Como criar um ambiente que apoia a saúde mental dos trabalhadores

Quando a pandemia foi declarada, lá em março de 2020, a preocupação era somente com a saúde física: "Quais os sinais e sintomas do coronavírus?" "Quem faz parte do grupo de risco?" "Como se prevenir?" Ninguém imaginava que a gente também entraria em uma outra pandemia. Dessa vez, uma não declarada: a pandemia dos transtornos mentais. O Brasil possui a maior taxa de ansiedade no mundo, de acordo com a OMS. O índice de depressão do brasileiro está entre o top 5 no ranking mundial. Pobreza, desemprego, preconceito e outras vulnerabilidades fazem parte dos fatores responsáveis por estes dados. Os transtornos mentais também geram uma perda financeira enorme para o mundo. O prejuízo chega perto de US$ 1 trilhão.

Além disso, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde (2018) mostra que o jovem negro do sexo masculino, de idade entre 10 a 29 anos possui maior risco de morrer por suicídio. Esse risco é 45% maior quando comparado com indivíduos jovens da mesma faixa etária. Mas, o que isso tem a ver com o mundo do trabalho? 

Há quase 2 anos o trabalho foi para dentro das nossas casas, a nossa casa virou o trabalho e aos poucos algumas empresas brasileiras estão se adequando ao trabalho híbrido, um modelo que se mostra promissor, sendo tendência para 2022. Porém, um novo modelo de trabalho não nos salva dos riscos de adoecimentos ocupacionais. Junto a isso, o medo, as incertezas e as instabilidades contribuíram muito para o agravamento dos transtornos mentais. 

E cada vez mais, o trabalho se tornou responsável por isso. Sendo assim, o ambiente de trabalho também precisa fazer parte do cenário de mudança desse processo.

O trabalho influencia na saúde dos indivíduos. E isso não é novidade, principalmente quando se fala de transtornos mentais. Professores, policiais, motoristas e profissionais da saúde são grupos amplamente pesquisados pelas universidades, no que diz respeito à ansiedade, depressão e burnout. O novo mundo trabalho, com novas atuações e o boom da tecnologia ainda não foi devidamente explorado. Não se conhece a fundo, quais os riscos para a saúde dos profissionais que trabalham com a tecnologia, por exemplo.

Mas como mudar?

Garantir o acesso a profissionais de saúde mental qualificados é um grande passo. Mas não é a única solução. Ofertar somente consultas com psicólogos não é suficiente. E ter um ambiente de trabalho cool e ofertar milhões de mimos para os colaboradores também não é a solução. Muitas outras estratégias podem e devem ser utilizadas, como educação em saúde, corresponsabilização e principalmente a mudança de cultura das empresas, voltada para a prevenção e promoção da saúde.

E se a empresa possui um forte compromisso com a diversidade, o trabalho é mais complexo.

A mesma solução contempla todos os colaboradores? Não. É neste ponto que as empresas estão falhando. Às vezes, os benefícios são ofertados mas não contemplam um grupo específico, como pessoas negras ou LGBTQIA+, por exemplo. Quando falamos de saúde, precisamos tratar os desiguais de maneira desigual. Ou seja: oferecer cuidados em saúde específicos para as demandas de cada grupo. 

As empresas precisam construir uma cultura de saúde mental para os seus colaboradores. E isso vai além da oferta de cupons de desconto. Os profissionais de RH também estão cansados e não devem ser os únicos responsáveis por esse processo. Caso não aconteça uma mudança de cultura e comportamento dentro das empresas, estaremos colocando os profissionais em um campo minado de adoecimento.

E adoecimento dentro do ambiente de trabalho leva a prejuízo financeiro e escancara a falta de compromisso com a essência de toda empresa: o capital humano.

Texto escrito por:

Arthur Lima, CEO da AfroSaúde, Cirurgião-dentista (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública), Especialista em Saúde da Família (FESF-FioCruz) e Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho (Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia).