Como transformar culturas por meio das práticas de gestão
A estrutura da sua organização comunica muito mais do que você imagina.
O começo da minha jornada empreendedora foi justamente trabalhando com um dos temas que mais me fascina: cultura organizacional. Quando eu e Ryo começamos a Tribo, tínhamos clareza de que queríamos apoiar empresas a terem culturas mais humanizadas e guiadas por propósito, sem abrir mão dos bons resultados. Esse propósito está vivo até hoje, e apesar de não mais envolvidos na operação, apoiamos os projetos realizados como mentores.
Um ponto específico me chamava muito a atenção nesses projetos: a importância percebida nos workshops que realizávamos. Do nosso lado, havia uma preocupação enorme (que obviamente, ainda existe), de garantir a melhor experiência possível para todos os participantes, assim como entregáveis relevantes ao final do encontro. Do lado dos clientes, também havia uma expectativa enorme, não só relacionada à experiência e aos entregáveis, mas à mudança de cultura gerada. Todas estas preocupações eram, e ainda são, legítimas e necessárias. Porém, após um tempo percebi como esses eventos são uma parte menor do processo de transformação do que parecem.
Veja, não estou dizendo que tais momentos de construção coletiva e discussão não são importantes: na verdade eles são fundamentais. Mas acreditar que aquele é o momento em que uma organização é transformada é um desserviço ao real processo de transformação organizacional, especialmente por trazer uma visão de que “está resolvido”. Tais momentos não são uma descontinuidade no gráfico, e sim um ponto de inflexão.
É uma tendência natural do ser humano enxergar momentos específicos no tempo como eventos de transformação: não por acaso tanta gente faz promessas de final de ano. Você pode se inspirar a correr assistindo o cenário incrível da Maratona do Rio de Janeiro (ou no meu caso, a lendária Maratona de Boston), mas a menos que você se decida a calçar o tênis e sair para correr algumas vezes nos próximos dias, dificilmente fará da corrida um hábito. E o mesmo acontece com a cultura de uma organização.
Mudanças radicais vs. graduais
Podemos simplificar cultura organizacional como o jeito como as pessoas daquela organização pensam e agem. Claro que podemos aprofundar nesse tópico falando de valores e princípios, de subculturas, ou o que for. Mas para os propósitos dessa reflexão, consideremos o jeito de pensar e agir.
Qual foi a última vez que você mudou radicalmente sua forma de pensar e agir?
A verdade é que dificilmente fazemos mudanças radicais. Exceto por alguns eventos realmente extremos, mudanças de comportamento são graduais. Esses eventos são fundamentais para alinhar expectativas, conscientizar sobre comportamentos e cocriar ações, mas em pouco tempo, o legado institucionalizado da organização tende a retomar o poder.
Por legado institucionalizado quero dizer, justamente, o conjunto de processos, rituais, ferramentas e mecanismos em que influenciam o comportamento das pessoas da organização. Ou seja, legado institucionalizado é o conjunto de práticas de gestão “instaladas” na organização, construídas ao longo do tempo a partir de modelos mentais que podem ou não, alinhados com a nova cultura que se busca.
Cada prática de gestão envia um sinal para as pessoas que ali trabalham sobre como as coisas são feitas: se uma empresa toma decisões de forma centralizada ou descentralizada; se tem transparência ou não de informações; se cobra entregas ou resultados. E esses sinais são capturados consciente ou inconscientemente. Ao longo do tempo, os sinais das práticas tendem a vencer os sinais dos eventos, não porque são mais fortes, mas porque são mais frequentes.
Vamos usar um exemplo simples: vamos supor que você decidiu que sua empresa precisa ser mais colaborativa. E para isso, você cria uma série de palestras e workshops sobre colaboração. As pessoas participam, e, por algum tempo, realmente colaboram mais.
Mas em pouco tempo voltam aos seus silos e formas não colaborativas de trabalhar.
O que aconteceu?
Provavelmente as pessoas não tinha razões para se manter colaborando. Seja por uma falta de incentivos, ou mesmo por um desincentivo (que muitas vezes não está explícito). Por exemplo, você pode promover colaboração como um valor, mas pagar remuneração variável por metas individuais. Nesse caso, passadas algumas semanas qual sinal orienta mais os seus comportamentos? O enviado pelo workshop sobre colaboração, ou o enviado pelo bônus? Vou deixar você responder essa pergunta.
Como transformar a cultura de uma organização por meio da gestão
Apesar da força do legado institucionalizado na manutenção da cultura de uma organização, nós não podemos, nem devemos, nos tornarmos reféns dele. Reconhecer sua existência, e DNA de gestão por trás de cada prática, é um primeiro passo muito importante. A partir daí, começa o trabalho duro de transformá-las.
Mas por onde começar?
Para mim, as melhores respostas para resolver problemas de gestão muitas vezes estão em outras disciplinas. Uma das minhas maiores referências intelectuais, Donella Meadows, construiu um framework para atuar em sistemas complexos chamado “Pontos de Alavancagem” (no original, Leverage Points), onde lista onde se pode atuar em um sistema complexo para causar mudanças significativas, de acordo com a capacidade de alavancagem daquele ponto.
Sendo uma organização um sistema dessa natureza, com várias partes interrelacionadas e características emergentes, me parece natural imaginar que tais pontos de alavancagem pode ser um bom ponto de partida para definir de forma criteriosa por onde começar.
O modelo original de Donella conta com doze pontos, mas selecionei os seis pontos de maior alavancagem, justamente pela sua correlação mais direta com os desafios de gestão de uma organização:
Existem inúmeras formas de atuar em cada um dos pontos, e essa análise não pretende ser exaustiva, apenas introdutória. Vale destacar também que estar mais à direita no gráfico não significa apenas ter maior alavancagem, mas também ser de implementação mais desafiadora. Dito isso, vamos aos pontos:
6. Estrutura do fluxo de informações
A estrutura atual de fluxo de informações serve ao tipo de cultura que queremos construir?
A forma como uma organização se comunica e compartilha informação diz muito sobre que tipo de organização ela é: hierárquica ou horizontalizada, permeável ou fechada, transparente ou opaca.
A influência destes mecanismos na cultura é bastante relevante. Se você quer ter uma cultura mais colaborativa, utilizar mecanismos formais e de navegabilidade ruim (como o e-mail) trava a comunicação, enquanto uma ferramenta de comunicação assíncrona e síncrona mais permeável (como o Slack), facilita. Se você quer ter uma cultura de responsabilização, acesso a dados relevantes (e muitas vezes sensíveis) é uma condição básica para que as pessoas decidam de acordo com os interesses da organização.
5. Regras do sistema
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Nossas políticas e regras servem ao tipo de cultura que queremos ter?
Toda organização tem suas regras, mesmo as organizações que se dizem sem regras. As regras podem ser incentivos, restrições ou mesmo punições que afetam os integrantes da organização.
Você já parou para pensar como regras afetam certos comportamentos? Um caso específico que encontrei em uma consultoria ilustrava bem esse fenômeno: uma organização que queria que as pessoas inovassem mais e corressem mais riscos, mas que exigia que toda despesa fosse aprovada pelo gerente. Se as pessoas não tem liberdade para fazer pequenos gastos com experimentos, vão arriscar com o que?
Alterar as regras, mesmo que aos poucos, ajuda a realinhar os sinais que a organização passa para as pessoas. Você pode examinar regras como critérios de aprovação de gastos, autoridade de decisão, ou mesmo regras de incentivo financeiro. Boas regras sinalizam os comportamentos desejados pela organização.
4. Estrutura da organização
Que estrutura serve melhor ao tipo de cultura que queremos ser?
Como a organização está estruturada diz não apenas o que ela é capaz de fazer, mas como ela enxerga sua forma de gerar valor. Uma organização mais funcional (por exemplo: marketing, RH, finanças como principais divisões) tem como premissa uma coordenação maior de todas as áreas em prol de um objetivo comum, enquanto uma estrutura divisional (por produto ou unidade de negócio), preconiza mais agilidade e responsabilidade local, ainda que com perdas de coordenação.
E a estrutura não está apenas no nível organizacional, mas no nível das equipes: quantas pessoas formam uma equipe? Como é a estrutura de autoridade no time? Que rituais são comuns a esse time?
Não existe estrutura perfeita, todas têm seus prós e contras. Mas uma estrutura que parece rígida e imutável não o precisa ser: pode-se começar aos poucos a adotar modelos diferentes de organização, até mesmo com paradigmas de organização acontecendo em paralelo (como no caso de estruturas tradicionais funcionando ao mesmo tempo de squads multidisciplinares.
A referência aqui é a cultura desejada. Se uma empresa tem como valor a ser incentivado a centralidade no cliente, por exemplo, como isso está refletido na estrutura?
3. Propósito e objetivos
O que estamos buscando e como medimos sucesso?
A razão de existir de uma organização é talvez um dos mais importantes sinais enviados para os integrantes sobre a cultura. Se o propósito (ou missão, ou o nome que preferir) declarado da empresa é atender melhor os clientes, gerar mais retorno aos acionistas, ou criar um excelente ambiente de trabalho, tais objetivos acabam se tornando critérios de tomada de decisão para as pessoas.
Os objetivos, por sua vez, tangibilizam ainda mais o que é importante: a escolha dos indicadores de sucesso acaba naturalmente sinalizando para as pessoas o que será valorizado, assim como, por exclusão, o que será ignorado.
Vale destacar que possuir uma direção clara e declarada é poderoso. Um propósito declarado pode energizar colaboradores, e servir de “imã” para pessoas que se conectam com aquele propósito ou objetivo. Além disso, os indicadores adotados sinalizam o que organização entende como seu sucesso, muitas vezes direcionando comportamento de forma muito mais poderosa que uma comunicação institucional.
2. Paradigma adotado pela organização
Quais são nossas crenças mais fundamentais?
Não apenas toda organização, como todo grupo humano opera a partir de certos paradigmas, regras “fundamentais” estabelecidas em algum momento, que acabam servindo de modelo mental para muito do que é institucionalizado como legado da organização. Uma organização construída num paradigma de confiança, por exemplo, pode ter maior abertura de tomada de decisão, enquanto uma construída em um paradigma de trabalho duro pode valorizar a presença física das pessoas no escritório.
Um dos exercícios mais interessantes que já vi para examinar os paradigmas adotados por uma organização é o de fazer um mergulho em sua história, especialmente, se possível, um aprofundamento com os fundadores. Muitas das regras de comportamento e valores vêm dali, e mesmo se não forem declarados, é difícil romper com um paradigma estabelecido a menos que ele seja reconhecido e discutido.
1. Capacidade de transcender paradigmas
Como podemos revisitar no que acreditamos?
Não é por acaso que a capacidade de transcender paradigmas é o ponto de alavancagem mais forte de um sistema ou organização: se você pode mudar as regras fundamentais no qual você opera, você muda tudo.
Mas também não é por acaso que é o ponto mais difícil de utilizar: Max Planck disse que “a ciência avança um funeral por vez”, querendo ilustrar a dificuldade dos cientistas de abandonarem seus paradigmas para que novos paradigmas surjam.
Revisitar, questionar e transformar crenças e paradigmas é um trabalho árduo e difícil, que requer muita reflexão e autoconhecimento. Dedicar-se a ele, possivelmente com a ajuda de outras pessoas, pode ser transformador, não apenas para a organização, mas para os indivíduos.
Transformar uma organização é trabalho duro. E não apenas por conta do desafio intelectual, mas especialmente por conta do desafio humano. Ouvi um dia uma frase que ilustra bem esse processo: “estratégia é uma temática sempre representada como xadrez, mas no xadrez você não precisa convencer as peças a se mexerem”.
Você pode, e deve, fazer um trabalho excepcional de construção de uma visão poderosa de cultura desejada, e comunicá-lo a todos os integrantes da organização. Deve trazer parceiros para apoiar nesse processo, especialmente conduzindo as conversas desafiadoras que catalisarão as mudanças.
Mas esse é só o primeiro passo. A notícia ruim é que não vai existir um “dia D” no qual a cultura da sua organização se tornará o que você deseja. Como líder, você aos poucos irá repensar suas práticas de gestão, fazendo com que sinalizem o tipo de cultura desejada (além de, logicamente, cumprirem suas funções técnicas e práticas). Mas a notícia boa, é que não precisa ter. A cada passo dado, a cada prática transformada, você verá a evolução gradual da sua organização rumo ao tipo de cultura que você gostaria de ver. Calçando o tênis e saindo para correr todo dia, em breve você estará correndo uma maratona.
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Espero te ver aqui mais vezes, e até a próxima!
GERENTE COMERCIAL at KEY CONSULTORIA E TREINAMENTO LTDA
2 aExcelente reflexão. Parabéns Pedro e Sucesso
Aprendiz, Integrador, Facilitador, Coach
2 aMuito boa reflexão e referência aos pontos de alavancagem!
hr business partner @sólides | psicóloga | hrbp | facilitadora | gestão estratégica de pessoas
2 aSâmara Borges