Como você tá?
(Foto de Vie Studio)

Como você tá?

“Ando tão ausente de mim mesma, sabe?”

“Ah, sigo existindo”.

“Olha, quando eu era viva até que estava bem…”

Se você é do tipo que prefere evitar esse tipo de resposta esdrúxula, não me pergunte como estou.

Detesto respostas-padrão. 

E sou criativa.

Neste momento, estou X. Daqui a uns dez minutos, não se espante: terei mudado. E não me refiro a bipolaridades - até porque, no meu caso, o termo mais correto seria algo como pluripolaridades, multipolaridades… enfim, algum prefixo não-mono.

A pensão do meu ser anda superlotada. Uns inquilinos de personalidade forte. Ih, nem te conto. Pensa na reunião de condomínio.

Quando minha analista se distrai e começa a sessão perguntando como estou, já sabe que, fatalmente, passará os próximos 40 minutos da terapia ouvindo minha resposta resumida.

O que disse? Ah, você não tem esse tempo para ouvir as pessoas? Seu ganha-pão passa longe de escutar problema alheio?

Puxa, que sorte! 

Diferente de minha analista, você tem a opção de permanecer no raso. Recorrer ao cumprimento clássico “Tudo bem?”. 

É bem provável que receba de volta a réplica “Tudo bem, e você?”. Ao que você responderá, cumprindo sua parte do jogral, com variações de “Tudo certo”, “Tudo caminhando” ou, em dias astrologicamente mais favoráveis, “Tudo ótimo!”

Isso se você estiver em paz com o modo automático das relações superficiais, claro.

Se bem que as pessoas que respondem “Tudo bem” podem não ter entendido a pergunta. 

“Tudo” é muita coisa. Dificilmente está tuuuudo bem, como vimos nesta edição da Alma Transgressora sobre Ansiedade, nossa companheira mais presente do século XXI.

A questão é se quem perguntou está disposto a escutar a resposta. Volte três edições: “Alguém está realmente ouvindo?”.

Há quem prefira ser mais educado que sincero. Responde logo um “Tudo joia” e vai fazer seu corre. Acho válido para as segundas-feiras de inferno, digo, inverno.

E deve haver também aqueles que realmente estão no auge de suas plenitudes, pessoas que de fato podem afirmar que está TUDO bem. Onde vivem? Do que se alimentam? Como se reproduzem? Sexta-feira no Fantástico. Mundo de Bob.

Nos últimos anos, confesso que fui falsa todas as vezes que esbocei meu “Tudo bem” amarelado para pessoas que se mostraram autocentradas demais para me ouvir. Sempre uma história pior. Uma dor mais aguda. Um problema mais grave. Competição de desgraças.

Se não está disponível para se interessar pela resposta, faça como eu, em dias de TPM: não pergunte. Diga “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”. Já tá ótimo! Comentar sobre o clima também funciona bem para papos de elevador, conversas que antecedem reuniões da firma e sociabilizações diversas.

Deveria haver um tipo de “umbigômetro” para medir o índice de autocentramento das pessoas.

Parece que, de uns tempos pra cá, pouca gente tem espaço emocional para se importar com qualquer coisa diferente da própria sobrevivência psíquica.

Eu? Primeirona da fila. Falo aqui da grade deste show de horror. Umbigômetro 100%. (Aproveito para pedir desculpas publicamente para pessoas queridas com quem tenho sido negligente por motivos de “não tô dando conta nem de mim”).

Conhece algum ser humano que escapou ileso das consequências emocionais da pandemia?

“Ah, Cíntia, de novo esse lance de ressaca pós-pandêmica?” 

Amores, essa desgraça nos marcou como geração. Se coisas minúsculas afetam quem somos, imagine as que têm repercussão mundial! Estamos adoecidos de forma coletiva. Levanta a mão aí a galera que está super bem emocionalmente. Adoraria estudar vocês.

É claro que os dramas urgentes da falta de sociabilização e do medo generalizado foram superados com o final da quarentena, etecetera e tal. Acontece que esse enclausuramento gerou marcas profundas em quase 8 bilhões de criaturas. Surgiram novas maneiras de trabalhar, de se relacionar, de se divertir, de viver.

Tenho dados científicos para comprovar o que digo? Claro que não. Mas duvido que você não os encontre facilmente por aí, em fontes muito mais confiáveis que esta.

Digo mais: você acredita em respostas certas?

Caso sim, talvez tenha perdido uns oito minutos com esta leitura. E já adianto que vai gastar mais meia dúzia sem qualquer garantia de conclusão assertiva.

Sou grata pelas pessoas que me perguntam como estou. Gente que pula a parte do “tudo bem?” porque sabe que há tempos o rolê tá complexo por aqui.

E você?

Como você tá?

Eu é que não posso afirmar.

Mas, se estou perguntando, acredite: gostaria muito de saber.

Vou ajudar? Provavelmente, não.

O que tenho a dizer, com todo carinho e humanidade que me restam, é que você não está só.

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Para além das epidemias globais, estou atravessando um período complexo. Fiz quarenta anos em janeiro. Minha filha mais velha completou dez. Minha mãe, oitenta. 

Juro que tento desviar de profundezas analíticas, mas digamos que venho navegando por mares agitados - e nem marinheira gosto de ser.

“Metanoia” é o nome bonito que Jung deu para esse tempo de revisões que algumas pessoas passam com consciência, outras sem. Vulgo “crise da meia idade”.

A Metanoia pode ser compreendida como uma crise de transição, que envolve aquilo que vai além da razão e que exige transgressão para que as mudanças ocorram. (...) Pode ser vista como uma conversão, como dizia o apóstolo Paulo, momento em que o mundo exterior se volta para o interior e o tempo linear e sequencial de Khronos vai adentrando em uma dimensão profunda – tempo de Kairós – que envolve o recolhimento e o mergulho no inconsciente. Essa jornada favorece o desenvolvimento e a ampliação da consciência com o confronto intrapsíquico de polaridades, que envolvem personas e sombras, permitindo uma caminhada rumo ao Self.  Em termos práticos e com o pensamento voltado para outra metade da vida que resta, é um período em que buscamos descobrir o nosso propósito de vida e o significado dos nossos conflitos internos, que ficaram adormecidos no inconsciente e em algum momento afloraram em forma de sintomas, como: a depressão, o abuso de álcool e de drogas ilícitas, as doenças graves, as perdas significativas, as mudanças de trabalho, entre outros. As feridas aparecem, exigem um pensamento realista e uma harmonia com o universo, podendo resultar em ressignificação de velhos padrões. Segundo James Hollis, é morte e renascimento em transição: “Rever a vida a partir da posição da segunda metade dela requer a compreensão e o perdão do inevitável crime da inconsciência. Mas deixar de ficar consciente na segunda metade da vida significa cometer um crime imperdoável”.

Esse trecho do artigo de Claci Maria Strieder no site do Instituto Junguiano da Bahia se chama “Metanóia e meia-idade: mergulho nas profundezas da alma e no poder de renovação”.

O que farei com a suposta metade da vida que me resta? - eis a questão.

Da próxima vez que alguém perguntar como você está, fica o convite para se observar de forma ampla:

Cadê você, na vida? Está presente?

Segue alimentando dores do passado?

Anda refém de um futuro que nem sabe se existirá?

É cansativo viver em guerra com o ego. Mas, cuidado: silenciar a alma pode ser mortal.

Conte com você.


Atraso

Tenho atrasado meu compromisso de mandar a news às 10h da segunda-feira. Não gosto. Peço desculpas a você, que me acompanha, que espera por esse respiro, que estranhamente se nutre com meus auto-chacoalhões. A rotina anda meio escangalhada por aqui, mas vou me reorganizar. Enquanto isso, seja gentil, como também tenho tentado ser comigo mesma. Mil gracias, viu?


Convite

E se você perguntar a alguém como a pessoa está e, de forma atenta e silenciosa, escutar o que ela tem a dizer?


Boa semana pra você, alma querida.

Para você que me lê também.

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