletrônica" da TV, mas, muito mais, brincando e inventando formas de passar o tempo. Na adolescência, ainda tinha a "turma da rua" e uma liberdade hoje inimaginável pra garotada das gerações Z e Alpha.

Não havia nem sinal de uma ferramenta de rastreamento e comunicação tão eficaz quanto os smartphones que estão hoje nos bolsos de todo mundo, e realmente eu passava o dia sem meus pais terem muita ideia de onde eu estava. Não, não era seguro. A gente estava exposto aos perigos da rua, que não eram tão diferentes de hoje. Na adolescência, assalto, briga de galera, problemas com a polícia, acesso a álcool e outras drogas, sexo e rock and roll.. mas esse é o ponto, segundo Haidt. A exposição ao risco é importante no desenvolvimento cognitivo, psicológico e social do ser humano. Nós nos fortalecemos na adversidade. Quando os pais colocaram as crianças em "modo de defesa", perderam o "modo de descoberta".

Agora tenho um filho de dois anos que às vezes só quer ver seu desenho na telinha do celular ou na tela da TV, e a exposição dele a telas é uma das grandes questões de como eu e minha esposa tocamos a criação do Francisco. Eu cresci na frente da TV, vendo não só desenhos e os programas da Xuxa, Angélica e Mara Maravilha quanto coisa até menos recomendável para crianças, mas também brinquei muito na rua, explorei, fiz merda, e aprendi muito. Hoje sei que morando em São Paulo ele terá muito menos oportunidade para fazer isso, mas quero fazer um esforço para dar uma "liberdade segura" e estimular todo tipo de atividade longe da tela, mas sem proibir a tela, pois qualquer um que foi adolescente sabe que proibir é o melhor jeito de estimular o adolescente a fazer alguma coisa.

Pra mim uma das grandes razões do sucesso do seriado Stranger Things é mostrar como era a vida da garotada nessa era pré-internet, pré-smartphone e pré-overparenting, de sair explorando o lugar onde você vive de galera, andando de bicicleta, se deparar com perigos mas também ter experiências incríveis. Pra que isso seja possível novamente, é preciso mudar muita coisa em como nossa sociedade se organizou. Estimular o espaço público, as trocas, uma outra concepção de "segurança". É um desafio grande, mas acho até que já está começando uma mudança que virá das próprias crianças e adolescentes. Afinal, eles sempre vão se rebelar contra o que está posto, e não duvido que muito em breve veremos pesquisas mostrando que eles estão muito menos grudados às telas que seus pais, ou mesmo seus avós.

Barbara Maués

Coordenador Regional região Norte

8 m

Torço por isso!

Acompanho o relator!

Rafael Mantarro

Especialista em comunicação de marketing na Delta Goal

8 m

Bem dito

Deise Cavignato

Gerente de conteúdo | LinkedIn | Redação Criativa | Agilista | LACP | Professora Universitária | Palestrante | ESG

8 m

Que artigo incrível. Adoro seus textos, tão originais e reflexivos. Eu venho me perguntando muito sobre o que a tecnologia tem causado, principalmente, em crianças e adolescentes... e vendo os meus sobrinhos isso me assusta um pouco.

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