Como ser feliz em meio à dor?
(Foto de lil artsy)

Como ser feliz em meio à dor?

Se você chegou aqui com a ilusão de encontrar respostas, vou poupar seu tempo e frustrar suas expectativas: não tenho a menor ideia de como ser feliz em meio à dor.

É isso.

Boa semana.

(Seria muito legal terminar assim, mas não consigo).

Precisamos conversar sobre politeísmo emocional.

Calma.

Não estou falando de religião, e sim de uma quebra necessária de um pensamento binário.

Ou estamos felizes ou estamos tristes, certo?

Será?

A animação Divertida-Mente é, para mim, uma das mais didáticas formas de mostrar esse conceito: uma mesma situação pode simultaneamente ser feliz e triste; trazer medo e alegria; raiva e nojo. No filme, quando uma memória é afetada por novas emoções, passa a ter as cores dos respectivos sentimentos que a atravessam.

Só que na novela da vida isso também acontece: somos habitados por sentimentos aparentemente ambíguos. E o pior é que muitas vezes nos sentimos culpados por isso. Como se precisássemos ser fiéis às emoções mais “difíceis”. Solidários às angústias, abafando qualquer sensação quentinha que queira nos invadir.

É só comigo?

Tô ali numa bad alimentando a depressão e, plim!, um sorriso me escapa ao ver as crianças fazendo graça. Em vez de me deixar transbordar por aquele júbilo momentâneo, contenho os músculos da boca, escondendo os dentes, como se reprimir aquela fagulha radiante inesperada fosse um respeito às feridas abertas que ainda precisam cicatrizar em mim.

Ora, e quem disse que risada não tem efeito curativo?

Quando meu pai partiu, há quase 8 anos, senti que não possuía mais o direito de me alegrar. Um pedaço do meu chão havia sumido. Doíam demais as memórias de sua finitude. (Os últimos dias perto de alguém abduzido pelo câncer são inesquecíveis - espero que você nunca saiba disso).

Impotente diante daquela dor dilacerante, perdi também a competência de me sentir feliz. Sentia culpa por estar encantada com a vida que transbordava de minha bebê a cada nova descoberta. Era o mundo renascendo diante de meus olhos incapazes de contemplá-lo.

Por bastante tempo, confesso que me deixei abater pelo binário: não há qualquer possibilidade de me sentir feliz, se estou tão triste. Tive muita dificuldade de aceitar a coexistência dessas duas emoções contraditórias em mim.

Permitir que a alegria me acalentasse o coração não invalidaria a dor pela perda do meu pai - hoje entendo.

Outro dia, ao desabafar sobre minhas montanhas-russas emocionais, recebi de presente uma imagem bonita que me marcou: “não adianta ficarmos esperando pelo platô de felicidade, porque ele não vai chegar…” (thanks, dear Tchyses).

Demorei para entender que o platô de felicidade não existe (esse é apenas mais um ideal que deveríamos destruir antes que ele mesmo faça isso conosco).

Tenho percebido que a tal felicidade aparece em faíscas, lampejos, gotículas, pancadas de chuva, arco-íris, algumas vezes, inclusive, associada a raios, trovões e neblinas. Precisamos aprender a reconhecer onde, em nós, ela nasce. Ou morre. Como é percebida. De que se alimenta. E, especialmente, como se reproduz. Podemos ser íntimos da própria felicidade.

Você e eu pertencemos a gerações semi-analfabetas emocionalmente - e falo isso sem medo de errar a idade de quem estiver me lendo, pois a afirmação serve para o conjunto de pessoas vivas no ano de 2024: Baby Boomers, Geração X, Y, Z e Alpha. Aprendemos na raça a nomear o feijão-com-arroz dos sentimentos e olhe lá… Nossos pais, avós, bisavós também não foram ensinados a priorizar o sentir. Precisavam sobreviver e, para isso, produzir. Trabalhar. Ser úteis.

Na dúvida, bota essa angústia no saco da “tristeza”, onde estão também a frustração, o ressentimento e o remorso. Euforia, encantamento, êxtase? Ah, são coisas parecidas com “alegria”. Ódio, rancor e histeria? Chama tudo de “raiva”, que fica mais fácil.

Percebe a simplificação?

E daí que a gente aprende equações de segundo grau, estuda a função das mitocôndrias, decora o pretérito imperfeito do verbo sentir, mas não sabe diferenciar desânimo e depressão. Ou, pior: não consegue entender a relevância da educação socioemocional.

Ih.

Você também está na dúvida de por que isso importa?

Importa porque somos seres belos, complexos e plurais. Feitos para habitar um planeta belo, complexo e plural - e não para alimentar um sistema predatório de produção de capital com distribuição desigual de recursos.

A felicidade também é um conceito coletivo que precisa ser vivido dessa forma, também. Como dormir em paz sabendo da tragédia que assolou nossa gente lá no Rio Grande do Sul? Apoiar iniciativas inúmeras parece não suavizar a dor da impotência diante de uma catástrofe que infelizmente será cada dia mais comum - se medidas imediatas não forem tomadas pelos responsáveis políticos: todos nós.

Tomar atitudes coerentes com o que acreditamos também é um movimento em direção à felicidade. Individual e coletiva. Mas esse exercício é árduo. E exige uma enorme desconstrução.

Durante muito tempo, não me permiti sentir alegria integral se alguma área da vida estivesse ruim. Estou mal de grana? Briguei com pessoas que amo? Alguém está doente? Tá difícil encarar a segunda-feira no trabalho? Uma catástrofe aconteceu em algum lugar do mundo? Como ficar feliz plenamente? - eu me questionava, sabotando qualquer possibilidade de desfrutar do momento presente, uma vez que ele não era “completo”.

Esperar para ser feliz apenas quando houver uma convergência intergaláctica de todas as áreas da vida - e do universo - é uma atitude não apenas utópica, mas inocente (para não falar “desprovida de inteligência”).

É possível passar por um período melancólico e, ainda assim, sentir prazer. Estar em luto e gargalhar de uma piada besta. Enfrentar sofrimentos e reconhecer a alegria de se sentir amado. Na verdade, não é apenas possível. É humano!

Quando entendemos que há uma pluralidade de personas que nos habitam - às quais podemos estar atentos para nos aproximar de quem somos - fica mais fácil sair do binarismo. 

E assim, quem sabe, resgatar a alma perdida lá de dentro dos quadrados onde passamos a vida tentando caber.

A felicidade estática

Já tomou um choque encostando em alguém? Ou num corrimão ou maçaneta? Sou a campeã dos choques em carrinhos de bebê. 

A eletricidade estática explica.

Trata-se de um fenômeno muito comum que nos faz levar choques ao tocar em outras pessoas ou materiais em dias muito secos. O ar desidratado prende e acumula elétrons nas superfícies e lá vamos nós tomar umas descargas elétricas de graça.

Como evitar que isso aconteça? A eletricidade estática é descarregada por meio do aterramento. Andar descalço ajuda um bocado, especialmente na grama, na terra, na areia...

O que isso tem a ver com a felicidade?

Nada.

Quer dizer, depende.

Se criarmos aqui o conceito de felicidade estática - em um surto criativo irresponsável - poderíamos nos deixar impactar por pequenos choques de realidade ao nos deparar com as faíscas de contentamento que geralmente nos passam despercebidas.

Seu cachorro encostou a cabeça na sua perna pedindo carinho? Felicidade estática. Pulou aquela notificação que você gosta de receber? Felicidade estática. Conseguiu tomar um banho tranquilo? Felicidade estática.

Se a gente botar os pés descalços no presente fica mais fácil carpediar uma segunda-feira qualquer - que nunca é apenas mais uma, mas A.

É cansativo viver em guerra com o ego. Mas, cuidado: silenciar a alma pode ser mortal.

Conte com você.


Uma mudança no compasso

Por motivos de preservação de sanidade, vou testar uma frequência quinzenal para esta newsletter.

Tudo bem?

Como isso chega para você, que me lê?


Palestrando e cantando e seguindo a canção

Na reinvenção profissional que tenho construído, entendi que posso usar minhas habilidades de comunicação de forma ampla - não apenas na literatura, mas também em palestras e rodas de conversa que muito me trazem felicidade.

Já tive a honra de promover rodas e palestras para diferentes públicos: alunos, famílias, professores, lideranças femininas e equipes corporativas dos ramos mais diversos. No fim das contas, tudo gente. <3

As temáticas? Saúde mental, mudança de carreira, exaustão, dores invisíveis… (vou deixar aqui abaixo o link da apresentação completa com todos os detalhes).

Ver apresentação completa

Se você puder enviar esse material ao RH de alguma empresa que se importe com o cuidado de pessoas, ficarei imensamente grata. Pode mandar para várias, também. Prometo não ficar chateada.

Boa semana pra você, alma querida.

Para você que me lê também.

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